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5 de Maio de 2024

Prefeitura de Itirapina protagoniza atos de xenofobia e discriminação e nega vacina contra Covid 19. Depois, criminaliza vítima.

Apenas o reflexo de uma perseguição política tecida desde tempo atrás.

Publicado por Sandra L. F. Guzman
há 3 anos

De maneira costumeira, os artigos jornalísticos referem-se a situações alheias a quem os descreve; no entanto, as vezes é preciso abdicar a narrativas em terceira pessoa e assumir sem timidez o fio narrativo quando se é protagonista de fatos que devem ser desvendados.

É incontestável que o Brasil atual oferece o espaço fecundo para que prosperem toda sorte de atuações contrárias ao Estado Social e Democrático de Direito que chegam a configurar processos de vitimização contra quem se opõe à opacidade das práticas no contexto da gestão pública e é preciso manter-se íntegros para responder aos desafios destes tempos de escuridão.

A seguinte narrativa corresponde a fatos reais acontecidos com motivo da vacinação contra o Covid 19 na Comarca de São Carlos, São Paulo que me permito referir em primeira pessoa como protagonista.

No ano passado minha família e eu tivemos de encarar a morte de um ente querido como vítima indireta da pandemia, não havendo sido seu atendimento médico aderido aos princípios de diligência, idoneidade e oportunidade por conta, em grande medida, dos planos institucionais de contingenciamento que operaram no país com motivo da crise sanitária em seus inícios.

Desde minha condição de mulher cabeça de família e estrangeira, condição que é uma marca com consequências permanentes em certos âmbitos, decidi não atuar como médica na linha de frente, dados os riscos que assumiria, suscetíveis de irradiar-se a meu círculo familiar com duas pessoas idosas e um jovem asmático, já fragilizados com o recente luto.

Quando abriu o processo de vacinação pedi ao município de residência priorizar minha vacinação uma vez culminada a etapa dos profissionais da linha de frente, no intuito de superar um dos mais relevantes elementos da crise durante a atual pandemia, no meio de um contexto que era suficientemente conhecido pela Prefeitura.

Para os efeitos de alcançar uma visão mais nítida do caso, vale a pena salientar que como resposta às políticas municipais na localidade de residência, nos meses anteriores aos fatos que relatarei, apresentamos uma denúncia perante o MPF para que a Prefeitura aplicasse o plano sanitário traçado pelo Governo do Estado, sendo esta assinada por meu filho, estudante de medicina quem já estava sofrendo pressões por ter recomendado a coordenação de seu curso seguir o princípio de precaução e abster-se de retomar atividades presenciais, pois naquele momento o curso, do qual já se desligou desde há meses, estava tentando responder às demandas de apoio assistencial da prefeitura.

Ao anterior se somou um requerimento apresentado por mim perante o Ministério Público Federal para que o Ministério de Saúde respeitasse a autonomia do ato médico, garantisse a não interferência física de atores particulares nos centros de atendimento, a aplicação de critérios de medicina baseada na evidência na publicação de protocolos terapêuticos, a erradicação de fake news no âmbito da saúde pública e de maneira especial a defesa pela adequada reitoria sanitária no nível federal, naquele momento acéfalo.

Os pedidos rejeitados pelo Ministério Público tinham mais intenção simbólica e de expressão de não conformidade, não sendo realista que as demandas fossem acolhidas, embora sua sustentação e legitimidade, dado o perfil de baixa participação cidadã e a pobre incidência nas dinâmicas sociais de quem é estrangeiro no Brasil.

Já no particular e provavelmente com fios de conexão com as manifestações precedentes, o município de residência negou meu pedido de vacina como profissional da saúde argumentando que mesmo sendo médica teria que esperar que chegasse a vez de minha faixa etária toda vez que não tinha um contrato de trabalho, critério relativista e discriminatório levando em consideração que a prefeitura vacinou pessoas dos mais diversos perfis como treinadores de educação física e outros, cuja profissão não encaixava nos grupos prioritários.

Cabe frisar que a negativa a vacinar-me ia na contramão às recomendações formais do CREMESP de vacinar a todos os médicos sem importar seu vínculo contratual e condição empregatícia.

