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26 de Maio de 2024
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    Manifesto contra a redução da idade penal marca os 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente

    Um manifesto contra a proposta de redução da maioridade penal foi apresentado durante o seminário "25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente", realizado na última sexta-feira (10 de julho), no auditório do MP-PR. A “Carta de Curitiba”, que será encaminhada ao Congresso Nacional, manifesta a preocupação das instituições participantes do evento em relação à ameaça de recrudescimento do tratamento dispensado a jovens autores de atos infracionais e traz reflexões destinadas a aprofundar o debate sobre o tema. A inquietação também foi manifestada pelos palestrantes do seminário, entre eles o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sérgio Luiz Kukina.

    Promovido pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente e da Educação e pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, o evento contou também com o lançamento de edição comemorativa aos 25 anos do ECA, a “Revista Igualdade” (acesse aqui). Lançada pelo procurador-geral de Justiça, Gilberto Giacoia, a revista foi produzida em formato digital e traz doutrina e jurisprudência, além de experiências positivas da atuação institucional na proteção das crianças e dos adolescentes.

    Carta de Curitiba – Dentre outros pontos, a Carta de Curitiba destaca que, no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente, o infrator já é punido no Brasil a partir dos 12 anos (as penas chegam a seis anos, somando os regimes de privação total e parcial de liberdade); que, ao contrário do que se apregoa, os adolescentes respondem por pequena parcela dos crimes no país (apenas 1% dos crimes violentos é cometido por jovens); e que a medida tende a agravar o quadro de violência no Brasil, já que a taxa de reincidência entre os presos adultos supera 70%, enquanto no Sistema Socioeducativo está na casa dos 20%.

    Destacando a inconstitucionalidade das propostas que estão em discussão, a Carta de Curitiba cita ainda que, mais do que autores de crimes violentos, os adolescentes são as grandes vítimas: os homicídios representam 36,5% das causas de morte de adolescentes no Brasil. O manifesto ressalta ainda que as medidas em discussão seguem na contramão da tendência mundial, já que, na maior parte dos países, até em cumprimento ao recomendado pela Organização das Nações Unidas, a idade penal está fixada em patamar igual ou superior ao brasileiro, havendo caso de nações (como a Espanha e a Alemanha), que após terem reduzido a idade penal, tornaram a aumentá-la, diante dos reflexos negativos.

    Por fim, o manifesto ressalta que qualquer discussão em torno do aumento do período de privação de liberdade de adolescentes, sobretudo para os autores de infrações mais graves, deve ser realizada de forma serena, com cautela e responsabilidade, no âmbito do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei nº 12.594/2012, com a observância dos princípios ali previstos, de modo que a privação de liberdade, quando necessária, seja obrigatoriamente conjugada com a oferta, pelo Estado, da educação básica, aprendizagem profissional e outras intervenções junto ao adolescente e sua família que permitam sua efetiva ressocialização, em benefício da coletividade.

    Veja a íntegra do documento.

    Abertura – Na abertura do evento, o procurador-geral de Justiça, Gilberto Giacoia, destacou a luta intransigente do Ministério Público do Paraná na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Lembrou que a sociedade brasileira tem uma dívida em relação a segmentos expressivos da população, ainda marginalizados, que está sendo paga aos poucos. Entretanto, ao mesmo tempo em que o país progride na luta pela garantia de direitos, há no horizonte tendências de retrocesso, que caminham na contramão da história, como acontece com a tentativa de draconização do sistema penal de modo a compreender um segmento da população juvenil. Giacoia criticou o fato de que as fontes geradoras da violência e da criminalidade estejam encobertas pela difusão da ideia de que a expansão do poder punitivo e do sistema repressivo do Estado – exatamente contra quem mais precisa de tutela e proteção – possa resolver o problema.

    A subprocuradora-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos Samia Saad Galotti Bonavides, coordenadora do Ceaf, lamentou o movimento pela redução da idade penal. Disse que a garantia dos direitos das crianças e adolescentes foi uma conquista de relevância significativa que não combina com o retrocesso enorme que representaria a redução da idade penal.

