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17 de Junho de 2024

Os homens que vestem o luto: como o aborto está avançando no STF

Publicado por Correio Forense
há 7 anos

Apesar de o povo brasileiro ser majoritariamente contrário ao aborto (79%, Ibope/2014) e, por isso, o Legislativo jamais tenha ousado tocar na questão, é o STF que avança, a passos largos, a agenda pró-aborto, a pretexto de fazer “interpretações da Constituição” que excluem do “direito à vida” do artigo 5.º a criança ainda por nascer.

No julgamento da ADPF 54, que aprovou, em 2012, o aborto de crianças anencéfalas (com má-formação cerebral), o STF firmou a tese de que a aprovação do aborto atendia à liberdade da mulher (não esclareceu, contudo, sobre a liberdade das meninas abortadas) e que o Estado, por ser laico, não poderia encampar doutrinas religiosas – como se o aborto fosse apenas questão de religião e não tocasse no problema da garantia de qualquer outro direito; afinal, a quem foi abortado foi negada a liberdade de expressão, de crença, a educação…

Mas este acórdão, assim decidido, foi subscrito por todos os atuais componentes do STF, com exceção de Ricardo Lewandowski (que votou contra) e Dias Toffoli (impedido): votaram assim Marco Aurélio, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármem Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

O acórdão sobre o aborto de anencéfalos só foi possível graças a um julgamento anterior: a ADI 3.510, de 2008, que tratou da manipulação de células-tronco embrionárias e na qual o STF definiu o momento em que a vida começa (questão que, em situações normais, seria definida pela natureza). O embrião não seria pessoa porque não teria possibilidade de nascer por si, nem de desenvolver sistema nervoso: ele seria um bem (essa é a palavra utilizada), não uma pessoa.

Dentre os atuais ministros, votaram a favor desta interpretação Cármem Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio; Ricardo Lewandowski também foi contrário.

É evidente que a interpretação conferida ao direito à vida como dependente do sistema nervoso (e não como um direito do ser humano concebido; afinal, da união de um espermatozoide humano com um óvulo humano não surge uma árvore, nem um elefante, mas um ser humano) serviu, depois, para a aprovação do aborto de anencéfalos ao argumento do sistema nervoso precário. Hoje, pelo mesmo, já se discute o aborto em caso de microcefalia (ADI 5.581/DF).

O ministro Luís Roberto Barroso atuou como advogado dos defensores da interpretação pró-aborto nos dois casos. Mais recentemente, no habeas corpus 124.306, por um voto de Barroso, a Primeira Turma do STF chegou mesmo a ir além dos julgamentos anteriores: interpretou que não seria crime o aborto nos três primeiros meses de gestação, por garantia dos “direitos da mulher” (novamente, sem esclarecer sobre os direitos das meninas abortadas). Edson Fachin e Rosa Weber acompanharam Barroso.

E foi assim que uma Turma do STF (sequer o Pleno) descriminalizou o aborto em um habeas corpus (nem mesmo uma ação de constitucionalidade). Se a sociedade já era refém de um Plenário de onze juízes ativistas, a Primeira Turma do STF mostrou que ela pode também ser refém de apenas cinco.

O fato é que, reunindo os três casos mencionados, todos os atuais ministros do STF já se posicionaram a favor do aborto em julgamentos. Dias Toffoli, impedido de julgar nos casos por ter atuado neles como AGU, declarou em entrevista à revista Poder, em 2010, que é a favor da descriminalização do aborto. O único pró-vida no Supremo Tribunal Federal, que votou consistentemente contra o aborto, é o ministro Ricardo Lewandowski. São 9 contra 1.

É evidente que há um desequilíbrio absurdo na questão. Se 79% da população brasileira é contrária ao aborto, mas a sua Suprema Corte é o exato inverso (80% a favor), há um claríssimo descompasso entre o STF e a realidade do país. Não é à toa que os brasileiros demonstram cada vez menos respeito pelo Supremo, com manifestações públicas contra a Corte. STF e Brasil já não falam mais a mesma língua – e não só nessa questão.