Desde o raciocínio de que o SUS é nacional e o Programa Nacional de imunizações também é, decidi deslocar-me junto com uma tia idosa a Itirapina, uma pequena cidade de São Paulo com quase 19.000 habitantes segundo projeções do último censo. Para os devidos efeitos, apresentei a documentação exigível conforme o Manual de Vacinação emitido pelo Ministério da Saúde e os próprios quesitos publicados pela Prefeitura de Itirapina no seu site oficial: Isto é, documento de identificação, CRM e cartão do SUS. Dias antes tinha preenchido no aplicativo de Vacivida meus dados pessoais para agilizar o atendimento, mesma conduta assumida com os demais integrantes da minha família. No entanto, ao chegar ao ponto de vacinação de maneira surpreendente me foi exigido comprovante de endereço, tendo respondido que não tinha levado comigo.

A auxiliar de enfermagem revisou meu cadastro SUS e disse que eu aparecia em São Paulo; informei que tinha mudado de moradia recentemente pelo qual não havia atualizado o endereço e de fato ao dia de hoje o endereço cadastrado no SUS ainda segue sendo de São Paulo, capital; aliás, a responsável do ponto de vacinação entrou no aplicativo Vacivida e teve acesso ao único endereço cadastrado que corresponde a meu domicílio.

Quando questionada por que estava indo ao município, me limitei a dizer que estava na área rural (sem precisar detalhes) e que pretendia estabelecer-me lá, consideração que era real, e que em determinado momento projetei pelo tamanho do município e as aparentes condições favoráveis para trabalhar com mais segurança durante a pandemia em função de um número menor de habitantes.

Aquele dia teoricamente fomos vacinadas minha tia e eu, e digo teoricamente porque nunca documentei como foi feito o envasamento do imunobiológico na seringa, sendo que fomos convidadas a ficar fora da sala de vacinas enquanto era preparado o procedimento administrativa e logisticamente.

Dias depois quando se cumpriu o prazo para tomar a segunda dose, era a vez da primeira dose da minha mãe conforme a faixa etária estabelecida no calendário e de meu filho quem conforme critérios técnicos da Fiocruz e orientações do MP do Trabalho teria o direito e o dever de tomar a primeira dose para garantir o cuidado holístico das pessoas idosas que fazem parte do núcleo familiar sob seu cuidado; no entanto, ao chegar ao ponto de vacinação nos foi informado que não seríamos vacinados por não morar no município. A enfermeira coordenadora do grupo não teve vergonha nenhuma em negar a segunda dose a uma idosa e a uma médica devidamente credenciada com CRM, nem a primeira dose a minha mãe e a meu filho.

Inconformada com a decisão e ciente dos níveis heterogêneos de capacitação do pessoal da saúde respeito ao Sistema Único de Saúde que é uma conquista social do povo brasileiro, de maneira respeitosa em todo momento pedi para falar com a Sra. secretária de saúde, com a esperança de encontrar um par técnico capaz de entender a legalidade e legitimidade de minha demanda.

Uma vez atendido meu pedido de interlocução, a secretária de saúde da localidade me atendeu em condições nada cordiais; expliquei a razão pela qual fui a vacinar-me lá, sendo que meus antecedentes profissionais já eram conhecidos pela senhora a quem tinha oferecido via e-mail minhas competências profissionais para atuar no município desde a certeza de que no meu lugar de residência não teria esse espaço por razões óbvias.

Enquanto falava com a funcionária, os demais integrantes do grupo familiar esperavam a resposta de quem se supunha tinha a competência técnica para não cair em qualquer prática irregular; minutos depois chegou a Policia; momentaneamente achei que eles precisavam da secretaria para algum trâmite institucional, mas li na sua linguagem gestual que estavam observando com atenção a conversação entre a funcionária municipal e eu o qual me pareceu muito afortunado pois diante deles a senhora afirmou não importar-se com a situação nossa, nem com as razões que nos levaram a procurar vacina em Itirapina, ao tempo que justificou a negativa de vacina a meu filho, além do critério de domicílio, no conceito do Ministério Público de Itirapina citado por ela, segundo o qual a definição de cuidador de idoso, fica limitada ao âmbito estritamente empregatício, em aberta contradição ao entendimento publicado na diretriz técnica do MP do Trabalho.

Quando foi finalizada a conversação, perguntei aos agentes se precisavam de minha atenção: Eles responderam que tinham sido chamados pelo pessoal da Secretaria para atender uma situação e após conferir meus documentos de identidade, convidaram-me de maneira cordial e respeitosa a reclamar meus direitos junto à Defensoria inexistente no município. O chamado da Polícia por parte da Secretaria de Saúde, foi um ato completamente desnecessário, sendo que não mediou qualquer situação que fizesse supor a demanda de autoridade policial no local como não fosse nossa condição de estrangeiros, pois se tratava de duas idosas que não falam português, um estudante de medicina quem guardou completo silêncio e uma médica que no mais civilizado dos tons, apenas percorreu a argumentos legais para pedir-quase suplicar- que fossem efetivados os direitos do grupo familiar à vacinação.

