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17 de Junho de 2024

Poliamor

há 4 anos

Poliamor, palavra que o meu editor de texto não reconhece, porém, deriva do grego poli que significa muitos ou vários e do latim amor que eu acredito não precisar de explicação. Um relacionamento poliamoroso é aquele que envolve mais de duas pessoas, existem relacionamentos em que todos os envolvidos vivem juntos ou convivem a maior parte do tempo e, também, aqueles em que há um casal central, formado por duas pessoas, em que elas mantêm relações secundárias separadamente e com o consentimento uma da outra. Importante destacar que ao falarmos de relacionamentos poliamorosos todos os envolvidos precisam estar cientes e consentirem com tal situação.

Confesso que particularmente a ideia de me relacionar amorosamente com mais de uma pessoa causa estranhamento, digo, onde fica a fidelidade? Existe ciúme em um relacionamento poliamoroso? Existe traição? Para onde vão as convenções que normalmente vemos em relacionamentos monogâmicos? Não me enxergo em um relacionamento assim, ainda existe muito que eu não consigo entender sobre o que faz as pessoas se relacionarem dessa forma, fato esse que possivelmente seria suprido com as horas de literatura sobre o tema que me faltam.

Para entender melhor os aspectos que rodeiam o tema socialmente, culturalmente e psicologicamente realizei a leitura do artigo “Poliamor: da institucionalização da monogamia à revolução sexual de Paul Goodman”[1] publicado no periódico eletrônico em psicologia.

Para o autor o amor é uma construção social que pode ser facilmente encontrada em todas as culturas conhecidas. Ele afirma que, em uma análise essencialmente ocidentalizada, é possível perceber uma tendência à crença na universalidade do amor romântico, porém, consoante as ideias de Costa (1998), o amor é uma construção histórico-cultural, uma crença emocional, que como tal pode ser mantida, alterada, melhorada, piorada, dispensada ou abolida, portanto uma invenção humana.

"O amor foi inventado como o fogo, a roda, o casamento, a medicina, o fabrico do pão, a arte erótica chinesa, o computador, o cuidado com o próximo, as heresias, a democracia, o nazismo, os deuses e as diversas imagens do universo. Nenhum de seus constituintes afetivos, cognitivos ou conativos é fixo por natureza." (COSTA, 1998, p.11)

Na Europa pré-moderna os casamentos eram constituídos sobre o alicerce da situação econômica. De acordo com Carvalho (1999), durante a Idade Média, o casamento era produto de uma negociação entre nobres a partir do interesse econômico e social, uma troca entre famílias para favorecer os patrimônios. A ideia do amor na época medieval estava fortemente ligada as normas cristãs, um amor sagrado e para o sagrado.

Com a evolução da sociedade, e a separação do amor da ideia do sagrado, conforme Belmino (2010), a paixão passou a ser explícita culturalmente e a manifestar-se entre os casais, o amor apaixonado passou a ser expresso nessa época, influenciando a literatura, a filosofia, a música e as artes em geral.

Almeida (2006) destaca que a monogamia, enquanto norma valorada e aceita pelas sociedades ocidentais surgiu sob a forma de resguardo às propriedades e à herança, uma imposição religiosa que pactuava a exclusividade matrimonial e desencorajava a troca de parceiros, mas que ao mesmo tempo não recriminava o concubinato praticado pelos homens.

O artigo menciona que o poliamor, enquanto movimento, passou a ter notoriedade na década de 90, mais precisamente nos Estados Unidos, sendo acompanhado de perto pela Reino Unido e Alemanha.

Em Avenida Brasil, de 2012, fomos apresentados a um núcleo da novela formado por Cadinho, Verônica, Noêmia e Alexia. Inicialmente Cadinho vivia em concubinato com duas “esposas” e iniciava um relacionamento com outra mulher, sem nenhuma delas ter conhecimento da existência da outra. Ao desenrolar da trama vemos as mudanças nas formas como eles se relacionam entre si, criando um núcleo familiar próprio e muitas vezes contestado, isso tudo resulta no arco dos personagens sendo finalizado com a cerimonia de casamento entre os 4, na presença dos filhos e amigos.

Ao voltarmos nossa atenção para a perspectiva legal podemos afirmar que a legitimidade jurídica de relacionamentos poliamorosos encontra suporte nos princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade. Além disso, cumpre salientar que o art. da Constituição Federal de 1988 dispõe ser direito social essencial à busca a felicidade.

É de suma importância compreendermos o conceito histórico que implicou na criação do princípio da dignidade humana, e quando o estudamos não nos faltam definições para conceituá-lo, na prática, trata-se de um conceito subjetivo. O ministro do STF, Alexandre de Morais[2], define dignidade da pessoa humana como:

[...]um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas...[...]

Temos por autodeterminação o ato ou efeito de decidir por si mesmo, ou seja, ser livre. Podemos entender que o princípio da liberdade é, então, o direito que todo individuo tem de agir livremente em concordância com a sua moral e vontade, independentemente do entendimento ou do julgamento social, desde que este ato não desencadeie consequências a terceiros ou ao bem social.

Percebesse que a subjetividade é comum a todos os princípios apresentados, o mesmo pode ser dito sobre o direito essencial à busca da felicidade garantido no art. da CF/88. Ora não há fórmula para a felicidade! A vida seria muito mais fácil, e na minha opinião, chata se houvesse.

Para cada individuo a felicidade está atrelada a diferentes coisas, há quem se sinta feliz no meio da natureza, e para outros, onde me incluo, a ideia de estar totalmente imersa na natureza é constante fonte de nervosismo e estresse.

Por óbvio ainda há muito que necessita ser desbravado juridicamente no tocante a proteção dos indivíduos que compõe um relacionamento poliamoroso, entre eles os aspectos patrimoniais, os aspectos relacionados a prole e os efeitos e consequências jurídicas que podem sobrevir de tais ramificações.

Contudo, esses obstáculos jurídicos que são revelados pela complexidade do poliamor precisam ser superados a medita que se apresentam, e de modo algum serem utilizados como escudos de proteção para que sigamos reconhecendo apenas aquelas relações em que nos vemos refletidos. Dessa forma precisamos que o manto da proteção judicial recaia também sobre os integrantes de relações poliamorosas, garantindo que essas pessoas tenham resguardado o direito de buscar a felicidade da maneira que bem entenderem.

Afinal, como bem diz Lulu Santos[3], consideramos justa toda forma de amor.


[1] http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-25262015000200008

[2] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. ao da Constituição da Republica Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003 (Coleção temas jurídicos).

[3] https://www.letras.mus.br/lulu-santos/103/

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