Novidades sobre a exploração do serviço de praticagem
Lei 14.813, de 2024, altera a Lei 9.537, de 1997, que dispõe sobre segurança do tráfego aquaviário
Resumo da notícia
As novidades incluem a definição de zona de praticagem, a atribuição de novos deveres e o reconhecimento de direitos aos práticos, bem como a introdução de requerimento para preservar os preços dos serviços de praticagem.
Publicada e em vigor hoje (16 jan. 24), a Lei 14.813, de 2024, altera a Lei 9.537 e a Lei 10.233, de 2001, para conferir segurança jurídica e estabilidade regulatória aos serviços de praticagem.
Alterações da Lei 9.537, de 1997
Zona de praticagem (art. 2º, XXII)
A primeira alteração foi a introdução da definição de zona de praticagem: "área geográfica delimitada em razão de peculiaridades locais que dificultam a livre e segura movimentação de embarcações, de forma a exigir a constituição e a disponibilidade permanente de serviço de praticagem".
Serviço de praticagem
A segunda alteração foi a introdução de três parágrafos no art. 12.
O § 1º define o serviço de praticagem e seu objetivo:
§ 1º O serviço de praticagem é atividade essencial, de natureza privada, cujo objetivo é garantir o interesse público da segurança da navegação, da salvaguarda da vida humana e da proteção ao meio ambiente.
O § 2º prescreve a continuidade do serviço de praticagem:
§ 2º O serviço de praticagem deve estar permanentemente disponível, de forma a prover a continuidade e a eficiência do tráfego aquaviário.
O § 3º atribui a garantia da prestação do serviço de praticagem ao Estado:
§ 3º É dever do Estado garantir a adequada e livre prestação do serviço de praticagem, nos termos desta Lei.
Compreensão do serviço e deveres do prático
A terceira alteração foi a introdução do art. 12-A, que é composto de caput e parágrafo único.
O caput do art. 12-A analisa o serviço de praticagem em três partes:
Art. 12-A. O serviço de praticagem compreende o prático, a lancha de prático e a atalaia.
O parágrafo único do art. 12-A atribui os seguintes deveres aos práticos:
- implantação e manutenção da infraestrutura e dos equipamentos necessários à execução do serviço de praticagem,
- treinamento de colaboradores e
- permanente disponibilidade da estrutura.
Execução do serviço
A quarta alteração foi a nova redação dada ao caput, ao §§ 2º-6º do art. 13.
A redação original era a seguinte:
Art. 13. O serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas.
A redação atual é a seguinte:
Art. 13. O serviço de praticagem será executado exclusivamente por práticos devidamente habilitados pela autoridade marítima.
Podemos, pois, notar que a organização dos práticos em associações ou sua contratação por empresa foi suprimida do texto legal. Trata-se do silêncio eloquente em razão do qual o legislador pretende que a exploração da atividade seja restrita àqueles que a autoridade marítima habilitar. Essa interpretação é corroborada pelo advérbio "exclusivamente".
O § 2º trata da manutenção da habilitação do prático. A redação original era a seguinte:
§ 2º A manutenção da habilitação do prático depende do cumprimento da freqüência mínima de manobras estabelecida pela autoridade marítima.
Agora, a redação estabelece as seguintes condições para manutenção da habilitação do prático:
- cumprimento da frequência mínima de manobras estabelecida pela autoridade marítima;
- realização dos cursos de aperfeiçoamento determinados pela autoridade marítima;
- cumprimento das recomendações e das determinações oriundas dos organismos internacionais competentes, desde que reconhecidas pela autoridade marítima.
Por conseguinte, há mais condições agora para os práticos se manterem habilitados.
A redação original do § 3º era a seguinte:
§ 3º É assegurado a todo prático, na forma prevista no caput deste artigo, o livre exercício do serviço de praticagem.
A redação atual é esta:
§ 3º É assegurado a todo prático, na forma prevista no caput deste artigo, o livre exercício do serviço de praticagem, atendida a regulação técnica e econômica da atividade, nos termos desta Lei.
A nova redação não introduz muita diferença em relação à anterior, senão pela introdução da oração "atendida a regulação técnica e econômica da atividade". Essa mudança legal é feita para fins didáticos, eis que nenhum prático pode descumprir com essa regulação.
