Súmula 442 do STJ: flagrante violação ao princípio da proporcionalidade
LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br. Pesquisadora: Christiane de O. Parisi Infante.
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Súmula 442 do STJ: flagrante violação ao princípio da proporcionalidade. Disponível em http://www.lfg.com.br - 27 maio 2010.
Os ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovaram a Súmula n. 442 que consagrou o seguinte entendimento: "É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo".
A nova Súmula se baseia em diversos precedentes da Quinta e da Sexta Turmas.
Rogério Sanches Cunha[1] destaca que: "questão interessante surge quando se observa a desproporcionalidade criada pelo legislador ao qualificar a pena do crime de furto, no caso de concurso de agentes, de forma mais drástica do que a do roubo, em idêntica situação fática".
O citado autor recorda que alguns, por questão de equidade, desconsideram a qualificadora do furto, aplicando ao caso o patamar de aumento previsto no roubo, o que não tem sido aceito pelos Tribunais.
Tratando das qualificadoras do furto Guilherme de Souza Nucci[2] leciona:
d) praticar o furto em concurso de duas ou mais pessoas (4.º, inciso IV): quando mais de um agente se reúne para a prática do crime de furto é natural que se torne mais acessível a concretização do delito. Por isso, configura-se a qualificadora.
O tema foi discutido pela Sexta Turma do STJ no Recurso Especial n. 730.352 , no julgamento realizado em setembro de 2009: "A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe parcial provimento nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora."
Do voto da relatora destacamos:
De fato, só seria possível a aplicação analógica, na espécie, da norma do art. 157, 2º, II, que trata da causa de aumento da pena do crime de roubo em razão do concurso de pessoas, ao crime de furto qualificado pelo concurso de pessoas (CP, art. 155, 4º, IV), se não houvesse a previsão do preceito secundário na norma incriminadora. (...)
Ao contrário, como visto, a conduta praticada pelo agente encontra tipificação no Código Penal, o que não justifica a utilização de meios diversos daqueles estabelecidos na lei, sob pena, inclusive, de se estar decidindo em desacordo com a norma incriminadora, criando, inclusive, indesejada desigualdade com as demais causas de qualificação do delito em exame.
No mesmo sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF).
O tema foi discutido pela Primeira Turma no Habeas Corpus n. 95.398-1 . No julgamento realizado em agosto de 2009 os Ministros acordaram: "por maioria de votos, em indeferir o pedido de habeas corpus , nos termos do voto da Relatora".
Do voto da relatora, Ministra Cármen Lúcia, transcrevemos: "o Supremo Tribunal Federal decidiu não ser possível ao julgador, por analogia, estabelecer sanção que não esteja prevista em lei, mesmo que em benefício do réu, devendo ser aplicado o tipo específico do art. 155, 4º, inc. IV, do Código Penal (...)".
Vale citar o HC n. 92.926-5 . Do voto da relatora, Ministra Ellen Gracie, ressaltamos:
Os tipos penais referentes aos crimes de furto e roubo recebem tratamento diferenciado, iniciando-se pelos limites mínimo e máximo relativos às penas-base. Por opção legal (critério de política legislativa), considerou-se necessário estabelecer diferentes fatores de aumento das penas.
Entre os argumentos em defesa de sua tese a relatora citou: (a) não há lacuna a respeito do quantum de aumento da pena no crime de furto qualificado, o que inviabiliza o emprego da analogia; (b) há norma legal que estabelece o quantum de aumento da pena em razão da prática do crime de furto com qualificadora, portanto, deve ser observado o princípio da legalidade.
Em todos os julgados citados (assim como na Súmula 442 do STJ) brilhou, pela ausência, o princípio da proporcionalidade. Há algumas balizas punitivas nas leis brasileiras muito chocantes. Verdadeiras arbitrariedades. Um exemplo disso é o que está sendo discutido aqui: a mesma majorante (concurso de pessoas) valorada de forma distinta, conforme o delito seja o de furto ou o de roubo. Aliás, no roubo referida majorante só permite o aumento de 1/3 a . No furto o aumento é de do dobro. Total desproporcionalidade, sem nenhuma justificativa razoável (para a diferenciação). Ou seja: é mais do que evidente que deve ter incidência o princípio constitucional da proporcionalidade, cabendo ao julgador fazer o ajuste de pena necessário, sem inventar pena. O ajuste, no caso, é simples: é aplicar ao furto o mesmo quantum agravador do roubo (1/3 até 1/2).
As três Ministras citadas, com visão puramente legalista, não conseguiram superar "o leito de Procusto" (dado pela lei). Não transcenderam os bizarros (neste caso) trilhos do provecto legalismo da Revolução francesa. Faltou nos seus votos o "diálogo das fontes" (Erik Jayme, Mazzuoli etc.), que sabiamente foi feito pelo Min. Celso de Mello, no HC 92.525-RJ, onde foi reconhecida a inconstitucionalidade da pena da receptação agravada do 1º do art. 180, valendo a pena do do mesmo artigo.caput O que o juiz não pode é inventar uma pena. Mas reconhecer a inconstitucionalidade da pena desproporcional não há que se discutir. Fez isso muito bem o Min. Celso de Mello. Não fizeram isso as Ministras citadas. Faltou-lhes conjugar o legalismo com o constitucionalismo. O mal do estreito legalismo (que vem do século XIX e que ainda continua sendo ensinado no Brasil) é a quantidade de oportunidades perdidas que ele gera (para se buscar o valor justiça). Quantas vezes não vemos acontecer o milagre da sua superação, que pode acontecer pela via do diálogo das fontes!
[1] CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal: parte especial. v. 3. São Paulo: RT, 2008, p. 126.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito penal: parte geral: parte especial. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT, 2009, p. 701. STJ, REsp 730.352/RS, Sexta Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 29.09.2009, DJ 19.10.2009. STF, HC 95.398-1/RS, Primeira Turma, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 04.08.2009, D
BIBLIOGRAFIA
CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal: parte especial . v. 3. São Paulo: RT, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito penal: parte geral: parte especial . 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT, 2009
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