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2 de Maio de 2024

Preconceito e elitismo? a decisão do TJRJ que manteve o Vasco da Gama punido.

Publicado por Felipe Antônio Murad
há 8 meses

No julgamento realizado no dia 30/08 (quarta-feira), por dois votos a um, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que o Club de Regatas Vasco da Gama continuaria jogando sem torcida, com os portões fechados. (autos n.º 0048838-66.2023.8.19.0000)

O que está por trás da referida punição, nada mais é do que a “barreira do Vasco”. A barreira é uma favela que fica no entorno do estádio de São Januário.

Há quase 100 anos, no mesmo local, o Vasco passou por uma discriminação elitista muito parecida.

Em 1907, quando a Liga Metropolitana de Football (LMF) passou a se chamar Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA), o jornal "O Fluminense" publicou a seguinte determinação:

"Communico-vos que a directoria da Liga, em sessão de hoje, resolveu, por unanimidade de votos, que não sejam registrados, como amadores nesta Liga, as pessoas de côr. Para os fins convenientes ficou deliberado que a todos os clubs felliados se officiasse nesse sentido, afim que scientes dessa resolução, de accordo com ella possam proceder" - 22 de maio de 1907.

A LMSA foi dissolvida no final de 1907 e uma nova liga surgiu no ano seguinte, sem proibição direta da participação de negros e pobres, mas com eles ainda sendo preteridos.

Em 1917, surgiu a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), e o estatuto instituído trazia o analfabetismo como um dos principais impeditivos para um jogador ser inscrito. A ocupação do atleta seguia como impeditivo. Por exemplo, "aquelles que exerçam profissões humilhantes que lhes permittam recebimento de gorgetas" não poderiam participar.

O Vasco, até então um clube de remo, aderiu ao futebol em 1915. No ano seguinte, o clube se filiou à Liga Metropolitana para disputar a Terceira Divisão.

Depois de uma estreia ruim no futebol, o Vasco encontrou em outras ligas, especialmente no subúrbio carioca, o caminho para se firmar no esporte que se tornava tendência no Brasil. O clube então deu oportunidades a vários jogadores oriundos de equipes pequenas e agremiações dos subúrbios.

O analfabetismo, critério da Liga Metropolitana para excluir os atletas, foi tema de jornais da época, que apontaram a cassação de jogadores do Vasco que não eram alfabetizados.

"A directoria da entidade carioca cassou também o registro do excelente forward Torterolli, pertencente à equipe principal do Vasco da Gama, por ser inimigo da literatura" - registrou "O Imparcial" em 1923.

Para que os atletas conseguissem, mesmo que sem uma boa ortografia, escreverem os dados necessários e assinarem o pedido de inscrição ou opção, o Vasco contou com a ajuda do associado Custódio Moura. Bibliotecário do clube, ele ensinava os jogadores a ler e escrever.

Em março de 1924, clubes rivais do Vasco romperam com a Liga Metropolitana e se reuniram para a fundação da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA). O Vasco foi convidado a se filiar, mas não participou como clube fundador.

- A Comissão Organizadora exigia uma série de informações e documentos para os clubes. Além do nome completo de cada jogador, era preciso informar onde era o atual local de trabalho do atleta e o local anterior - aponta o documento do Vasco.

A AMEA aceitou a inscrição do Vasco desde que o clube excluísse 12 de seus jogadores, sendo sete da equipe principal e cinco do segundo quadro. Em sua maioria, atletas negros e pertencentes às camadas populares da sociedade. A resolução da entidade colocava o Vasco, atual campeão carioca, em desvantagem em relação aos fundadores da nova liga.

Em 7 de abril de 1924, na secretaria do clube, o presidente vascaíno José Augusto Prestes redigiu e assinou o Ofício n.º 261, a “Resposta Histórica”. O Vasco desistia de fazer parte da AMEA e ficaria com seus jogadores.

"Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Officio No 261
Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle,
D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.
As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.
Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto público que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.
Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever.
De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.
(a) José Augusto Prestes
Presidente"


Na ultima decisão proferida pelos desembargadores do TJRJ, desta-se o seguinte:

"Para contextualizar a total falta de condições de operação do local, partindo da área externa à interna, vêse (sic) que todo o complexo é cercado pela comunidade da barreira do Vasco, de onde houve comumente estampidos de disparos de armas de fogo oriundos do tráfico de drogas lá instalado o que gera clima de insegurança para chegar e sair do estádio. São ruas estreitas, sem área de escape, que sempre ficam lotadas de torcedores se embriagando antes de entrar no estádio".

Pois bem, se não bastasse o racismo sofrido há quase 100 anos, novamente o Clube e, principalmente, seus torcedores voltam a sofrer por um ato discriminatório, pasmem, DA JUSTIÇA! A decisão do tribunal representa o que de pior pode oferecer a justiça. Puro e desnecessário ativismo que bem retrata a insensibilidade de alguns de seus julgadores. Loas à desembargadora Andrea Pacha pelo voto divergente, que soube avaliar a estultice da referida decisão.

Fonte:

www.ge.com/vasco

www.tjrj.jus.br

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Não acho elitismo, mas sim uma decisão idiota. Vão mudar o estádio? Vão remover a comunidade? Sempre esteve ali. Sempre tem tiroteio? Alguém sempre fica ferido? A Mangueira é próxima ao Maracanã, e facilmente um tiro pegaria num torcedor, num transeunte... As pessoas são capazes de decidir onde querem ir. Os magistrados deveriam é colaborar com a polícia, mas não. Adoram soltar um criminoso na audiência de custódia, soltar um traficante junto ao STJ... Deixar de ter torcida não adianta nada. Só é palhaçada. Estão tomando conta da vida alheia. O judicário tá com essa mania agora! continuar lendo