Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024

O que se faz a dois, não se comenta a três

Publicado por Fernanda Favorito
há 10 anos

Não tão raro tomamos conhecimento de casos de violação da privacidade e intimidade da mulher, quando vídeos e imagens com conteúdo sexual vazam na internet sem seu consentimento. Essa prática de divulgação de conteúdos eróticos, sensuais e sexuais com imagens pessoais pela internet utilizando-se de qualquer meio eletrônico, ofende moralmente e difama as mulheres que se tornam vítimas de graves consequências.

Temos como exemplo o caso de duas jovens, uma do Rio Grande do Sul e outra do Piauí, que cometeram suicídio após terem imagens íntimas divulgadas na internet. Temos também o caso da Fran, em Goiânia, que entrou em depressão, teve que sair do emprego e mudar o visual para não ser reconhecida, já que o caso ganhou repercussão nacional.

Tentando coibir a violência virtual contra a mulher dois projetos de lei estão em tramitação no Congresso, um do deputado Romário (PSB-RJ) que sugere alteração no Código Penal para enquadrá-la como crime contra a dignidade sexual, e o outro do deputado João Arruda (PMDB-PR), cujo conteúdo prevê que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) seja estendida a crimes dessa natureza.

No entanto, apesar dos esforços, ainda somos surpreendidos com posicionamentos machistas, como no caso do Desembargador Francisco Batista de Abreu, da 16ª Câmara do TJ/MG ao julgar, recentemente, um recurso em ação de indenização proposta por uma mulher em face do ex namorado que teria gravado e divulgado, sem autorização da mulher, momentos da intimidade do casal. Em seu voto, o desembargador decidiu pela redução do valor da indenização por entender que houve culpa concorrente da vítima, alegando ainda que "quem ousa posar daquela forma e naquelas circunstâncias tem um conceito moral diferenciado, liberal. Dela não cuida." Afirmou, ainda, que a moral é postura absoluta, pois "quem tem moral a tem por inteiro". E foi além, chegou ao cúmulo de dizer que "as fotos em posições ginecológicas que exibem a mais absoluta intimidade da mulher não são sensuais. Fotos sensuais são exibíveis, não agridem e não assustam." (..). "São poses que não se tiram fotos. São poses voláteis para consideradas imediata evaporação. São poses para um quarto fechado, no escuro".

Para mim, o posicionamento do desembargador, autor do voto divergente, deixa claro o enraizamento da cultura machista e o falso moralismo que não deveriam estar presentes em casos como esse. Uma pessoa pode sim oferecer ao seu companheiro fotos intimas ou gravar momentos de sua intimidade, isso advém da confiança que um deposita no outro. O que não se pode tolerar é a divulgação de momentos que só cabem ao casal e que foram realizados em sua intimidade e privacidade, bem como permitir que a moral de uma mulher seja colocada em xeque pelo simples fato de estar exercendo a sua sexualidade de forma livre e sem tabu.

É um retrocesso um posicionamento como o desse magistrado, que deveria atuar com imparcialidade, aplicando o direito ao caso concreto, sem fazer qualquer juízo de valor sobre a moral da mulher que foi exposta e é vítima nesse caso. Tal situação me remete à expressão "mulher honesta", usada, em um passado não muito distante, no Código Penal, para restringir a atuação jurisdicional a determinadas mulheres, excluindo aquelas consideradas promíscuas, de acordo com os ditames morais da época da redação do Código.

Essa restrição à proteção estatal era presente nos crimes sexuais, como o exemplo dos arts. 215 e 216 em que a tipificação penal possuía a seguinte redação: "Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude" (art. 215) e "Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal". Ou seja, antes das alterações trazidas por força da Lei 11.106/2005, somente a "mulher honesta" podia ser vítima desses crimes, ficando a cargo do juiz exercer um juízo valorativo acerca da moral da mulher, deixando claro seu papel de inferioridade diante do Estado.

FONTE

  • Sobre o autorProfissional de Aviação Civil
  • Publicações537
  • Seguidores1256
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações4033
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-que-se-faz-a-dois-nao-se-comenta-a-tres/129951181

Informações relacionadas

Karolinne Santos, Advogado
Artigoshá 10 anos

O que se faz a dois, não se comenta a três

Consultor Jurídico
Notíciashá 18 anos

Justiça anula casamento porque mulher recusou ter relação sexual

15 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)
Bruno Pena
9 anos atrás

Prezado Thiago Bertolli... a mulher tem o direito de exercer a sua sensualidade e sexualidade de forma livre para agradar e excitar o seu companheiro. E quando ela faz isso, o faz na confiança que deposita em seu parceiro. Isso não dá ele o direito de ele divulgar isso para todos, inclusive familiares. Se nem o direito de imagem pode ser explorado sem o consentimento da pessoa, quiça a intimidade de alguém. O artigo da advogada Karolinne Santos publicado no jornal "Diário da Manhã" e publicado aqui pela acadêmica Fernanda F. Felena, é esclarecedor e enterra vários tabus, que ainda persistem em nossa sociedade. continuar lendo

Ric
9 anos atrás

Sim claro. concordo plenamente.

Porém, se brincar de "poste" pode ser que o cachorro faça xixi nas suas pernas. E aí, o que tem a ver o tabu/direito com o bom senso?

Se tirar fotos "digamos intimas/reservadas/contidas", corre o risco de, embora indevidamente ou ilegalmente, se aborrecer ou se envergonhar.

