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4 de Maio de 2024

Professor LFG - Manter casa de prostituição: isso é crime? E os motéis?

há 13 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Áurea Maria Ferraz de Sousa*

Para a Primeira Turma do STF não há que se falar em adequação social do fato de manter casa de prostituição. A posição foi fixada por ocasião do julgamento do HC 104.467.

A questão foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal porque nas instâncias inferiores não houve consenso sobre se o princípio da adequação social faria excluir a tipicidade material do fato de manter casa de prostituição, crime previsto no artigo 229, CP ( Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente ).

Em primeira instância, a 1ª Vara Criminal da Comarca de Tramandaí/RS absolveu os acusados ao fundamento de que casa de prostituição é conduta que vem sendo descriminalizada pela jurisprudência em razão da liberação dos costumes, sendo a conduta atípica . O recurso ministerial também não foi acolhido pelo TJRS, com o mesmo fundamento: APELAÇAO CRIMINAL. MANUTENÇAO DE CASA DE PROSTITUIÇAO. ADEQUAÇAO SOCIAL DO FATO. ATIPICIDADE. APELO [NAO] PROVIDO. ABSOLVIÇAO MANTIDA.

No Tribunal da Cidadania, no entanto, a posição adotada pelo Ministro Haroldo Rodrigues foi no mesmo sentido do Supremo: Esta Corte firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal.

Por unanimidade, a tese da Ministra Cármen Lúcia, que relatou o writ , foi acolhida. Para ela, há precedentes específicos do Supremo Tribunal Federal que reconhecem a tipicidade da conduta de manter casa de prostituição.

A teoria da adequação social, de Hans Welzel, preconiza o raciocínio de acordo com o qual é possível que, ainda que a conduta se adeque ao tipo (formalmente), ela seja considerada atípica quando socialmente adequada, ou seja, se a prática que num primeiro momento é típica, mas está de acordo com a ordem social, ela é em verdade materialmente atípica porque não há lesividade ao bem jurídico protegido.

Hoje a teoria da adequação social de Welzel deve ser enfocada sob a perspectiva (dogmática) da teoria da tipicidade material, que está ancorada, sobretudo, na teoria da imputação objetiva de Roxin. O que é socialmente aceito (amplamente aceito) não geraria risco proibido. Pela teoria do risco proibido o fato amplamente aceito ficaria fora do âmbito material da tipicidade.

Há fatos socialmente aceitos que não geram conflitos (mãe que perfura a orelha da filha, por exemplo). Não há aqui qualquer tipo de conflitividade. O mesmo não ocorre, no entanto, no fato de manutenção de casa de prostituição, onde haja exploração. O novo tipo penal do art. 229 do CP é explícito: só existe o crime de casa de prostituição onde houver exploração (abuso, violência, subjugação etc.). Isso não está claro na ementa do acórdão.

Se, no caso julgado, não houve abuso, violência, imposição, ou seja, exploração, não há que se falar em crime (porque a atividade sexual, por si só, não é crime). Pessoas adultas têm direito de fazer o que bem entendem com seu corpo (desde que façam livremente). Claro que isso pode ser censurado moralmente. Mas moral é moral, Direito é Direito. O que o CP reprime, na atualidade, é a exploração sexual, porque ninguém é obrigado a participar de ato sexual sem sua vontade (livre).

A Ministra Cármen Lúcia (com informações do Conjur) sublinhou que a moralidade sexual e os bons costumes são valores de elevada importância. Na verdade, cada um tem direito de fazer da sua moralidade sexual o que bem entender. Vivemos um Estado laico e secularizado. O Estado não tem que ficar ditando regras para as pessoas adultas, dentro do seu mundo privado. Cada um faz sexo como quiser, desde que livremente e sem ofensa à dignidade. Sem saber detalhes, fica difícil saber se houve ou não exploração sexual. De qualquer modo, é importante sublinhar que essa hoje é a base de distinção do crime de casa de prostituição. É por isso que não devemos punir os donos de motéis (enquanto não haja, dentro deles, exploração de pessoas). O mundo da sexualidade é muito deslizante. Nesta área, confundir direito e moral é muito fácil. Esperamos que não tenha incorrido neste gelático deslize a preclara Ministra Cármen Lúcia.

*LFG Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

*Áurea Maria Ferraz de Sousa Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.

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