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2 de Maio de 2024
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    O Ministério Público e os interesses do incapaz

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 21 anos

    O Código de Processo Civil contempla, no rol do art. 82 , algumas das hipóteses de intervenção obrigatória do Ministério Público no processo civil, sobressaindo-se, dentre elas, as demandas onde há interesse de incapazes. Definir-se a razão de ser dessa intervenção não é tarefa difícil, dizendo bem CELSO AGRÍCOLA BARBI que “a disposição legal tem em vista a situação de inferioridade que pode surgir em qualquer demanda para os incapazes” (Comentários ao Código de Processo Civil , Forense, 2a edição, 1o vol., 1981, n. 456, pág. 378). Com essa atuação, ele estaria atendendo a um dever histórico, dado ter existido, no Egito, 4.000 anos antes de Cristo, um órgão com funções semelhantes às hoje reservadas ao Ministério Público, entre as quais se colocava “ser o marido da viúva e o pai do órfão” (Cf . ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA et al., Teoria Geral do Processo, Revista dos Tribunais, 6a edição, 1986, n. 109, pág. 176).

    É de supor-se, pois, que o incapaz, além da defesa de seus interesses pelo seu advogado, contaria, no processo, com um outro aliado, tão engajado quanto aquele e que com ele faria coro, de modo que essa somatória fortaleceria, e muito, os interesses do incapaz. Ledo engano. Seguindo na esteira de tantas outras decisões, o Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, recentemente, firmou que “a atuação do Ministério Público não está subordinada aos interesses dos incapazes, sendo que não se pode falar em nulidade quando a manifestação do Parquet é contrária aos interesses dos menores, pois o seu dever é manifestar-se segundo o direito” (Apelação n. 848878-8, rel. PAULO ROBERTO DE SANTANA, Revista dos Tribunais, 807/266).

    Não se pode negar que a função de defensor do Direito, como diz o acórdão, é inerente à atuação do Ministério Público, por ser ele o fiscal dos interesses públicos que estão contemplados no sistema. Cumpre-lhe, pois, ingressar no processo para que prevaleça o interesse público acima de qualquer outro, sendo-lhe indiferente as partes em disputa. Essa mesma independência deve verificar-se nas hipóteses em que é chamado a funcionar para resguardar interesses atrelados a instituições e valores que o sistema houve por bem preservar, quando, então, há de defender as instituições e os valores que lhe foram confiados. Todavia, a sua atuação não pode ser marcada pelas mesmas características quando é instado a funcionar, no processo, em vista da parte que está em litígio.

    Atuando em causas de incapazes, o Ministério Público exerce a função de curador, assumindo a missão sacerdotal de proteger aquele a quem lhe foi dado o dever de cuidar. Assim, não parece razoável que se posicione contra os seus interesses, funcionando, em essência, tal como se fosse um segundo juiz – aliás, seria o primeiro, porque fala antes das decisões. Se não tivesse nada a acrescentar em favor do incapaz, deveria apenas manifestar-se ciente, opinando quanto à regularidade da representação e deixando o processo seguir a sua própria sorte, com a defesa dos interesses do incapaz confiada ao seu advogado. Todavia, não é isso que se verifica. Não é raro o representante do Ministério Público opinar pela redução de pensão alimentícia, até mesmo em sede de recurso. Cuida-se de um exemplo corriqueiro, mas, em qualquer sorte de demanda, na qual se faça presente o Ministério Público por força de menor ou incapaz, é usual as suas convicções colidirem com os interesses postulados pelo incapaz.

    Diante disso, a resistência que se oferece à pretensão do incapaz é significativamente superior àquela que se apresenta à parte capaz. Longe está a situação, obviamente, de representar efetiva proteção ao incapaz e de dar-se maior eficiência à atividade do litigante. A proteção que a lei quis emprestar desaparece e o Ministério Público, que fora, no passado, idealizado como o pai do órfão, transforma-se em um maldoso padrasto, daqueles que não gostam do enteado, porque com ele divide o amor da mulher. Não se estaria, nesse caso, protegendo o incapaz e curando pelos seus interesses, mas sim preservando a ordem jurídica, missão que não deveria ser restrita somente às causas de incapazes, mas a todas as demandas. Assim, ou o Ministério Público haveria de participar de todos os processos ou também não deveria participar dos de incapaz, quando nada tivesse a dizer a seu favor.

    Fica clara, nessa situação, a ofensa ao princípio da igualdade processual, porque o menor tem a resistir à sua pretensão não apenas a parte contrária, representada por advogado, mas também o Ministério Público, que fica à cata de vícios do processo e da verdade real, atuando até na produção de provas e, não poucas vezes, suprindo mesmo a deficiência da defesa da parte que contende com o incapaz. Ademais, o Ministério Público sempre fala por último, sem que se ofereça, em regra, oportunidade até para contrariar o seu entendimento, com outros argumentos e provas. Essa situação não se apresenta quando os litigantes são capazes, hipótese em que a defesa fica circunscrita às alegações das partes e as provas restringem-se à iniciativa e habilidade delas, não tendo ninguém a sanar desvios e deficiências. A proteção que se confere ao menor transforma-se, portanto, em um pesado fardo, que não passa despercebido sequer ao representante do incapaz, que, ignorando os personagens, muitas vezes, indaga sobre “quem era aquele outro que estava contra nós?”.

    Sequer em termos de agilidade na entrega da prestação jurisdicional o incapaz ganha, de vez que se impõe a remessa dos autos, sucessivas vezes, ao Ministério Público, que tem direito a ser intimado pessoalmente. A abertura de vista, a cada lance, ao Ministério Público e a busca do parecer na Procuradoria, em segunda instância, tomam tempo precioso do processo, retardando a entrega ao incapaz até daquela tutela que o Ministério Público entende que lhe é de direito.

    Urge que se cogite redefinir as funções do Ministério Público no cível. Todavia, para evitar situações teratológicas, nas quais a boa intenção do legislador serve como arma fatal exatamente contra aqueles que se predispunha a resguardar, basta a só razão de ser da norma para chegar-se a solução diferente, de modo a não se dificultar mais a pugna daquele que não tem a capacidade plena.

    *Clito Fornaciari Júnior, é Mestre em Direito, Advogado em São Paulo e ex-presidente da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo.

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    Hoje dia 18/04/2020, Cá estou eu indignada com um Parecer do MP em um processo civil (ação indenizatória por acidente de trânsito fatal que levou a óbito a genitora de 2 menores), no qual represento os menores.

    Indignada, não só porque o Parquet vai contra os interesses do menores, pior que isso, Ele advoga para a parte contrária.

    Não encontrando muita coisa sobre o tema, me deparo com esse artigo, cuja informação do portal diz que publicado há 17 anos. Como é possível tanta atualidade?

    Parabéns Dr. Clito, triste a realidade, mas muito esclarecedor o artigo. continuar lendo