Os ministros do Supremo parecem desempenhar uma verdadeira guerra por moldar a sociedade brasileira à luz do que eles próprios entendem como “civilizado”. Não se contentam com a função de aplicar a lei, tal como elaborada pelo Legislativo: criam-na através de “interpretações da Constituição”, alteram o sentido de termos pelo expediente da “mutação constitucional” e, pelo mesmo mecanismo, reformam a Constituição, sem precisar de Emenda. Em tudo isso, a sociedade brasileira se vê sujeita ao cabresto de uma Corte de onze julgadores que, sozinhos, podem ditar-lhe o rumo e “colonizar-lhe” a seu gosto. Com a abertura de uma vaga no Supremo pelo falecimento do ministro Teori Zavascki, o ativismo judicial e a questão do aborto voltaram ao debate. Largos setores da opinião pública – nos referimos ao povo de verdade, não à opinião sustentada por uns poucos, do interior de bunkers ideológico-midiáticos – defendem que o indicado deveria ser alguém que estivesse em maior sintonia com o povo brasileiro (inclusive, assumidamente pró-vida) e um juiz sem pretensões de ser também legislador.

Dentre os nomes cogitados, o único que parece cumprir os dois requisitos é o do presidente do TST, o ministro Ives Gandra Filho. O conceituado jurista é abertamente pró-vida e acredita que as interpretações pró-aborto do Supremo não são constitucionais. Ives Gandra também é um crítico do ativismo judicial e – tanto academicamente, quanto como juiz – se opõe à ideia de que o Judiciário possa, numa canetada, legislar para mudar a sociedade.

O presidente Michel Temer tem nas mãos a chance única de iniciar uma mudança de rumos no STF: de Corte legiferante, pró-aborto e revolução cultural, para uma Corte menos ativista, mais sintonizada com o povo e desejosa de cumprir sua função de julgadora, não legisladora.

Atualmente, o preto das togas do STF é um preto de luto. Não o luto dos ministros, que se regozijam de estarem “civilizando” uma sociedade, a seu ver, “retrógrada”; mas o luto do povo brasileiro, pelos seus inocentes. O desenvolvimento de uma civilização se mede pelo seu nível de proteção aos mais fracos: os idosos, os doentes, os deficientes, as crianças, os filhos por nascer. Sempre que uma sociedade mais se aproximou da barbárie, estes foram as primeiras vítimas fatais, os “inúteis”.

A cor das togas é o preto, contudo, porque o ofício judicante é visto como um sacerdócio: o juiz morre para o mundo e vive para o seu ministério. Nada mais distante do que acreditar no contrário: que o mundo deva ser moldado à luz de si mesmo.


Taiguara Fernandes de Sousa é advogado e jornalista.

Fonte: Gazeta do Povo

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22 Comentários

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Rafael Nascimento
7 anos atrás

Muito bla bla bla...
Fácil apontar o dedo e julgar expectativa de vida na "barriga" dos outros. continuar lendo

