Mineiro consegue licença-maternidade
Pela primeira vez em Minas, homem cuja mulher morreu 12 dias depois do parto consegue na Justiça direito a licença-maternidade para cuidar do recém-nascido em tempo integral
Na mão esquerda, há duas alianças de ouro. No dedo anular, aquela que usa desde o casamento, quando jurou amor eterno até que a morte os separasse. No mindinho, está a que pertencia à mulher, que num golpe do destino contrário a todos os votos de felicidade ao casal morreu 12 dias depois de dar à luz o segundo filho. Com os olhos ainda sombreados pelas noites maldormidas, fundos, pelo choro diário, e opacos de saudade, o metalúrgico Alexandre Marques, de 31 anos, morador do Barreiro, Região Oeste de Belo Horizonte, tenta juntar os pedaços da vida, manter a cabeça fria e cuidar dos dois filhos, ambos meninos �- um com pouco mais de 3 anos e o outro de quase três meses. Imerso num universo de desafios e tristezas, o jovem viúvo vai ter, pelo menos, 120 dias para pôr a casa em ordem e dar nova direção à família. Numa decisão inédita em Minas e segunda no país, a juíza federal substituta da 34ª Vara Federal, Ariane da Silva Oliveira, determinou que Alexandre tenha direito à licença ou salário-maternidade, benefício concedido apenas às mulheres, como o próprio nome diz, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Homem de poucas palavras e gestos comedidos, o metalúrgico procurou a Justiça depois de ouvir o conselho de amigos. Quando minha mulher morreu, em 21 de julho, com apenas 23 anos, eu vi que a situação ficaria difícil. Fiquei perturbado, sem chão. Como é que eu poderia cuidar dos meninos, sendo um recém-nascido? Meus familiares trabalham, todo mundo tem suas atividades, não poderia ocupar outras pessoas, diz Alexandre, passando a mão direita nas duas alianças das quais não pretende se separar nunca mais. Contando com a ajuda dos sogros, ele se mudou para a casa deles, na mesma região, e contratou advogados para ajuizar ação �- a decisão saiu na quinta-feira, com efeito retroativo �-, depois de tentar, sem sucesso, pela forma administrativa, no INSS.
Na tarde de ontem, Alexandre esteve no escritório dos advogados Ana Paula Moraes Carvalho, Simone Alves e Geraldo Moreira, que entraram com a ação. Ele leu a cópia da decisão da juíza, que destacando ser o objetivo central da norma que disciplina o benefício do salário-maternidade a proteção da criança, que requer cuidados especiais nessa fase da vida e dedicação em tempo integral. De mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), exatamente no ponto que trata dos direitos fundamentais, asseguram, à criança, a proteção à vida e à saúde, de modo a permitir-lhe desenvolvimento sadio e em condições dignas de existência. E mais escreveu Ariane: Em síntese, não obstante o benefício de salário-maternidade seja direcionado à mãe e à adotante, o pai preenche, no caso concreto, os requisitos necessários à sua concessão.
Na conversa com o EM, não quis fotos nem a divulgação do nome dos filhos nem da falecida mulher para evitar exposição. Estou sofrendo muito, amava muito minha mulher, peço a Deus para me dar forças e suportar a dor da perda. Era muito bonita, afirma o metalúrgico, enquanto mostra, na tela do telefone celular, um retrato de dias felizes. O rápido instante de boas lembranças logo se desmancha, quando Alexandre fala da morte da mulher, que teve o bebê, de cesariana, na Maternidade São José, onde ficou internada três dias: O laudo sobre a causa da morte ainda não saiu. Durante a gravidez ela ficou com pressão alta e o médico mandou suspender o medicamento. Sinceramente, não sei qual foi o motivo, revela, com os olhos baixos e perplexos.
Dedicação total
Os únicos momentos de alguma alegria chegam quando o metalúrgico fala dos filhos: Vou viver para eles. Essa licença vai ser importante para eu me organizar, o que significa encontrar uma casa nova para morarmos, pois ainda não consegui voltar à outra, e encontrar uma escolinha para o filho mais velho. Desde que a minha mulher morreu, ele não voltou lá mais. Tudo o que desejo é que eles sejam felizes, tenham saúde, felicidade e boa escola. Ele explica que a empresa onde trabalha entendeu bem a situação e lhe concedeu o período de um mês de férias. Com o tempo da licença de 120 dias, Alexandre só retornará ao emprego em janeiro.