Outra condição, é a das mulheres que tiram fotos, iguaizinhas a essas e se escancaram na Play Boy, e não lamentam nem um pouco. O que aparece é igual. A diferença é que elas tem a certeza que todo mundo vai ver, e, não a esperança que somente o "autorizado/permitido" veja.

É errado o fato, e é uma opção, mas, porque se arriscar a ter um resultado desastroso? É inteligente? continuar lendo

Bruno Pena
9 anos atrás

Prezado Rui Nerys... uma pessoa ao transitar pela rua a noite corre o risco de ser assaltada, deve ela deixar de transitar pelas ruas a noite, ou buscar que o Estado responsabilize os autores de assaltos, na tentativa de coibir tal prática? Uma mulher tem que ter o direito de se exibir para o seu parceiro e vice-versa. O que ela faz para ele, tenho certeza que não gostaria que fosse divulgado a seus amigos e familiares. Não podemos pregar o medo e a repressão sexual. continuar lendo

Cassiano Aquino
8 anos atrás

Mas até as coisas mudarem muita gente vai se dar mau ao andar nas ruas em horários desfavoráveis, e muita mulher vai se exposta por se deixar gravar. continuar lendo

Thiago Bertolli
9 anos atrás

Concordo com a decisão do desembargador e ainda faço uma pergunta: Qual o intuito de se fazer videos da intimidade senão quer ser visto ou exposto para outras pessoas? Podem ocorrer diversos casos em que os videos vão parar na internet e não somente atraves da má fé de um do parceiro. Acredito que as pessoas que fazem tais videos estão cientes dos riscos e estão de acordo com eles. continuar lendo

Perfeitamente coleta Thiago. Ademais, o desembargador referido não foi machista, na minha cidade, recentemente, um conhecido acabou fazendo um vídeo desse tipo para a namorada e todos tiveram acesso.....quem faz isso quer mostrar para todo o povo! "Tem um conceito moral diferenciado, liberal" GRIFEI com respeito e admiração ao nobre entendimento do Excelentíssimo Desembargador!
Paguem o preço de sua promiscuidade e falta de vergonha!
Não deveria haver qualquer indenização!
Sem mais. continuar lendo

Cassiano Aquino
9 anos atrás

De fato, em um mundo utópico, uma mulher poderia usar qualquer vestimenta sem ser importunada.

Poderia também se deixar ser filmada por namorado, marido, e ter certeza que o mesmo teria bom senso de não a expor.

Mas no mundo real atual, não é assim que funciona.

Entre uma mulher usando calça jeans e outra usando mini-saia, qual das duas seria "mais fácil" agredir?

Ai você fala; ah mas nós mulheres temos o direito de andar como queremos!

Sim, concordo, todos temos direitos inegáveis.

Da mesma forma que eu, tenho o direito de andar em qualquer lugar, a qualquer hora em minha cidade.
Direito de ir e vir.

Mas eu sei que, certos locais e certos horários, eu não posso trafegar, pois sei que o risco de
ser assaltado e/ou agredido fisicamente, é bem maior.

O mesmo vale, por exemplo, sacar valores altos em caixas eletrônicos, existe um limite diário.

Por isso que os bancos 24 horas, não funcionam depois de certo horário, alguns fecham até mais
cedo em locais de risco.

Viu? Não é só seu direito de andar semi-nua, ou se deixar filmar/fotografar de forma intima, na rua que está sendo questionado, o meu direito de ir
e vir, também, porque?

Porque violência existe, e é real.

O que devemos combater não é o homem, machismo e etc.

E sim a violência que atinge A TODOS, independente do SEXO, IDADE, COR.

Esse foco excessivamente centrado, no vitimismo feminino, está causando uma cegueira idealista,
que pode se voltar contra as próprias mulheres.

Pois não ataca o verdadeiro problema, que é a violência e a falta de segurança pública adequada,
entre outras questões.

------------------------

PS: Concordo que exitam lei que reprimam esse tipo de crime, mas para uma mulher, agressões deste tipo não tem peço nem volta. Por isso a prevenção é ainda a maior arma. continuar lendo

Liane Furtado
9 anos atrás

Perfeito. continuar lendo

HONESTIDADE (Conforme Dicionário Aurélio):
1.Qualidade ou caráter de honesto; honradez, dignidade.
2.Probidade, decoro, decência:
3.Castidade; pureza; virtude.
Portanto, quanto ao fato do material exposto publicamente, sim, dependeria da autorização da pessoa.
Porém dentro do exposto Juridicamente, torna-se crime quando de pessoa honesta, isto é, se afetou publicamente com cenas colhidas às espreitas sem consentimento e conhecimento desta. Porém, hoje se tornou normal o exibicionismo e a promiscuidade, inclusive como fato destas exposições serem de caráter exibicionista.
Só depois, se acaso acontece algum fato que conduza a tal procedimento tais como namorados que brigam e se desentendem se afastando, tal material acaba aparecendo como forma de vingança.
Quanto material sensual e sexual é exposto publicamente pelo mundo afora?
Finalmente acredito que o erro maior esta em quem consente ser feito este material, mesmo sendo de cunho intimo e particular. Quanto mais os tempos passarem, quanto mais as tecnologias se sofisticarem, mais vão haver tais casos. A nudez a milênios nunca foi tratada como forma de malicia, mas como forma de beleza exaltada. Esta suposta vitima expos seu corpo com intuito de justamente mostrar suas formas belas. Duvido que se fosse cheia de defeitos, faria o mesmo. continuar lendo