    O coordenador do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente, Murillo José Digiácomo, declarou ter orgulho de que o MP-PR tenha se posicionado institucionalmente contra a proposta de redução da idade penal, por ter certeza de que “ela é um retrocesso e um mal”. Garantiu que o MP lutará para reverter a aprovação confiando que a proposta seja barrada no Senado ou no Supremo Tribunal Federal.

    Crianças e adolescentes e o STJ – Na primeira palestra do dia, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Sérgio Luiz Kukina relatou casos no STJ envolvendo a temática dos direitos da criança e do adolescente. Antes, contou um caso de Santos, no litoral paulista, onde o MP ajuizou ação civil pública para exigir que o Executivo municipal destinasse verba para programas de recuperação de crianças e adolescentes em situação de drogadição. O Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a legitimidade do MP para exigir do Executivo a execução de política específica que se tornou obrigatória por resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. “Esse julgado abre precedente importante para que o MP lance mão de ação civil pública para coagir o poder público para implementar políticas de atendimento às crianças e adolescentes”, alertou.

    Kukina criticou decisões judiciais que determinam o internamento de crianças e adolescentes sob o argumento de que o infrator “integra uma família desestruturada, está fora da escola ou é usuário de drogas.” Ou seja, o adolescente é penalizado porque não está tendo acesso a direitos básicos elementares – vida familiar, freqüentar a escola, ver-se livre das drogas –, e a Justiça está usando isso como fundamento para a internação, o que constitui uma dupla penalização. “Concito a todos a que tenham os olhos voltados a essa causa nobre, que se esforcem cada vez mais, fornecendo bons subsídios para que o Poder Judiciário possa dar resposta adequada a todos esses assuntos”, conclamou.

    Em seguida, falou a procuradora de Justiça Édina Maria Silva de Paula, vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP) e integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. A palestrante lembrou afirmação do jurista Dalmo Dalari, em 1997, sustentando que levaria pelo menos três gerações para o ECA ser devidamente compreendido e cumprido. “As pessoas não percebem que aquele sujeito de direitos (a criança) não nasceu com a arma na mão, não nasceu violento”. A falta de políticas públicas adequadas é que o levou a essa situação, sustentou, baseando-se na experiência que teve em sua pesquisa de mestrado sobre o perfil do adolescente infrator. Édina conclamou os membros do MP a participarem ativamente da elaboração das políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente nos municípios, lembrando que o MP consegue trabalhar de forma mais efetiva quando exige o cumprimento das resoluções dos Conselhos Municipais dos Direitos das Crianças e Adolescentes: “Precisamos chamar nossos parceiros nos municípios”.

    Direitos no ECA O procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do Caop dos Direitos Humanos, manifestou em sua palestra preocupação com o grave momento, ante o risco trágico da resposta que se pretende dar ao adolescente que comete ato infracional. Lembrou a luta pelo reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos direitos e pela inclusão, no arcabouço jurídico nacional, da doutrina da proteção integral. No conjunto dos direitos fundamentais decorrentes dessa doutrina, advindo da dignidade da pessoa em peculiar fase de desenvolvimento, é que se insere o art. 228 da Constituição, que prevê a imputabilidade penal apenas a partir dos 18 anos. A proteção integral traduz um direito fundamental da população infanto-juvenil e, portanto, trata-se de cláusula pétrea insuscetível de modificação por emenda constitucional.

    Olympio reafirmou que é a partir dos Conselhos Municipais que se pode garantir os direitos de crianças e adolescentes. A política deliberada pelos conselhos vincula o administrador, que é obrigado a destinar recursos para o atendimento a essa população. “Seria possível fazer uma revolução no país se os Conselhos realizassem um adequado diagnóstico em cada localidade e, a partir disso, formulassem uma política adequada. Estamos perdendo essa luta porque não empoderamos os Conselhos, e porque os Conselhos não cumprem sua função, e não acompanhamos a elaboração das leis orçamentárias. Tratamos o assunto como se não houvesse um comando constitucional determinando prioridade absoluta”.

