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6 de Maio de 2024
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    STF: réu só cumpre pena depois do último recurso

    há 14 anos

    Cumprimento da Constituição ou ampliação da impunidade? Foi esse o principal questionamento depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) assegurou o direito de recorrer em liberdade como a regra no direito penal. A partir de 2009, ficou consolidado na Suprema Corte o entendimento de que um réu condenado só será preso para o cumprimento da pena após o trânsito em julgado da sentença, ou seja, quando forem esgotados todos os recursos possíveis.

    Segundo a maioria dos ministros do STF, a possibilidade de se recorrer em liberdade está expressa na Constituição Federal de 1988 por meio do princípio da presunção da inocência. Segundo o inciso LVII do artigo da Carta Magna, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

    A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário, também garante que toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.

    Isso não significa que a presunção de inocência, garantia para os cidadãos em um Estado democrático de Direito, impeça a prisão provisória ou cautelar de um réu. Para isso, o juiz deve decretar a detenção de forma devidamente fundamentada ou quando houver um fato novo que a justifique.

    O artigo 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que fundamentam a prisão preventiva —os mesmos que permitem a detenção no correr das ações em primeira e em segunda instâncias—: garantir a ordem pública (impedir que o réu continue praticando crimes); conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testumunhas ou destruindo provas) e assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida).

    Para uns, o direito de defesa e as instituições do Judiciário foram reforçadas, com a reafirmação de que os acusados e os responsáveis pela acusação, processo e julgamento devem seguir as regras jurídicas. Além disso, evita-se prisões antecipadas e injustas, de condenações que podem ser revertidas nas instâncias superiores.

    Para outros, porém, a decisão significou um retrocesso por aumentar o sentimento de impunidade e beneficiar condenados com capacidade, especialmente financeira, de prolongar os processos com infinitos recursos nos tribunais superiores. E por, na teoria, ser a senha para uma avalanche de pedidos de habeas corpus —que aumentariam a carga do Judiciário.

    Em meio à polêmica, algumas perguntas ficaram no ar, ainda sem respostas definitivas. A primeira delas é se a jurisdição criminal em resposta aos delitos continuará eficaz, já que é necessário percorrer todas as instâncias do Judiciário para que uma sentença seja cumprida. A segunda é se as decisões de primeira e segunda instâncias têm validade real ou serão apenas “letra morta”. Outra questão é se todas as ações penais terão que ser julgadas pela Suprema Corte.

    A decisão - A decisão, aplicada a um processo específico, se tornou referência para pedidos de habeas corpus e em decisões do próprio Supremo em casos semelhantes.

    O tema foi discutido no habeas corpus de Omar Coelho Vitor contra decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). O réu, condenado por tentativa de homicídio em Minas Gerais, pedia a suspensão da execução de sua pena, ou seja, que ele não fosse preso até esgotarem todos os recursos possíveis contra sua condenação. Por sete votos a quatro, o habeas corpus foi concedido.

    Classificado como histórico por alguns ministros, o julgamento foi marcado por discussões. Joaquim Barbosa afirmou que o Supremo teria que assumir o ônus político da decisão. “Queremos um sistema penal eficiente ou um sistema de faz-de-conta?”, questionou Barbosa, afirmando ainda não existir nenhum país no mundo que ofereça as “imensas e inigualáveis” opções de proteção como o Brasil.

    Para o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, o sistema penal e carcerário vive um "mundo de horrores" que, muitas vezes com a conivência do Judiciário e do Ministério Público, permite atrocidades. Ele citou o caso de um suspeito preso por três anos sem que o MP oferecesse denúncia.

    Carlos Ayres Britto, ao concordar com a concessão do habeas corpus, afirmou que a prisão sem a condenação final causa abalo psíquico, desprestígio familiar e social e desqualificação profissional, danos tão graves quanto irreparáveis.

    "Um homem não pode ser chamado de culpado até a condenação em definitivo. Isso seria uma ofensa às garantias constitucionais. A dignidade da pessoa humana deve ser mantida", complementou Cezar Peluso."Até uma criança é capaz de se rebelar contra uma decisão injusta. Sem juízo definitivo de culpa, uma decisão é tudo, menos legal e justa", disse o vice-presidente do Supremo. Para a maioria dos ministros, a decisão foi fundamental para que não ocorram erros e situações irreversíveis com a conivência do Judiciário.

