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23 de Maio de 2024
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    OBRA RARA. EXEMPLAR ÚNICO.

    há 14 anos

    DIREITO MORAL DO AUTOR E SUCESSORES. NOVA REDAÇÃO DE ACORDO COM O PROJETO GOVERNAMENTAL. CONHECIMENTO PÚBLICO DO PROJETO DE LEI

    LUIZ FERNANDO GAMA PELLEGRINI - Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo


    Este tema é sempre muito rico, tanto assim que já nos reportamos anteriormente, - e
    nada impede que o vejamos novamente - em que a lei vigente apresenta uma inovação contida no seu artigo 24
    , inciso VII, no capítulo dos direitos morais, mas que pouco ou quase nada se escreveu a respeito, muito embora a nosso ver seja de grande relevância, mormente num país em que a memória praticamente inexiste.

    Independente do que abaixo veremos, nesta oportunidade pretensão legislativa sugerida através da Consulta Pública do Projeto de Lei (www.planalto.gov.br) que altera parcialmente a Lei autoral vigente, sendo que de momento nos ocuparemos da nova redação ao parágrafo primeiro do art. 24 da lei vigente, que assim dispõe:” Parágrafo primeiro - Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I, II,III , IV e VII ”

    O ponto que nos interessa é a inserção do inciso VII como titularidade dos sucessores, o que é altamente saudável, e esperamos essa pretensão legislativa seja atendida mesmo porque nada mais representa que o bom senso que deve nortear o direito.

    A seguir discorremos sobre a matéria e consignamos nossa crítica à redação do parágrafo primeiro do art. 24 até então vigente.

    Este tópico diz respeito a qualquer obra, artística, literária, a científica, enfim qualquer manifestação do espírito e que como tal são obras protegidas (artigo 7º) pela lei vigente, muito embora nos preocupemos nesta oportunidade das obras de artes plásticas.

    Primeiramente esclareça-se que esse direito moral é não extensivo aos herdeiros como ocorre nos incisos I a IV , sendo titular do seu exercício apenas e tão somente o criador da obra (artista), o que a nosso ver errou o legislador ao restringir o acesso a uma obra em princípio tida como rara e exemplar único, pois a história nos comprova que raridades são descobertas anos após a morte do seu criador e isso viria de encontro ao próprio texto da lei, contra a memória cultural, portanto um retrocesso, v.g. partituras de Mozart, Beethoven e quadros de artistas consagrados, bem como pinturas que são descobertas séculos após a morte do seu autor.

    Exerceu o legislador ordinário a defesa do interesse privado, o que é correto, mas no entanto, essa situação poderia ter recebido abordagem mais realística e abrangente como veremos.

    Dispõe o dispositivo em questão:

    “VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da ora, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória , de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.”

    O dispositivo em questão estabelece que o acesso pelo autor à sua obra tida como rara e exemplar único poderá ocorrer para fins de preservação da memória , através processo fotográfico, assemelhado ou ainda audiovisual, ressaltando que essa iniciativa por parte do artista não deverá causar inconvenientes ao proprietário da obra, pois caso contrário responderá por perdas e danos.

    Constata-se primeiramente que a permissão é de cunho basicamente cultural, o que é salutar, porém sem objetividade diante de um mundo financeiramente feroz. As leis como as decisões judiciais devem atentar acima de tudo para a realidade da norma,para os fatos que conduzem o mundo e não apenas preocupados com o aspecto legislativo em si.

    Verifica-se, ab initio, que a previsão legal contém conotações extremamente subjetivas e que podem dificultar a iniciativa do artista, a começar pelo o que se entende por obra rara , avaliação essa que partirá do artista e até mesmo especialistas, mas que pode para os fins pretendidos não atender ao disposto em lei, mesmo porque cabe ao criador aferir se a sua obra - que não é do especialista - é efetivamente rara e, portanto, inserida no dispositivo em questão.

    Como vimos acima, este direito não é extensivo aos sucessores , podendo dele fazer uso apenas o autor-artista- criador intelectual.

    Já com referência ao exemplar único, não vemos qualquer dificuldade por parte do artista, tratando-se de quadro ou desenho, mesmo porque as demais formas de concepção artística não seriam beneficiadas em princípio por esse inciso, muito embora para as denominadas gravuras e assemelhados, a matriz (estampa) é um exemplar único, levando-se em conta que cabe unicamente ao artista estabelecer se determinado trabalho de sua autoria é uma obra rara e única.

    Essas dificuldades justificam que a previsão legal deveria ser extensiva aos herdeiros, pois é muito comum como dito a aparição de obras após muitos anos da morte do artista dificultando assim a preservação da memória, se for o caso, para que haja coerência inclusive com os incisos I a IV do mesmo dispositivo legal, uma vez que os herdeiros são legítimos titulares do exercício dos direitos morais mencionados nos nesses incisos, mesmo porque aos herdeiros compete v.g. o direito de paternidade, assegurar a integridade da obra opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma possam prejudicar o autor.

