MPF/MG entra com ação para garantir mais segurança em produtos hospitalares
A semelhança entre dispositivos para aplicação de medicamentos e alimentos pode confundir o profissional de saúde, vindo a causar inclusive a morte de pacientes
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública pedindo mudanças na fabricação de equipos enterais e parenterais de conexões similares, com a expedição de norma técnica pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a consequente adoção de novas medidas de certificação pelo Inmetro.
De acordo com a ação, existem hoje no mercado brasileiro produtos com componentes idênticos, em formatos de grande semelhança, inclusive nas cores, mas que se destinam a procedimentos bastante diversificados.
É o caso, por exemplo, dos equipos enterais e parenterais de conexões similares, que são dispositivos conectados ao paciente para administração de medicamentos e alimentos. Quando se destinam diretamente ao sistema gastrointestinal são chamados equipos enterais; quando conectados ao sistema venoso (veias) para infusão de medicamentos são chamados parenterais.
O cateter ou sonda por via enteral fica normalmente localizado no nariz, podendo também ser inserido pela boca; em qualquer caso, o destino final é o estômago ou o intestino delgado. Se o paciente também estiver com o equipo para acesso venoso central, normalmente na região do pescoço ou na região da clavícula, os dois dispositivos estarão próximos, podendo inclusive estarem do mesmo lado, quando a narina oposta não tem passagem ou há um desvio de septo.
Questão de segurança - "A precária e até inexistente diferenciação entre os equipos é um grave problema de segurança médico-hospitalar, porque pode confundir os profissionais de saúde no momento da aplicação do medicamento ou do alimento e a consequência pode ser a morte imediata dos pacientes, como já aconteceu em casos nos quais soluções a serem aplicadas via gastrointestinal foram aplicadas diretamente no sangue do paciente”, afirma o procurador da República Cléber Eustáquio Neves.
Em 2012, dois casos vieram a público, quando duas pacientes idosas, internadas em hospitais do Rio de Janeiro, morreram após receber sopa e café com leite na veia.
Naquele mesmo ano, em virtude da gravidade e frequência dessas ocorrências, a Anvisa publicou o Alerta de Segurança nº 1195 sobre conectores e conexões, enfatizando que a administração de soluções por vias erradas acarreta desfechos desfavoráveis com graves consequências para os pacientes.
Acontece que, tradicionalmente, o design dos produtos é muito semelhante: conectores dos cateteres e sondas, utilizados em diferentes vias, para diferentes funções, são muitas vezes idênticos e padronizados. A semelhança torna seringas e equipos compatíveis entre si e com vários outros dispositivos, possibilitando uma redução dos custos para o hospital, mas aumentando o risco de se administrar soluções, medicamentos e alimentos/dieta por uma via indesejada.
“Às vezes, a solução é simples, bastando mudar formato do equipo, cor ou formato da conexão, de forma que um dispositivo não se encaixe no outro. A indústria de produtos médico-hospitalares pode contribuir com o desenvolvimento de sondas e tubos extensores para administração de dieta com conectores específicos e não adaptáveis a dispositivos endovenosos, proporcionando segurança no processo”, ressalta o procurador .
Omissão - O MPF lembra que, além do redesenho dos conectores de sondas e cateteres, há necessidade também de revisão dos processos de trabalho e a adoção de condutas preventivas.
Oficiados a informar quais seriam as normas técnicas de segurança para a produção e uso de equipos enterais e parenterais de conexões similares, Anvisa e Inmetro deram respostas, que, em síntese, informaram a inexistência de regulamentação para os equipos enterais.
Para o procurador da República,"essa ausência de normas revela grave omissão por parte dos órgãos públicos que têm exatamente o dever de estabelecer as regras de segurança para impedir a ocorrência de acidentes. É preciso destacar que, pelo artigo 14 do Decreto 79.094/77, um produto só pode ter iniciada sua comercialização após a autorização da Anvisa, que verificará se ele está em conformidade com os parâmetros exigidos pelas normas sanitárias para não lesionar a saúde das pessoas, e após a certificação do Inmetro. O problema é que a própria Anvisa informou ao MPF que não considera a pouca diferenciação entre os equipos um caso de risco ou algo danoso à sociedade".
Por isso, a ação pediu que a Justiça Federal obrigue a Anvisa a editar norma técnica específica para que os conectores possam ser facilmente diferenciados uns dos outros, com formatos e cores distintos das embalagens e etiquetas visualmente diferenciadas, de forma que não seja possível a conectividade entre dispositivos destinados a usos diferentes.
Após a edição das normas, o Inmetro deverá adotar medidas de certificação dos produtos.
Produto defeituoso - O MPF também incluiu no polo passivo da ação os fabricantes Labor Import Comercial Importação e Exportação, Embramed Indústria e Comércio de Produtos Hospitalares, Saldanha Rodrigues, Laboratórios B. Braun, Hartmann Indústria e Comércio de Produtos Médico-Hospitalares, TKL Importação e Exportação de Produtos Médicos e Hospitalares, Compojet Biomédica, KDL do Brasil Comércio de Produtos Médico-Hospitalares e Biosani Indústria e Comércio de Produtos Médicos e Odontológicos.
A justificativa foi a de que tais empresas são as responsáveis pela fabricação, importação e distribuição dos produtos que, por sua similitude, podem levar a erro os profissionais de saúde. Portanto, são também responsáveis pela falta de segurança médico-hospitalar, assim como das consequências geradas por eventual uso inadequado.
Conforme a ação, o Código de Defesa do Consumidor dispõe claramente sobre a responsabilidade pelo prejuízo decorrente do produto defeituoso, que, segundo o artigo 12, § 1º, é todo aquele que não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, exatamente o que ocorre com os equipos enterais e parenterais atualmente comercializados pelas empresas.
O MPF também pediu que todos os réus sejam condenados por dano moral coletivo em valor a ser fixado posteriormente pelo juízo.
(ACP nº 13491-87.2016.4.01.3803)
Assessoria de Comunicação Social
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