O viúvo vem ocupando todo o tempo com os filhos e cada dia se certifica mais de que ser pai e mãe ao mesmo tempo não é fácil. A minha sogra ajuda muito, mas fico o tempo todo em casa com eles. Já sabia trocar fralda, por causa do primeiro filho, então estou mais experiente com o bebê, revela, dizendo que o leite para o neném é fornecido pela Maternidade Odete Valadares. Os amigos sempre chegam para dar apoio, mas ficar fora de casa batendo um papo, em clima de descontração, está fora de cogitação. Minha mulher e eu éramos mais caseiros, saíamos pouco, só mesmo na casa dos parentes. Agora, então, estou mais em casa ainda, afirma o metalúrgico. Para ele, a situação que vive hoje jamais passou pela sua cabeça. É difícil de acreditar, pois agora sou pai e mãe, resume.
Medida protege o emprego
Os advogados explicam que o período de 120 dias tem o nome de licença-maternidade, sendo paternidade os cinco dias concedidos ao pai quando o bebê nasce. Na ação ajuizada, Ana Paula Moraes Carvalho, Simone Alves e Geraldo Moreira relataram que o metalúrgico Alexandre Marques não tinha quem o ajudasse a cuidar dos filhos. Sozinho �- e trabalhando �- seria impossível. Por estar em dificuldades, inclusive financeiras, teve que ir, a princípio, para a casa da irmã. Como se tratava de família humilde e casa muito pequena, sem condições para abrigar muitas pessoas, ele foi para a casa dos sogros, também no Barreiro.
Segundo os advogados, desde que Alexandre terminou o período de férias, não tinha mais como voltar ao trabalho, pois não tinha com quem deixar os filhos nem condições de pagar uma pessoa para ficar com eles. O autor não pode deixar de trabalhar, já que paga aluguel, despesas e ainda precisa garantir o sustento dos filhos. O fato de estar faltando ao trabalho poderá acarretar a perda de seu emprego por abandono, conforme prevê o art. 482, caput e alíneas da CLT, que entre os justos motivos para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador está a presença do abandono de emprego.
Em 23 de agosto, pouco mais de um mês depois da perda da mulher, Alexandre compareceu ao INSS e requereu o benefício da pensão por morte, levando consigo uma solicitação para a concessão da licença e salário-maternidade previsto no artigo 71 da Lei 8.213/91. A juíza determinou que o INSS implantasse, a partir de 1º de setembro, o benefício equiparado ao salário-maternidade, com renda mensal calculada a partir dos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (Cnis). O órgão federal, via assessoria de imprensa, informa que ainda não foi intimado sobre a situação e prazo de cumprimento da decisao.
Em Campinas, o primeiro caso
Em agosto, a Justiça Federal concedeu licença remunerada de 120 dias ao professor de enfermagem Marcos Melo, de 36 anos, de Campinas (SP) �- nesse caso, a mãe da criança de um mês de idade se recusou a cuidar do bebê então com um mês de idade. Melo alegou na ação que, depois do término de um breve relacionamento com a mulher, foi surpreendido com a gravidez e com a recusa dela de cuidar do bebê porque isso prejudicaria a sua carreira profissional. O professor ofereceu abrigo e acompanhamento médico à gestante na casa dos pais dele, em Presidente Venceslau (SP), até o nascimento da criança. De acordo com a ação elaborada pela Defensoria Pública da União, depois do parto, em 9 de julho, a mãe não quis ver o bebê nem amamentá-lo. O professor conseguiu, então, a guarda da criança e, para poder assumir os cuidados com o recém-nascido, entrou com pedido no Juizado Especial Federal alegando que precisava de tempo livre para desempenhar essa tarefa. As decisões da Justiça Federal em Minas e São Paulo se referem a casais heterossexuais, havendo outra referente a um homem, numa união homoafetiva, que adotou uma criança. (www.em.com.br)
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