Certificado de isenção de praticagem
O § 4º do art. 14 dispunha o seguinte:
§ 4º A autoridade marítima pode habilitar Comandantes de navios de bandeira brasileira a conduzir a embarcação sob seu comando no interior de zona de praticagem específica ou em parte dela, os quais serão considerados como práticos nesta situação exclusiva.
Sua redação atual institui o Certificado de Isenção de Praticagem:
§ 4º A autoridade marítima poderá, desde que atendidos os requisitos por ela estabelecidos em regulamento específico, conceder exclusivamente a Comandantes brasileiros de navios de bandeira brasileira que tenham até 100 m (cem metros) de comprimento e cuja tripulação seja composta de, no mínimo, 2/3 (dois terços) de brasileiros Certificado de Isenção de Praticagem, que os habilitará a conduzir a embarcação sob seu comando no interior de zona de praticagem ou em parte dela, observado que a isenção:
Devemos notar de antemão que se trata de norma de eficácia limitada, pois depende de regulamento específico: desde que atendido os requisitos por ela estabelecidos em regulamento específico.
Referida isenção:
- não desobrigará o tomador de serviço do pagamento da remuneração devida à praticagem local pela permanente disponibilidade do serviço nem da comunicação à atalaia coordenadora sobre o trânsito pretendido, para embarcações com arqueação bruta a partir de 500 (quinhentos), salvo as hipóteses previstas no § 6º deste artigo;
- será precedida de análise de risco, a qual comprove que a concessão não aumentará o risco à navegação ou colocará em perigo os canais de acesso portuários e suas estruturas adjacentes;
- levará em conta a necessidade do cumprimento de períodos prévios de descanso para o Comandante, a serem determinados e monitorados pela autoridade marítima; e
- dependerá, cumulativamente ou não, do cumprimento pelo Comandante de:
- 6 (seis) meses de atuação prévia como Comandante do navio dentro da zona de praticagem específica ou da subzona para a isenção objeto da concessão;
- posteriormente, 6 (seis) meses de realização de fainas de praticagem, assistido por prático da respectiva zona de praticagem ou de sua subzona, em total não inferior a 12 (doze) fainas.
O § 6º foi incluído e estabelece a hipótese para a qual o serviço de praticagem é obrigatório: "em todas as zonas de praticagem para embarcações com arqueação bruta superior a quinhentos".
Existem, porém, as seguinte exceções:
- as hipóteses previstas pela autoridade marítima em regulamento específico, situação em que as embarcações dispensadas deverão comunicar as respectivas manobras aos agentes da autoridade marítima; e
- o caso de embarcações regionais, empurradores, balsas e comboio integrado de balsas, classificadas para operar exclusivamente na navegação interior, independentemente da arqueação, e que arvorem a bandeira brasileira.
Meios de garantir a continuidade do serviço
A quinta alteração se dá no par. ún. do art. 14, cujo já falava de assegurar a disponibilidade permanente do serviço nas zonas de praticagem estabelecidas. Agora, ele torna expresso que se trata de meios de assegurar a ininterruptabilidade do serviço:
- estabelecer o número necessário de práticos para cada zona de praticagem, conforme norma específica própria, o qual deverá ser revisado periodicamente, de forma a atender às necessidades do tráfego marítimo, fluvial e lacustre na respectiva zona e à manutenção da qualificação dos práticos;
- fixar, em caráter excepcional e temporário, o valor referente aos serviços em cada zona de praticagem;
- requisitar o serviço de práticos.
Apenas o terceiro meio já era previsto. Os outros dois foram alterados da redação anterior.
Remuneração do prático
A sexta alteração se dá sobre a compreensão da remuneração de prático pela inclusão do art. 15-A e seus parágrafos.
O caput esclarece as partes da remuneração:
Art. 15-A. A remuneração do serviço de praticagem compreende a operação de prático, a lancha de prático e a atalaia.
No rito ordinário, o preço do serviço será livremente negociado entre os tomadores e os prestadores do serviço, reprimidas quaisquer práticas de abuso do poder econômico (art. 15-A, § 2º). Tanto serão reprimidas que os §§ 3º-5º estabelecem regras procedimentais para provocar a autoridade marítima a fixar preço extraordinário do serviço de praticagem.