Bem por aí. E, francamente, Levandowski significa o que? continuar lendo

Euclides Araujo
7 anos atrás

Nobres Colegas, primeiramente aos desavisados, no Brasil existe o aborto legal previsto no artigo: 128 do C.Penal e corroborado pela Portaria 415/2014 do Ministério da Saúde, sem outorga judicial. No caso de fetos anencéfalo ( sem cérebro), o aborto dependerá de outorga judicial.
Não se pode olvidar, tecnicamente já existe uma legalização parcial do aborto. Dito isto. É um tema indigesto, contudo, deve ser enfrentado pela sociedade. Será que a atual proibição do aborto nos casos distintos das exceções previstas em lei, apresenta resultados satisfatórios? Talvez, não sei. Segundo estatísticas extraídas da Carta Capital de outubro de 2014, ocorre cerca de 1 milhão de abortos por ano, sendo que, uma em cada cinco mulheres já fizeram um aborto, informa ainda, que a cada dois dias no Brasil, morre uma mulher vítima de aborto ilegal. Se os dados são confiáveis, não sei, contudo, causa espanto. Será que hoje estes números aumentaram? Questiono ainda, a norma penal continua sendo eficaz nos dias de hoje para desestimular a prática ilícita do aborto? Parece-me que não. Qual é a melhor solução neste caso? Deixá-lo na clandestinidade? Regulamentar com regras claras permissivas para tirá-lo da clandestinidade? Será que já foi feito algum levantamento para saber, qual motivo que leva uma mulher a fazer um aborto? Sei que do ponto de vista cristão é inaceitável e do ponto de vista moral? Sou a favor do aborto legal de hoje, ou seja, só nas exceções previstas em lei. Agora, ao legalizar, isto não o tornará uma prática necessária, sendo óbvio, quem é contra, continuará sendo. Agora, antes de tudo, deve-se responder para si, os questionamentos suscitados para formar um juízo de valor acerca do tema. Ser contra, irá conter a escalada dos abortos clandestinos? Eles acontecem quer queiram, quer não, na calada, nos bastidores, no silêncio da noite e etc... continuar lendo

Anderson Pequeno
7 anos atrás

Muito bom o seu texto, parabéns!

Acredito que esse tipo de atuação do supremo, querendo legislar e tomando decisões contra o que a maioria da população pensa, pode gerar inclusive ódio e revolta em nossa sociedade. continuar lendo

Cristiane Dabul
7 anos atrás

Ao invés de se preocuparem com as crianças que estão por vir e que, independente de quem seja, será um tormento pras mães que viverão o resto de suas vidas em função de um filho do qual pouco poderá se esperar e se sentirão eternamente culpadas por terem dado a luz à uma criança cheia de problemas, por que não se preocupam com as que já nasceram...que não têm condições mínimas de levar uma vida decente, que passam fome, frio, vivem na miséria, na sujeira, no descaso, vítimas de violência, de abuso, pedintes no semáforo...isso não é preocupante??
Por que não aprovam de uma vez a esterilização de pais que não têm as mínimas condições de procriar e, mesmo assim, espalham filhos por aí.? Lamentável saber que muitos deles são abandonados, abrigados ou jogados em latas de lixo! continuar lendo

Anderson Pequeno
7 anos atrás

Olá Cristiane, tudo bem? Você fala no tormento que esses bebês "imperfeitos" e cheios de problemas representariam para as mães caso não fossem abortados, que seria uma dificuldade para toda a vida de uma mãe caso nascessem.

Mas fico pensando se muitos de nós nascidos "perfeitos" em relação a esses que serão abortados, não somos um tormento muito maior e causamos mais problemas para nossas mães, pais, irmãs (õs), esposas (os) e para toda a sociedade, do que um bebê que nasce com dificuldades motoras e de cognição. Fico pensando no que seria pior para uma mãe: ser mãe de um assassino cruel, político corrupto, estuprador ou ser mãe de um ser humano com dificuldades de locomoção, alimentação, cognição, visão, etc, que provavelmente terá pouco tempo de vida, sem capacidade nenhuma para cometer o mal ou o bem? continuar lendo

Norberto Moritz Koch
7 anos atrás

Ainda bem que temos um judiciário "ativista", já que são pagos com meu dinheiro (entre outros contribuintes) espero que continuem bem ativos.
Afinal do legislativo atual só se espera o muito pior e o judiciário apenas se recusou a não olhar para o outro lado. continuar lendo

Rui Ferreira
7 anos atrás

Essa sua opinião apenas prevalecerá enquanto o ativismo do supremo não produzir um acórdão que contrarie diretamente um de seus interesses pessoais. continuar lendo

Rui, o interesse pessoal, no caso, é da mulher, que, conforme disse o Ministro, deve parar de ser encarada como um útero a serviço da sociedade. Há que se dar liberdade de decisão. Francamente, prefiro aborto a abandono. continuar lendo