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8 de Maio de 2024
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    STJ reconhece o cabimento de habeas corpus na hipótese de sentença condenatória transitada em julgado, quando da existência de nulidade absoluta

    há 16 anos

    A DECISÃO (fonte: http://www.stj.jus.br )

    STJ CONCEDE LIBERDADE A PECUARISTA IDOSO PRESO IRREGULARMENTE

    O pecuarista Alvino Pedro Leite, de 79 anos, obteve liminar favorável contra sua prisão por crime ambiental. A liminar foi concedida pelo vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Cesar Asfor Rocha, no exercício da Presidência. O ministro entendeu ser "ilegítima" a ordem de prisão contra o idoso e determinou a expedição "com urgência" do alvará de soltura. Alvino Leite está no Presídio de Bataguassu, em Mato Grosso do Sul.

    A liminar foi deferida em habeas-corpus encaminhado pela Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul. Além de acolher o pedido, o ministro Cesar Rocha determinou ao Tribunal de Justiça daquele estado (TJMS) que examine a pena e o regime determinados ao réu, bem como a competência do juízo que proferiu a segunda sentença condenatória.

    Alvino Pedro Leite foi condenado duas vezes pela prática do crime ambiental previsto no artigo 38 da Lei n. 9.605 /98. Ele foi processado porque utilizou áreas das margens da Rodovia MS-395 para pastagem de gado. Mesmo em idade avançada e sendo portador de câncer, Alvino Leite estava cumprindo, em regime semi-aberto, a pena de três anos e meio - tempo definido após a soma das duas sentenças condenatórias.

    Porém, segundo a Defensoria Pública, por causa de problemas relacionados à idade e à saúde debilitada, a partir de janeiro deste ano, ele não se apresentou mais à Delegacia local para pernoitar (como determina o regime semi-aberto) e não justificou sua ausência. Diante disso, o TJMS decidiu a regressão do regime prisional para o "fechado" e o réu foi preso em maio deste ano.

    Prescrição e nulidade

    A Defensoria Pública estadual contestou a prisão. Segundo a defesa, o pecuarista está preso em virtude de um processo prescrito e outro nulo. Portanto ele não poderia estar preso. O pedido de liberdade foi negado nas primeira e segunda instâncias judiciárias. Para o TJMS, a nulidade do segundo processo não poderia ser reconhecida em habeas-corpus porque a sentença condenatória já teria transitado em julgado (quando não cabe mais recurso judicial). Já o Juízo de primeiro grau reconheceu a prescrição do primeiro processo em análise neste mês de julho. Mesmo assim, o réu permaneceu preso.

    Diante das decisões, a Defensoria Pública reiterou o pedido de liberdade ao STJ. Para a defesa, Alvino Leite está preso ilegalmente porque o processo que resultou na primeira condenação está prescrito. Com isso, não poderia haver prisão nesse caso. E a segunda condenação foi proferida em processo nulo - outro motivo que torna ilegítima a ordem.

    Segundo a Defensoria, o processo que resultou na primeira ordem de prisão está prescrito porque o prazo para o Estado (Poder Público) punir o réu venceu antes da determinação da sentença condenatória. A prescrição foi, inclusive, reconhecida pela Justiça, e a pena extinta. Assim, o idoso não pode estar preso por causa da primeira condenação. Além disso, é nulo o processo da segunda sentença. A ação penal foi julgada por Juizado Especial, quando deveria ser analisada pela Justiça comum. A soma das penas superou três anos, o que retira a competência do Juizado para o caso.

    Direito reconhecido

    O ministro Cesar Rocha concluiu que a ordem de prisão contra o pecuarista é ilegítima. "No aludido feito (processo), muito embora tardiamente, fora reconhecida a prescrição da pretensão punitiva retroativa", em razão do tempo transcorrido entre a aceitação da denúncia e a sentença condenatória. Para o vice-presidente, "não há dúvida, portanto, da ilegalidade do título que ampara a segregação (prisão)". Segundo ele, mesmo com a unificação das penas - que ocorreu posteriormente -, a primeira condenação já estava prescrita e não pode retroagir para punir o réu.

    Com relação à segunda sentença condenatória, o ministro Cesar Rocha determinou ao TJMS que examine a pena e o regime estabelecido - fechado -, bem como a competência do Juizado Especial que proferiu a condenação.

    O TJMS havia entendido que essa nova análise não seria possível em habeas-corpus porque o processo já transitou em julgado (quando não cabe mais recurso). No entanto, o ministro Cesar Rocha destacou o entendimento firmado pelo STJ no sentido de ser "possível, em sede de habeas-corpus, o afastamento do trânsito em julgado para verificação de nulidade absoluta", o que é alegado pela Defensoria Pública quanto ao segundo processo.