    A discórdia foi encabeçada pelo ministro Joaquim Barbosa. Para ele, não se deveria fazer “letra morta” das decisões das instâncias ordinárias, sob o risco de que todas as ações penais tenham que ser julgadas pela Suprema Corte. “Adotar a tese de que o réu possa recorrer em liberdade causará um estado de impunidade e aumentará a sobrecarga do Judiciário e do Supremo”, disse o ministro.

    Ele ainda destacou que a decisão do Supremo serviria especialmente para aqueles que dispõem de defensores que tenham como “único objetivo” utilizar o maior número de recursos possíveis, levando casos à prescrição sem que se tenha condenação final.

    Ellen Gracie afirmou que a tese de que só o trânsito em julgado levaria o réu à prisão poderia fazer com que ninguém fosse preso no Brasil.

    Consequências - A polêmica decisão fez com que na sessão da semana seguinte, em 12 de fevereiro, os ministros concedessem mais cinco habeas corpus para condenados em primeira instância.

    Eles beneficiaram um condenado a quatro anos de prisão por tentativa de estupro, dois condenados por apropriação de bens e rendas públicas, um sentenciado a três anos de prisão e o outro a quatro anos, um condenado a quatro anos e seis meses de prisão por estelionato e um comerciante condenado a sete anos e seis meses de reclusão por roubo qualificado.

    Também na semana seguinte, os ministros determinaram que eles poderiam decidir individualmente e em definitivo os habeas corpus que tratem sobre a prisão de um réu condenado em primeira instância que ainda não tenha condenação final. Assim, os ministros não precisam levar os habeas corpus para julgamento no plenário ou nas Turmas.

    Gilmar Mendes informou estar em análise uma proposta de emenda regimental para autorizar que habeas corpus sejam julgados monocraticamente em caso de matéria já pacificada no STF.

    O entendimento do STF foi aplicado a diversos outros casos durante todo o ano, mas a primeira polêmica prisão e posterior liberdade após tal decisão aconteceu no final de março, quando Eliana Tranchesi, dona da butique de luxo paulista Daslu, foi condenada a 94 anos e seis meses de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, descaminho e falsidade ideológica.

    A juíza Maria Izabel do Prado, da 2ª Vara Federal de Guarulhos, levou em conta a decisão do Supremo sobre o direito de recorrer em liberdade, mas afirmou que o caso era diverso. Para a magistrada, os crimes cometidos pelos acusados são de extrema gravidade e atentam “contra a credibilidade das instituições em geral, notadamente do Poder Judiciário”.

    “A perpetração de tais delitos atinge nossa sociedade com reflexos verdadeiramente negativos pela afronta que apresentam aos valores éticos e morais do cidadão comum, propiciando um forte sentimento de impunidade e injustiça”, disse Maria Izabel.

    No entanto, a empresária foi solta após ser beneficiada, um dia depois de sua prisão, por habeas corpus do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ao conceder liberdade para Tranchesi e levando em conta o princípio da presunção da inocência, o ministro Og Fernandes, do STJ, considerou que as prisões cautelares, determinadas sem o trânsito em julgado da sentença são medidas excepcionais que só podem ser mantidas com uma sólida fundamentação.

    O caso mostrou com clareza como as decisões de primeira instância precisarão seguir as delimitações colocadas pelo Supremo: caráter excepcional da prisão —seja processual ou condenatória—, necessidade de pedido específico ao caso concreto e exigência de fundamentação adequada

    Prisões provisórias - Já que os réus são presumidos inocentes, as prisões preventivas deveriam ocorrer em último caso. Mas, segundo dados de 2008 do Infopen (informações penitenciárias) do Ministério da Justiça, 42,9% dos presos no Brasil ainda não foram julgados (ou não foram julgados definitivamente). O Brasil encerrou o ano de 2008 com 446.687 presos. Desses, 254.738 eram condenados definitivos; 191.949 presos eram provisórios.

    Há Estados em que a grande maioria dos presos é provisória: Alagoas (77,1%), Piauí (71,1%) e Maranhão (69,1%) lideram a lista. São Paulo tem 35,1% dos presos sem condenação final.

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