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28 de Maio de 2024

O Direito AM-DM (antes e depois do mensalão)

Publicado por Consultor Jurídico
há 12 anos

Dura tarefa da crítica

A Coluna desta quinta-feira está sendo uma das mais difíceis de escrever. Tão difícil como a da semana passada. Em um país em que a doutrina jurídica tem se caracterizado por seguir a jurisprudência (e, às vezes, seguir, ad hoc, julgados isolados), é árdua para não dizer antipática a tarefa de fazer crítica do Direito. Não falo da crítica espetacularizada feita por alguns juristas que, por exemplo, no Direito Penal falam em terra arrasada, algo do tipo é proibido proibir, como se quisessem repristinar uma espécie de Woodstock do Direito em tempos de Estado Democrático (para muitos, sonegar tributos é menos grave que furtar). Também não estou me referindo às análises feitas por alguns juristas do estilo neopentecostal, que descobriram que existem princípios (e, por isso, caem na farra do panprincipiologismo) e que as palavras da lei são vagas e ambíguas. Refiro-me, aqui, à crítica com base em matrizes teóricas consistentes, que revolvem o chão linguístico em que está assentada a tradição (ou as tradições) do Direito.

A ConJur escreve, em notícia do dia 15 de setembro tratando do lançamento de livro sobre lavagem de dinheiro, em que estiveram presentes advogados, magistrados, ministros e ex-ministros do STF e da Justiça Que o STF avançou alguns pontos além de sua jurisprudência e é hora de os doutrinadores correrem atrás. O mensalão é um fenômeno que pede alguns anos para ser decifrado. Os atuais ministros (ou os futuros), poderão explicar (ou discordar).

Sinto-me, pois, à vontade e, por que não, no dever de também me manifestar sobre isso. A própria ConJur faz um desafio a que se fale sobre o que acontecerá daqui para frente em terrae brasilis (como referido, é hora dos doutrinadores correrem atrás). Lembro-me de ter dito, aqui neste espaço, que havia algo de novo no ar, para além dos aviões apertados e desconfortáveis da GOL e da TAM.

Contradições discursivas

Então.

O que mais me incomoda no Direito além, é claro, dos livros simplificadores são as contradições discursivas. Por exemplo, alguém diz que tudo é relativo e esquece que o que ele disse também é relativo. Bingo. Caiu em contradição. Outro discurso recorrente acentua que não há verdades, mas que, no caso que está tratando, a verdade é X... Ah, bom. É como falar em guerreiros da paz, incapazes de se dar conta de que paz e guerra não coexistem. É como luz e escuridão! Som e silêncio. Se um existe, o outro some, de forma que os tais guerreiros jamais sairão vitoriosos, a não ser que deixem de sê-los.

Mas a contradição mais grave e repetida diariamente em petições, sentenças, salas de aula, acórdãos é a que tem ecoado pelos corredores do STF e vem sendo estampada nas páginas dos jornais sem que a grande massa (que, nesse caso, engloba leigos e doutos) se dê conta da algaravia conceitual que se formou no seio da comunidade jurídica. Refiro-me ao jargão livre convencimento motivado, que vem ocupando lugar de destaque na fala de alguns ministros do Supremo (aliás, esse enunciado performativo é comumente utilizado pela maioria dos tribunais pátrios). Em verdade, o enunciado representa retrocesso inqualificável, além de demonstrar nossa precária compreensão constitucional e uma espécie de ode ao sincretismo teorético.

Vejamos o tema da moda: o julgamento do mensalão. É bem sabido que o processo de transição paradigmática representado pela CF/88 ainda não se deu de forma plena, havendo, ainda, pegadas frescas de alguns conceitos do ancien régime. Não é fácil olhar o novo com os olhos do novo. Prova disso é a firmeza da grande parte da doutrina e quase toda a jurisprudência ao afirmar claro que apenas implicitamente que estamos em face de um sistema processual misto, onde a fase inquisitorial/pré-processual ainda guarda (ria) natureza inquisitiva, de modo que somente após o recebimento da denúncia valeriam as regras do sistema acusatório (sic).

Evidente que, no plano do discurso, todos são adeptos do acusatório; na prática, vale o inquisitivismo; basta que se observe que o artigo 212 do CPP não vingou! [1] Por exemplo, um dos processualistas que sustenta que o sistema é misto, Guilherme Nucci, [2] é, coincidentemente (ou não) um dos mais citados nos votos do mensalão. Tanto os que absolvem como os que condenam o citam. Vejamos o que ele diz: Registremos desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal, poderíamos até dizer que nosso sistema é acusatório (no texto constitucional encontramos os princípios que regem o sistema acusatório). Ocorre que nosso processo penal (procedimento, recursos, provas etc.) é redigido por Código específico, que data de 1941, elaborada em nítida ótica inquisitiva (encontramos no CPP muitos princípios regentes do sistema inquisitivo).

Minha perplexidade: Quer dizer que há uma nítida separação entre CPP e Constituição? Quer dizer que o CPP pode valer mais do que a Constituição? O que o autor quer dizer com fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal? Será que é possível, nessa quadra da História, admitir-se a possibilidade da coexistência, em um sistema normativo, de um texto legal e da Constituição, havendo desconformidade do primeiro em relação à segunda? Depois nos queixamos quando, em determinado momento, um ministro do STF fala em heterodoxia processual...

Livre convencimento?

Mas, sigamos. Meu posicionamento quanto à lógica autoritária vigorante num modelo inquisitorial foi devidamente registrado em O que é isto As garantias processuais penais? (Livraria do Advogado, 2012, em coautoria com Rafael Tomaz de Oliveira), onde está demonstrada a problemática filosófica que subsiste no sistema inquisitório. Sei que isso é complexo, mas precisamos nos acostumar com a ideia de que o Direito é um fenômeno complexo. [3] Fosse fácil e o Direito seria outra coisa (não vou repetir, aqui, uma blague que fiz em outra coluna). Não dá para escrever de forma simplificada (permito-me insistir nisso). Por isso, é preciso compreender que o sistema inquisitivo está sustentado em um paradigma filosófico ultrapassado, no qual o sujeito assujeita o objeto (isso falando grosso modo, porque a doutrina em geral, quando fala nesse assunto, faz uma vulgata da filosofia da consciência, misturando-a com a metafísica clássica o resultado é um mix de idealismo com subjetivismo). Como explicarei na sequência, é graças à (vulgata) (d) esse ultrapassado paradigma que o jurista diz que possui livre convencimento ou que pode apreciar livremente a prova (e, assim, colher prova ex officio).

Isso se transformou em um mantra, repetido em vários votos no julgamento do mensalão. Não caberia aqui repetir as mesmas linhas, mas interessa uma conclusão que nem mesmo os que se apegam ao velho paradigma defendiam com a veemência o que ora fazem alguns ministros. De forma acadêmica, analiso, brevemente, alguns pronunciamentos feitos na Ação Penal 470, nome científico para o processo do mensalão:

A prova há de ser considerada no julgamento criminal, sem dúvida, quando realizada sob o contraditório, conforme estabelecido expressamente no art. 155 do CPP. Isso não significa, porém, que o juiz não possa co...

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