    Comentando o projeto de diminuição da idade penal, ressaltou o desconhecimento da população, aliado à má fé de alguns na difusão da ideia errada de que o ECA é a porteira da impunidade. “Ou buscamos resgatar para a vida social e familiar o adolescente, ou vamos entregá-lo definitivamente à criminalidade”, advertiu, destacando que todas as instituições que atuam diretamente na área da infância e a juventude são contra a redução. “Querem que o adolescente, ser em formação, complete sua formação na penitenciária! Ele vai ser devolvido à sociedade um cidadão pior do que entrou”, lamentou o procurador. Olympio criticou ainda a aberração que representa o projeto atual, que prevê que uma pessoa pode ser ao mesmo tempo imputável e inimputável, conforme o caso, “absurdo que não há país no mundo que tenha estabelecido”.

    Justiça restaurativa na infância e juventude – A promotora de Justiça Vanessa Harmuch Perez, com atuação no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Ponta Grossa e uma das pioneiras da adoção da justiça restaurativa no MP-PR, falou sobre o tema “Justiça restaurativa na área da infância e juventude”. Na exposição, a promotora resgatou a história das práticas restaurativas no mundo, citando o pioneirismo da Nova Zelândia, que inspirou vários países a também investirem nessa alternativa. No Brasil, ela destacou o trabalho feito no Rio Grande do Sul, em especial em Caixas do Sul, onde as práticas restaurativas estão presentes não apenas na Justiça, mas também nas faculdades, na igreja, na Brigada Militar e na Guarda Municipal, entre outros espaços, e em Porto Alegre, onde nas duas comunidades trabalhadas, há cinco anos, não há registro de casos de atos infracionais encaminhados para o sistema judicial. No Paraná, a promotora informou que, por enquanto, as práticas restaurativas estão sendo trabalhadas judicialmente em três cidades: Londrina, Toledo e Ponta Grossa.

    Em relação aos adolescentes em conflito com a lei, a aplicação das práticas restaurativas apresenta como maior avanço, na avaliação da promotora de Justiça, a possibilidade de realmente se transformar o adolescente. “É comum que os adolescentes se neguem a fazer o tratamento no Caps, por exemplo. Quando as técnicas restaurativas são aplicadas as chances de isso ocorrer diminuem, pois, nas rodas de conversa, o adolescente participa da definição do que vai ocorrer com ele. E faz toda a diferença ele participar da decisão de frequentar o Caps, de voltar para a escola, de morar com a família”, comenta a Vanessa Harmuch Perez. A promotora pontuou, ainda, que a aplicação das práticas restaurativas na área da infância e juventude já tem previsão legal: o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), que estabelece como princípio o uso das práticas restaurativas dentro da socieducação. Por fim, ela comentou que a aplicação da Justiça Restaurativa pode ocorrer em paralelo com a Justiça Retributiva. “Nos casos em que a primeira não funciona, podemos partir para a segunda opção”, comentou.

    Desafios - Na última palestra do evento, a pedagoga e diretora de Proteção Social Especial da Fundação de Ação Social (FAS) Ângela Mendonça falou dos desafios do reordenamento de serviços voltados à população infanto-juvenil, apresentando dados atuais da situação das crianças e adolescentes atendidas pelo Município. Entre os desafios, destacou a criação de um centro para potencializar o acolhimento familiar; o fortalecimento de estratégias intersetoriais no âmbito de saúde mental; o trabalho com crianças indígenas e suas famílias e com famílias migratórias; e o desafio metropolitano das crianças em situação de rua.

    “Há muita coisa para reordenar, entre muita coisa que já foi feita. O desafio é não fazer sozinho, não desistir daquilo que a gente acredita. Tenho a sensação de que ainda temos tudo a fazer”, disse Ângela.




















































    13/07/2015
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