O ICMS E A CESSÃO DE BENS EM COMODATO
A cessão de bens em comodato, com o fito de viabilizar a atividade empresarial, ocorre em diversos segmentos da economia, como no caso dos fabricantes de bebidas (que emprestam refrigeradores, mesas e cadeiras aos bares e restaurantes que vendem seus produtos) e das montadoras de automóveis (que cedem equipamentos industriais aos seus fornecedores para viabilizar a produção de autopeças que, posteriormente, serão adquiridas pela própria montadora).
Sendo o ICMS um tributo não cumulativo, o contribuinte pode abater, do valor devido mensalmente em razão da venda de seus produtos, créditos correspondentes ao ICMS suportado na compra de bens utilizados em suas atividades. Exemplificando: se uma fabricante de bebidas adquire refrigeradores que serão emprestados aos seus pontos de venda, ela suporta, no preço de aquisição desses equipamentos, o valor do ICMS que foi pago pelo vendedor dos eletrodomésticos. Isso lhe conferirá o direito de crédito do imposto (o montante é inclusive informado na nota fiscal de aquisição), o que reduzirá o ICMS a pagar pela venda das bebidas fabricadas.
Contudo, e nesse ponto reside a controvérsia, os fiscos estaduais têm negado esse direito aos créditos de ICMS relativos aos bens cedidos em comodato, com arrimo em dois fundamentos. Primeiramente, como o bem é utilizado por outrem que não o comodante, este deixa - por não ser mais o possuidor - de fazer jus aos créditos referentes aos bens emprestados. Em segundo lugar, de acordo com a Constituição (artigo 155, parágrafo 2º, II, b), as saídas (vendas) de mercadorias nas quais se tem isenção ou não incidência do ICMS - caso do comodato, no entender do fisco - geram o dever de estorno dos créditos de ICMS por parte do vendedor. Ambas as assertivas fiscais, data venia, são improcedentes.
Os fundamentos para negar o direito aos créditos são improcedentes
Quanto ao primeiro argumento, impende notar que a cessão em comodato consiste em simples deslocamento físico do bem, sem mudança da sua propriedade. O comodato nada mais é que o "empréstimo gratuito de coisas não fungíveis" (artigo 579 do Código Civil). Assim, não havendo transferência da propriedade ao terceiro, a empresa cedente continua sendo titular do bem e, sendo este utilizado em prol de suas atividades empresariais (ainda que pelo seu parceiro comercial), não há qualquer regra impeditiva do creditamento. Tal interpretação é, inclusive, reforçada pela própria Lei Kandir, que prevê a cessação do crédito do ICMS sobre os bens do ativo imobilizado apenas quando da sua alienação (artigo 20, parágrafo 5º, V) e não pela sua simples cessão a outrem.
Em relação ao segundo ponto, entendemos que há um erro de premissa da fiscalização. Não se discute que a Constituição obriga o estorno dos créditos de ICMS quando a operação for abrigada por isenção ou não incidência. No entanto, para que seja exigido o aludido estorno é obrigatória a efetiva venda da mercadoria para terceiro. Sendo essa venda beneficiada por isenção (como algumas vendas para órgãos públicos estaduais) ou não incidência (como ocorre com as vendas de bens do ativo imobilizado da empresa, que não são considerados mercadorias pela legislação), o ICMS não incidirá na operação, mas o vendedor deverá estornar os respectivos créditos. No caso da cessão em comodato, como visto, não se tem operação de circulação jurídica, porquanto inexiste mudança de propriedade dos bens cedidos. Assim, a hipótese não se enquadra na regra que determina o estorno dos créditos relativos às saídas (vendas) isentas ou com não incidência do imposto. Se não há a saída referida pela Constituição, inexiste o pressuposto para aplicação da regra atinente às "saídas com isenção ou não incidência".
Em recurso especial julgado no ano de 2006 (nº 791.491/MG), o STJ acolheu a tese ora exposta, mantendo o direito ao crédito de ICMS de uma fabricante de sorvetes sobre refrigeradores emprestados aos seus pontos de venda. No mesmo sentido e no ano de 2009, o Conselho de Contribuintes de Minas Gerais assegurou a uma montadora de automóveis o direito ao creditamento do ICMS relativo a máquinas cedidas aos seus fornecedores de autopeças (acórdão nº 3.424/09/CE).
No entanto, apesar dos precedentes favoráveis existentes, a discussão tem recrudescido nos últimos tempos, havendo diversos casos pendentes de julgamento tanto em Conselhos Estaduais como no Judiciário. Por uma questão não apenas de coerência, mas também de respeito à ordem legal e constitucional, espera-se que essas novas lides tenham o mesmo desfecho dos casos acima referidos.
3 Comentários
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Tenho ressalvas, muitas dessas empresas comodante e comodataria, se forem aportados bens entre distribuidor as e a fabricante de bebidas, passa a ser abuso de poder econômico. Existem casos de filhos de presidente e diretores que passam compor a novel comodataria! Muitos casos nos aeroportos internacionais. continuar lendo
Nenhum operador do direito tributário, em sã consciência, pretenderia tributar, com o ICMS, as verdadeiras operações de comodato. O grande problema é prescrutar as malandragens sonegatórias que assim se intitulam: 1) como comodatar os bens fungíveis, todos os dias vejo tal intenção sob meus olhos; 2) como comodatar sem que haja devolução do bem emprestado, antes que vire sucata (devolver após o fim da vida útil do bem, aperfeiçoa a venda disfarçada)? 3) Como comodatar bens que não guardam compatibilidade com os fins operacionais do comodatário? 4) e comodato sem propósito negocial? No capitalismo não há almoço gratuito. Ou o pagamento se dá em dinheiro vivo - e aí a venda é assumida - ou parcelada no preço dos bens que motivaram o empréstimo "gratuito". O COMODATO, limpo e puro, é incompatível com a atividade empresarial: LUCRAR. continuar lendo
Olá Francisco, estamos precisando elaborar um contrato de locação ou comodato de um equipamento recém criado e gostaria de saber se você poderia nos auxiliar na elaboração deste contrato. continuar lendo