Vale dizer que todos estávamos munidos com máscara N95, face shield e até propé como medidas de auto proteção e ao mesmo tempo de respeito ao direito à saúde pública.

Já estando em casa, falei por telefone com a diretora de vigilância epidemiológica de meu município de residência, referi o acontecido e afirmei que tinha sido objeto junto com minha família de atos da mais crua xenofobia por conta da perseguição agenciada pela prefeitura que me obrigou a procurar vacina fora do meu local de residência; ainda assim, a funcionária negou a vacina sob o mesmo argumento; tive que invocar a palavra advogado para que aprovasse a vacinação do grupo familiar, exceto de meu filho, cuja autorização delegou no pessoal de enfermagem que negou a aplicação.

Ao chegar ao ponto de vacinação da UBS Santa Paula aconteceu uma situação irregular durante a vacinação de minha mãe que não foi esclarecida, existindo ainda o receio razoável de que sua vacinação durante a primeira dose, tivesse sido fraudada.

Desde nosso dever cidadão, fizemos as denúncias respectivas diante o Ministério Público pelos atos de discriminação e xenofobia das quais fomos objeto por parte dos dois municípios, as quais foram suportadas com um número significativo de documentos entre eles correios eletrônicos e gravação de conversação na qual fui interlocutora. Nos meses sucessivos, cansamos de ler narrativas quase idênticas, através das quais o Ministério Público defendia a lisura da conduta das prefeituras denunciadas atribuindo a inconformidade com o atuado a um "problema na adaptação cultural" de nossa parte, insinuando que o adequado teria sido aceitar, calar e até agradecer a conduta abusiva e abertamente xenófoba da administração.

Não conformados com as agressões praticadas e com a violação a nossos direitos à saúde e por conexidade à vida, o Ministério Público Estadual da Comarca de Itirapina assumindo a representação da Secretaria de Saúde, apresentou denúncia contra mim pelo suposto delito de falsidade ideológica como represália e ao mesmo tempo estratégia justificativa dos crimes de xenofobia e discriminação praticados pela administração.

O MP de Itirapina argumentou que eu tinha oferecido endereço diferente ao próprio para tomar vacina. Cabe dizer que a acusação não tinha qualquer prova porque os únicos suportes objetivos de endereço eram os que se registravam no SUS, domicílio de São Paulo e de Vacivida, domicílio atual registrado no pre- cadastro da vacina .

A Administração de Itirapina, a mesma que adotando uma postura convenientemente relativista minimizou um erro que poderia ter trazido consequências imprevisíveis ao vacinar a mais de vinte crianças com coronavac durante a campanha contra a influenza no momento no qual ainda as vacinas contra Covid 19 não tinham sido testadas nesta faixa etária, afirmou que eu induzi (não sei como) a fazer o registro de um endereço propositalmente errado no documento público (inexistente) para ser vacinada em Itirapina, tirando o direito de qualquer cidadão em abstrato que morasse lá com melhor direito que eu.

Tal afirmação é falsa, já que o Vacivida se atualiza em tempo real, está disponível em qualquer momento no local de vacinação, dele não emana qualquer documento nem público, nem privado nem sequer a caderneta de vacina e o endereço que constava no aplicativo era o meu, não sendo possível que eles imaginassem outro.

Nenhum dispositivo legal estabelece a obrigatoriedade de tomar vacina de maneira excludente no local de residência e de fato quando se produziram os atos de discriminação e xenofobia por parte de Itirapina, na cidade de São Paulo, milhares de pessoas de fora do estado estavam sendo vacinadas com a legítima aprovação do governador conforme consta nas suas declarações à imprensa.

Em síntese, estou sendo processada por conta de uma denúncia inépcia, sem provas e sem suporte no ordenamento jurídico; se eu não apresentei comprovante de endereço verdadeiro nem falso, onde estaria a falsidade?

Desde o ponto de vista legal, eu poderia ter dito que morava em Roraima, em Tocantins, em Rio Grande ou no mato e isto era irrelevante. A obrigação do Estado a vacinar-me estava criada e configurada com o RNE de residente permanente no país e com o CRM do estado de São Paulo que me acredita como médica.