    Com a decisão da Presidência do STJ, Alvino Leite fica em liberdade e não deverá mais cumprir a condenação da primeira sentença, que está prescrita. A pena resultante da soma das duas condenações e a definição do regime "fechado" deverão ser reavaliadas pelo TJMS, que também deverá analisar se o processo é nulo.

    NOTAS DA REDAÇÃO

    O caso virou notícia dos principais jornais do país. São várias as considerações a serem feitas. Primeiro, a caracterização do crime. Em consonância com a exordial do Ministério Público, o pecuarista Alvino Pedro Leite foi denunciado e condenado pela prática do crime previsto no artigo 38 da Lei 9.605 /98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas a serem impostas em razão de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

    Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

    Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

    Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

    O pecuarista foi denunciado por ter utilizado áreas das margens da Rodovia MS-395 para pastagem de gado.

    Indaga-se: diante das circunstâncias do caso concreto, não seria possível alegar erro de proibição? Para responder à indagação, cumpre-nos analisar o conceito de culpabilidade, posto que, o erro de proibição nada mais é que uma das suas excludentes.

    Culpabilidade é o juízo de reprovação que recai sobre o agente do crime, que poderia motivar-se de acordo com a norma e agiu de forma diversa. Destaca-se que a culpabilidade não integra, de acordo com a doutrina bipartite, o conceito de crime, funcionando como fundamento para a aplicação da pena.

    Esse juízo de reprovação se forma da conjunção de elementos, como a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Quando um desses componentes não estiver presente, fica excluída a culpabilidade. Em outras palavras, a conduta não será considerada reprovável.

    O erro de proibição funciona como eximente de culpabilidade.

    Vejamos.

    Ao tratar do tema, o CP (Código Penal) estabelece que "o desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço".

    Assim, o erro de proibição se caracteriza quando o agente supõe lícito o que, na verdade, é proibido. Assim, o agente sabe o que faz, mas acredita que está agindo licitamente.

    Na situação em comento, o réu é um pecuarista, na zona rural do Mato Grosso do Sul. Questiona-se: não seria possível afirmar que ele, quando da prática da conduta, não tinha ciência da sua ilicitude?

    Numa primeira análise pode parecer que sim. Mas, ao nos aprofundarmos um pouco mais no caso, notamos que, a primeira atitude tomada pelo representante do Ministério Público, antes de dar início ao processo, foi comunicar o pecuarista da proibição existente. Note-se que ele somente foi denunciado com a reiteração do seu comportamento, quando já possuía ciência da sua ilicitude, o que evidencia a impossibilidade de se excluir a culpabilidade por erro de proibição.

    O segundo ponto a ser analisado é o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa.

    O CP , em seu artigo 110 , estabelece que:

    Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

    § 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regulasse pela pena aplicada.

    § 2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.

    É o § 2º que cuida da prescrição retroativa. Trata-se de espécie de prescrição da pretensão punitiva, de forma que uma vez reconhecida, faz com que desapareça para o Estado, o seu direito de punir e, consequentemente, no caso de eventual sentença penal condenatória, essa será rescindida, não produzindo qualquer efeito, tanto no âmbito penal como na esfera civil.

    Vale lembrar que, muito embora seja modalidade de prescrição da pretensão punitiva, a prescrição retroativa toma por base a pena concreta estabelecida pelo juiz, desde que já tenha havido trânsito em julgado da sentença para a acusação.

    A principal diferença quanto às demais formas de prescrição está no seu cômputo, vez que nela, considera-se os prazos anteriores à própria sentença (entre a data do fato e o recebimento da denúncia; entre esse ato e a sentença). Assim, havendo formação da coisa julgada para a acusação, com base na pena em concreto, verifica-se o decurso do tempo no passado.

    Foi exatamente o que aconteceu no caso objeto do nosso estudo, em que o STJ, em razão do reconhecimento da prescrição retroativa, rescindiu a primeira condenação imposta ao pecuarista.

    Por fim, a o cabimento do HC (habeas corpus), em caso de nulidade absoluta. De acordo com a decisão, e, com a jurisprudência pacífica dos nossos tribunais, o habeas corpus é perfeitamente cabível quando se tratar de vício que acarrete a nulidade absoluta do processo já encerrado, com trânsito em julgado.

    Há na doutrina quem defenda a impossibilidade de se impetrar o mandamus em tais situações, em razão da existência de trânsito em julgado, o que imporia ao réu, a necessidade de se valer da ação rescisória.

    No entanto, trata-se de entendimento minoritário, vencido pela maioria da doutrina e dos tribunais pátrios. Tanto o STF quanto o STJ entendem que, diante de erro que invalide absolutamente o processo, impõe-se o cabimento do habeas corpus, em razão, principalmente, da sua celeridade.

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