Não obstante, a regulação econômica pela autoridade marítima respeitará a livre negociação e poderá observar a atualização monetária anual, os preços costumeiramente praticados em cada zona de praticagem, os contratos vigentes e o tempo e a qualidade do serviço (art. 15-A, § 6º).
Provocação por abuso de poder econômico
A autoridade marítima, mediante provocação fundamentada de quaisquer das partes contratantes, poderá fixar, em caráter extraordinário, excepcional e temporário, o preço do serviço de praticagem, por período não superior a 12 (doze) meses, prorrogável por igual período, nas seguintes hipóteses (art. 15-A, § 3º):
- cumprimento do disposto no inciso IIdo parágrafo único do art. 14 desta Lei; ou
- quando comprovado o abuso de poder econômico ou a defasagem dos valores do serviço de praticagem.
A autoridade marítima realizará juízo de admissibilidade, por decisão fundamentada, quanto à provocação referente a abuso de poder econômico por quaisquer das partes ou defasagem dos valores de serviço de praticagem (art. 15-A, § 4º).
Conhecida a provocação, a autoridade marítima formará e presidirá comissão temporária, paritária e de natureza consultiva, composta de representantes da entidade prestadora de serviço de praticagem, do armador tomador de serviços de praticagem da respectiva zona e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a qual terá até 45 (quarenta e cinco) dias para emitir parecer consultivo (art. 15-A, § 5º).
Direitos dos práticos
Revezamento de práticos
Em caso de revezamento de práticos, eles serão alojados com as mesmas condições dos oficiais de bordo, preferencialmente em camarotes individuais e independentes que garantam o conforto térmico e as efetivas condições para seu descanso satisfatório, e o Comandante do navio ficará responsável por garantir a adequação das instalações (art. 15-A, § 1º).
Orientação sobre rumos e velocidades
As orientações sobre rumos e velocidades, em assessoria ao Comandante da embarcação, serão transmitidas exclusivamente por práticos aos Comandantes quando suas embarcações estiverem navegando nas zonas de praticagem (art. 15-B).
Parâmetros de lotação dos práticos
A autoridade marítima fixará, conforme periodicidade estabelecida em norma específica, a lotação de práticos necessária em cada zona de praticagem, com observância dos seguintes parâmetros:
- o número e a duração média das manobras em que foram utilizados serviços de praticagem, em cada zona de praticagem, nos 24 (vinte e quatro) meses anteriores à fixação;
- as alterações significativas e efetivas que afetem o movimento de embarcações na zona de praticagem;
- a necessidade de garantir aos práticos de cada zona de praticagem a execução de manobras sem sobrecarga permanente de trabalho; e
- o estabelecimento de frequência de manobras adequada que assegure a manutenção da proficiência uniforme de todos os práticos em cada zona de praticagem.
Revogação do depósito prévio para interposição de recurso administrativo contra pena de multa
A última alteração da Lei 9.537, de 1997, foi a revogação do § 2º do seu art. 24:
§ 2º Em caso de recurso contra a aplicação da pena de multa, será exigido o depósito prévio do respectivo valor, devendo o infrator juntar, ao recurso, o correspondente comprovante.
Essa alteração vai ao encontro de atualizar a legislação à Súmula vinculante n. 21:
É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.
Alteração da Lei 10.233, de 2001
A fim de operacionalizar a comissão provisória prevista na Lei 9.537, de 1997, art. 15-A, § 5º, a Lei 14.813, de 2024, atribuiu a função de participar da comissão à ANTAQ, pela introdução do inciso XXXI no art. 27 da Lei 10.233, de 2001.
Conclusões
Por conseguinte, a Lei 14.813, de 2024, garante vários direitos aos práticos, bem como reconhece a importância do serviço e do desempenho da função, porém lhe atribui novas responsabilidades.
O desfecho dessas mudanças depende das normas complementares que terão de ser editadas pela autoridade marítima.
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4 Comentários
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Os temas são importantes, e tenho interesse em todos. continuar lendo
Prático é a máfia legalizada. 300mil pra estacionar o navio... continuar lendo
Ah, tá.
Tenta manobrar um navio de 250 metros de comprimento, com milhares de toneladas de deslocamento, sem causar nenhum dano.
A praticagem no Brasil é exemplo para o mundo.
A sua falta pode gerar acidentes graves, danos ambientais, perdas e encalhes de navios. continuar lendo