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17 de Junho de 2024
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    Não é obrigado a gastar: vinculações orçamentárias e gastos obrigatórios

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 8 anos

    Existe um debate candente que visa a desvinculação de receitas públicas. Desde o governo Itamar Franco, foi criado um instrumento financeiro para desvincular as receitas do direcionamento para o qual elas foram criadas. Isso passou pelos governos FHC, Lula e Dilma e, agora, adentra o governo Temer, que apoia um Projeto de Emenda Constitucional que visa prorrogar esse mecanismo financeiro denominado Desvinculação de Receitas da União (DRU). Entendo que essa é uma medida paliativa, pois não resolve o problema, antes o agrava, uma vez que o ponto central do debate está nos chamados gastos obrigatórios, que têm outra natureza.

    Vinculação é um liame jurídico que une determinado grupo de receitas para uso em certa finalidade. São exemplos de vinculação constitucional a obrigação imposta à União de aplicar 15% de sua receita corrente líquida em ações e serviços públicos de saúde (artigo 198, parágrafo 2º, I), ou ainda a obrigação de estados e municípios de aplicar 25% de sua receita de impostos e transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino (artigo 212). Nesse sentido, há destinação específica dessas receitas por meio desse vínculo jurídico que as une a uma determinada ação estatal específica.

    Tais vinculações são exceções ao princípio da não afetação, previsto no artigo 167, IV, da Constituição. Isso porque a regra é que o legislador orçamentário deva ter plena liberdade para dispor do orçamento como lhe aprouver, com verbas livres para custear o programa de governo para o qual foi eleito. Logo, a regra geral é a não afetação, com as exceções permitidas pela Constituição.

    Sempre imaginei que essas vinculações constitucionais para saúde e educação, dentre outras, foram criadas pelo legislador constituinte em face da enorme suspeita que tinha do legislador ordinário. Suponho que deve ter pensado algo como: se não for estabelecido um percentual mínimo para aplicação nesses gastos sociais, os governantes poderão usar esse dinheiro em outras coisas e deixar essas atividades essenciais à míngua de recursos. Lembro sempre de uma visita que, juntamente com o professor Regis de Oliveira, fizemos com alunos de pós graduação da USP na cracolândia, no centro de São Paulo, para conhecer um pouco da realidade naquele local e as políticas públicas que lá estavam sendo desenvolvidas. Nosso guia, William Thomaz, oficial da PM responsável pela área, que então cursava mestrado em políticas públicas, afirmou que não havia problema de verbas para ações naquele local, o que faltava era coordenação entre os diversos órgãos que por lá atuavam. Esse singelo exemplo reforça a sabedoria do constituinte, em bloquear parte do dinheiro para gastos sociais, vinculando-os. É verdade que não temos conseguido organizar com qualidade esse gasto social, mas isso não é culpa das vinculações, mas de gestão. Aliás, é curioso que nosso país tenha mais faculdades de administração que faculdades de Direito, estas já em número excessivo, e o Brasil ande tão mal administrado.

    Existe outro mecanismo jurídico que não se constitui propriamente em uma vinculação, mas tem efeitos semelhantes, que é a referibilidade das contribuições. O que distingue as contribuições dos impostos é exatamente essa característica, da sua referibilidade. Em linhas básicas, consiste em estabelecer na lei de sua criação uma destinação para seu gasto. Por exemplo, os gastos com a famigerada CPMF eram, na lei, em grande parte dirigidos para ações na área de saúde. Muitos desvios ocorreram, como se sabe, mas esse era o escopo legalmente estabelecido. O liame jurídico na referibilidade é mais fraco que na vinculação, como se pode ver na amplíssima destinação estabelecida para a arrecadação de PIS e Cofins.

    Pode ocorrer em alguns momentos que essas duas figuras se sobreponham, como se vê no caso da CIDE-combustíveis, cuja arrecadação é destinada para financiamento de programas de infraestrutura de transportes e para financiamento de projetos ambientais na área de petróleo e gás, entre outros (artigo 177, parágrafo 4, II, CF). Aqui a vinculação se sobrepõe à referibilidade, pois mais ampla.

    A desvinculação de receitas alcança todos esses gastos, pois atinge em cheio sua fonte de recursos. A sanha desvinculatória é tamanha que a Proposta de Emenda Constitucional em debate prevê até 30% de desvinculação e inclui estados e municípios. Assim, surgirão, além da DRU, a DRE e a DRM. Fico imaginando como se comportarão os prefeitos com essa redução do limite de gastos mínimos em educação. Gastarão “no limite”. Aliás, terá isso efeito retroativo?

    Quando acima afirmei que desvincular não é solução, apenas agravando ...

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/nao-e-obrigado-a-gastar-vinculacoes-orcamentarias-e-gastos-obrigatorios/338350597

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