Aliás, não houve fato juridicamente relevante na demanda de vacinação nem prejuízo a terceiros por parte nossa; no entanto, a reclamação legítima da vacina como elemento de merecida relevância na garantia do direito à saúde, se traduziu no fato de que fosse instaurado um processo CRIMINAL contra mim pelo suposto Delito de falsidade ideológica, como um ato mais de xenofobia, perseguição e defesa primitiva de quem em efeito atuou de maneira criminosa ao vulnerar direitos de pessoas alvo de proteção especial.

Seguindo o raciocínio obtuso do ator que age no polo ativo da denúncia temerária , no país residimos um 15% de delinquentes que pulamos de município em município para defender o sagrado direito à saúde, sendo que pelo menos um 15% da população brasileira acatando o caráter nacional do SUS tem percorrido a outros municípios para vacinar-se durante a atual campanha por razões diversas segundo se desprende de dados levantados pela Fiocruz conforme publicado por CNN Brasil no dia 26 de junho do presente ano; mas acredito que em nenhum dos casos há processos de criminalização envolvidos nesta realidade, sendo o meu caso apenas a mais rudimentar expressão de rejeição a quem sendo estrangeiro faz uso de seu direito a pensar e a assumir a responsabilidade de contribuir ativamente à sociedade de acolhida. Isto é apenas censura e restrição à liberdade de expressão vestida com a roupagem da legalidade e da capacidade autoritária do Estado quando se enfraquece a independência de poderes e se produz interferência indevida na Administração de Justiça para neutralizar os abusos de poder.

Infelizmente é preciso reconhecer que no delicado momento que vive o país, a preocupação de um setor da população investido com faculdades circunstanciais e em todo caso transitórias , está orientada a perseguir e não a restabelecer; a desrespeitar e não a construir; a tolerar o que é indefensável desde uma postura irresponsável e permissiva que resulta cada vez mais onerosa em termos econômicos, sociais e de imagem internacional.

Como corolário nesta história desafortunada, a vara judiciária do município que me intimou do processo através de e-mail, percorre a uma estratégia opaca que se lê como armadilha, pois minha defesa diante a denúncia abusiva é interpretada a conveniência como uma auto incriminação, ao ter respondido sem ter sido formalmente notificada por oficial de justiça, sendo que foi a mesma vara a que solicitou autorização para notificar-me via correio eletrônico; como se isto fosse pouco na sequência de violação a nossos direitos, o Sr. Juiz decide manter o processo vivo ainda que sem fundamento argumentando que ainda não há elementos para descartar o mérito para o qual percorre a jurisprudência sem qualquer relação com o caso em tela. O auto no que decide não apreciar o mérito da denúncia até quando seja realizada audiência inquisitorial, invoca em detalhe e sem justificativa, jurisprudência alheia ao caso, parecendo ter o propósito deliberado de manchar meu nome e meu direito à honra induzindo ao leitor desprevenido a impressão de que se trata em efeito de um delito e não do simples ato de vacinação legal e legítimo praticado por uma profissional da saúde estrangeira e residente permanente no Brasil como refugiada política.

O auto ao qual faço referência, não faz qualquer alusão ao novo "Delito" ainda inédito no código penal de ter tomado vacina em município diferente ao de residência, nem ao SUS, nem ao Programa Nacional de Imunizações. No auto de maneira inexplicável o juiz se serve de jurisprudência relacionada com processos de tráfico de armas e drogas, não tendo nenhuma relação com a denúncia que de maneira desacertada e contrária aos princípios que norteiam a ética da magistratura, foi admitida pela vara única do município.

Para finalizar, como resposta a meu pedido de senha para acessar o processo, a vara fornece uma que apenas permite visualizar o que é público, deixando sem acesso outros documentos. Contrariamente ao princípio de transparência e respeito pelo Devido Processo a vara documenta e registra que me tem fornecido uma senha que faz possível meu pleno acesso ao processo.

É deplorável o retrocesso em valores democráticos e a precariedade ética e profissional de quem tolera e aceita uma denúncia inépcia que não é mais que a expressão dos anti-valores do atual estado de deterioro no qual estamos submersos.

Resta apenas defender com espírito republicano este tipo de descasos; de resistir com mesura e civismo e em todo caso de continuar a exercer controle social desde o rigoroso respeito pelo império da Lei e da Justiça.

Sandra Lorena Flórez Guzmán

Médica

CRM SP 198516

Jornalista

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