MPF/MG contesta resolução do Contran que permite monitoramento do trânsito por câmeras de vídeo
Ação sustenta que equipamentos violam o direito constitucional à intimidade e à privacidade dos condutores, além de cercear o direito de defesa, pois não registram as infrações, funcionando apenas como meio auxiliar do agente de trânsito
O Ministério Público Federal em Uberlândia (MPF/MG) ingressou com ação civil pública pedindo que a Justiça Federal declare a inconstitucionalidade da Resolução nº 532/2015, do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), que, ao alterar a redação da Resolução Contran nº 471/2013, estendeu a fiscalização do trânsito, através de câmeras de monitoramento, para as vias urbanas.
Ambas as resoluções regulamentam o artigo 280 do Código de Trânsito, segundo o qual a infração de trânsito pode ser comprovada “por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN”.
Para o MPF, essa regulamentação específica - quais os tipos de equipamentos eletrônicos ou audiovisuais a serem utilizados na fiscalização - não foi feita pelo Contran.
"Em consequência, os órgãos de trânsito estão utilizando, no videomonitoramento, câmeras de altíssima definição, que permitem filmagem por até 400 metros de distância e com um zoom de até 20 vezes maior que o normal, o que, evidentemente, viola o direito à privacidade e à intimidade dos condutores, assegurado pelo artigo 5º da Constituição", afirma o procurador da República Cléber Eustáquio Neves, autor da ação.
Ele lembra que já existe jurisprudência em caso semelhante, relativo à Resolução nº 245/2007 do Contran, que tornou obrigatória a inclusão nos automóveis novos, produzidos no país ou importados, de mecanismo antifurto consistente em um sistema de bloqueio e rastreamento via satélite.
Nesse caso, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região entendeu que a resolução era nula, porque violava o direito à privacidade dos proprietários dos veículos, já que informações sobre seu deslocamento seriam monitoradas sem sua concordância.
Na decisão, o TRF-2 afirmou que "o direito à privacidade, conquanto não seja indisponível, constitui direito fundamental de todos, só podendo ser renunciado temporariamente e, ainda assim, pelo seu próprio titular e desde que não afete a dignidade humana. Deste modo, cabe ao proprietário do veículo decidir se quer ou não instalar mecanismo de proteção patrimonial em seu bem, ciente das vantagens e desvantagens de sua decisão. Descabe ao Estado intrometer-se na esfera particular do indivíduo e decidir por ele como proteger seu bem'.
De acordo com Cléber Neves, o videomonitoramento constitui invasão ainda maior da privacidade dos condutores, porque, além de propiciar a obtenção de informações sobre os deslocamentos, ainda permite que os agentes de trânsito, na sala de monitoramento, consigam ver o que os ocupantes dos veículos estão fazendo.
Regulamentação insuficiente - A ação também afirma que a regulamentação feita pela Resolução 532/2015 é insuficiente e que o Contran optou"por não estabelecer nenhum critério técnico para o equipamento ou sistema, tampouco a exigência de homologação do equipamento por órgão regulador ou mesmo sua verificação por órgão ou entidade ligada ao INMETRO", diversamente do que exige o artigo 280, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro.
É o que se percebe especialmente quando se compara com a regulamentação, extensa e pormenorizada, feita pela Resolução nº 396/2011 sobre o uso de radares para registrar ou medir a velocidade dos veículos.
"No presente caso, as autuações administrativas a partir do videomonitoramento, sem uma específica regulamentação do CONTRAN quanto aos equipamentos e instrumentos a serem utilizados, violam o princípio da legalidade estabelecido no art. 37 da Constituição Federal", afirma o procurador da República.
Desvio de finalidade - Outra questão tratada pelo MPF diz respeito ao próprio uso das câmeras de monitoramento como instrumento de fiscalização do trânsito.
Segundo a ação, esse tipo de equipamento foi instalado para servir de instrumento nas políticas de segurança pública, mas acabou tendo sua finalidade desvirtuada.
" Na verdade, as câmeras de monitoramento são equipamentos destinados a contribuir para a segurança pública a partir de imagens das ruas, que são bens públicos de uso comum do povo, e que não se confundem com os veículos de propriedade privada dos condutores ", registra a ação.
Assim, além do desvio de finalidade na utilização das câmeras de monitoramento, os órgãos de trânsito ainda estariam cerceando o direito de defesa de milhares de condutores, pois, uma vez autuados, eles não terão" sequer o direito de exigir um comprovante da própria autuação, já que as imagens não podem ser gravadas para posterior verificação do registro da infração ". É o que estabelecem os próprios regulamentos do Contram, segundo os quais as câmeras não serão usadas para registrar as infrações, servindo apenas como lentes de aumento dos olhos dos agentes de trânsito.
Pedidos - O MPF pede que a Justiça Federal, além de reconhecer a inconstitucionalidade de Resolução 532/2015 do Contran, também determine à União publicar ato normativo suspendendo imediatamente seus efeitos.
Outro pedido da ação diz respeito especificamente ao Município de Uberlândia, que deverá se abster de aplicar multas de trânsito fazendo uso de imagens geradas por câmeras de videomonitoramento.
A ação foi distribuída à 2ª Vara Federal de Uberlândia e recebeu o número 1001447-82.2017.4.01.3803.
Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal em Minas Gerais
Tel.: (31) 2123.9008
No twitter: mpf_mg
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.