    Nesse particular há que se distinguir o posicionamento do artista-autor e do proprietário-possuidor da obra.

    Há que se lembrar que a preservação e manutenção da memória é matéria de cunho constitucional prevista nos artigos 215 e 216 da CF/88, em que o Estado garantirá o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes culturais, estabelecendo ainda que constituam patrimônio cultural os bens de natureza material, as formas de expressão e as obras para fins de manifestações culturais e que se harmoniza com a disposição contida na lei autoral, pois a iniciativa do artista não visa apenas a sua curiosidade ou outro interesse, mas o acesso à sua criação intelectual que certamente se insere no contexto das normas constitucionais, dado que a condição é que se trate de obra rara.

    JOSÉ AFONSO DA SILVA em comentários ao artigo 23 nos ensina que: “Aqui, estamos diante de bens culturais, que encontram normatividade mais desenvolvida nos arts. 215 e 216. A Constituição, neste inciso, especifica os bens, para melhor proteção. Depois são as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural. São, na verdade, obras e bens culturais - expressão que abrange o histórico e o artístico, que já se incluem no cultural. O que se tem, como vimos, são bens culturais históricos, bens culturais artísticos, bens culturais arqueológicos, paleontológicos, etnográficos, folclóricos, paisagísticos - por que todos são manifestações da cultura.” (Comentários A Constituição, 5ª. Ed., M., pág. 273, 2008).

    Uma curiosidade que nos chega é a inserção desse dispositivo no capítulo dos direitos morais, que tem sua razão de ser por tratar-se de direito personalíssimo, inalienável, intransferível e imprescritível e o fato da obra pertencer a terceiro em nada interfere no exercício dos seus direitos.

    Todavia, a norma pode ensejar efeitos não desejados, como v.g. a eventual procura de algum enriquecimento por parte do proprietário diante daquilo que seria uma obra única e rara, quando então adentramos o campo dos direitos patrimoniais.

    Por outro lado, da leitura do inciso em questão podemos entender que as hipóteses ali contidas impediriam o artista dos seus direitos de utilização, fruição e gozo que tem sobre a obra, disposições que se inserem no capítulo dos direitos patrimoniais, cabendo relacionar esse dispositivo aos artigos 77 e 78 da lei autoral, pois a exploração econômica da obra por parte de terceiros, salvo disposição em contrário encontra óbice no artigo 78 mencionado, independentemente do mandamento constitucional previsto no artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII.

    Se o objetivo é preservar a memória, tal fato a nosso ver não deveria restringir os direitos patrimoniais do artista ou sucessores.

    Os interesses têm que se harmonizar, mesmo porque não podemos perder de vistas que os direitos privados e o interesse social têm que se conciliar, mormente porque oriundos de normas constitucionais.

    Nada impede, a nosso ver, que o artista queira fotografar essa obra e explorá-la nos termos do inciso VII, mesmo porque sua memória estaria não apenas protegida, mas igualmente divulgada e explorada inclusive economicamente, pois todas essas iniciativas são privativas do artista, exclusivamente dele, pois envolve direitos morais/patrimoniais. Essas utilizações-explorações acabam sempre envolvendo circulação de riqueza, direta ou indireta em face do interesse em que a raridade acarreta, como o patrocínio com incentivos fiscais para que essa obra tenha sua memória protegida, ou seja, investimentos por parte de terceiros que serão beneficiados provavelmente com incentivos fiscais, sem que isso contudo afete a disposição previsto no citado inciso VII, pois pensamos que não se pode perder de vista o aspecto financeiro de desse tipo de iniciativa.

    Acrescente-se, que nos termos dos artigos 28, 29, 31, e 33, o proprietário como salientado nos artigos 77 e 78, salvo disposição em contrário, são apenas proprietários e possuidores da obra, inexistindo qualquer direito de utilizá-la-explorá-la, seja a que título for.

    In summa, a não permissão de que herdeiros possam exercer esse direito não é compatível com o mundo moderno, pois como já salientado anteriormente é muito comum a localização de obras que até então eram desconhecidas quando o seu criador-artista já faleceu, haja vista que constantemente noticia-se fato nova envolvendo a própria história.

    Entendemos ainda que inserido nesse contexto os museus, fundações e instituições culturais igualmente poderiam ter acesso a exemplar raro e único, acessoriamente posto que o direito presentemente é exclusivo do autor-criador, vindo assim ao encontro da função social e da própria criação da obra.

    Muito embora o tema comporte muitas manifestações pela suas importância, pensamos que o acima exposto é uma realidade, e tem que ser tratada como tal, preservando e resguardando direitos, mas jamais mutilando o que há de mais nobre que é o direito de autor, ou seja, a criação do espírito, e no aguardo, por tanto que a nova redação sugerida seja acolhida.


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