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16 de Junho de 2024

TJRJ “supera” a polêmica Súmula 70 e mantém absolvição de homem em processo cujas provas eram somente as palavras dos policiais.

Publicado por Hebert Freitas
há 4 anos

1) Entendendo o caso

A Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a decisão do juízo de piso que absolveu homem acusado por associação para o tráfico, receptação e corrupção ativa.

Os policiais responsáveis pela suposta abordagem afirmaram, em suma, que receberam uma denúncia anônima, que relatava, em tese, o paradeiro de um suposto indivíduo que ostentava a característica de ser “gerente do tráfico local”, e que este estava sob a posse de materiais provenientes de roubo de carga.

Igualmente, após abordagem bem sucedida, o recorrido ainda teria oferecido a quantia de 10.000 (dez mil) reais para livrar-se das imputações, quantia essa prontamente negada pelos agentes, o que tornava patente a existência do crime de corrupção ativa.

Por fim, teria sido arrecado na residência do apelado muitas blusas e sapatos femininos.

2) Decisão do Tribunal.

De início, o Relator da matéria, Des. João Ziraldo Maia, ressaltou que em processos em que a prova se limita aos depoimentos prestados por policiais militares, há de analisar a existência, ou não, de harmonia e consonância dos relatos com a dinâmica verificada, o que, segundo o Relator, até existia.

O grande problema, segundo João Ziraldo, foi o trabalho da Polícia Civil a partir do flagrante, que teria sido “totalmente insatisfatório”, pelo que não restou comprovada a atuação criminosa.

Quanto ao crime de receptação, o Des. absolveu o recorrido. Vejamos a transcrição do trecho:

Em relação à receptação, cuida-se de delito para cuja configuração exige-se, primordialmente, a comprovação da origem ilícita do bem, além da ciência, pelo agente, quanto a essa circunstância, tratando-se, por isso, de crime complexo, e a pretérita situação, qual seja, de que os bens encontrados na posse do flagranciado eram produto de crime, não restou amplamente comprovada, já que tais “materiais”, superficialmente descritos nos autos de apreensão de fls. 19, sequer foram encaminhados para perícia.
Aliás, consoante o trabalho feito em delegacia (e-doc 000023), cuidava-se de “0 Unidade (s) SAPATOS DIVERSOS MODELO FEMININO; 0 Unidade (s) BLUSAS DIVERSAS FEMININAS; 0 Unidades LENÇOIS DIVERSOS; 0 Unidades (s) TOALHAS; 0 Unidade (s) ROUPAS INFANTIS”,ou seja, não se tem certeza nem em relação à quantidade e marcas e nem mesmo se eram produtos novos, não parecendo a vaga narrativa dos policiais especificamente neste aspecto suficiente a comprovação da materialidade ou mesmo a autoria delitivas.

A ocorrência do crime de associação para o tráfico também foi completamente rechaçada, ainda que o apelado tivesse sido apontado anonimamente como gerente do tráfico local e que um rádio transmissor houvesse sido arrecado. Segundo o Desembargador do TJRJ, ambas as situações comprovadas a partir da narrativa dos policiais militares, não podem embasar um decreto condenatório, até porque não há certeza de que estava ligado e na frequência do tráfico.

O Relator ainda fez menção à dúvida relacionada à existência de materialidade, criticando, inclusive, o trabalho do perito do caso, ao ressaltar que este sequer atestou o pleno funcionamento do rádio.

Por fim, o que chama mais a atenção na brilhante decisão proveniente do Tribunal fluminense é o penúltimo parágrafo. Forçosa, portanto, a transcrição literal do trecho. In verbis.

É de bom alvitre registar haver, sim, fortes indícios da prática de todos os crimes narrados na denúncia, mas, repita-se, fortes indícios não se mostram suficientes à prolação de um decreto condenatório, como pretende o Parquet. Caberia a autoridade policial promover a correta discriminação dos bens arrecadados na residência do recorrido, encaminhá-los à perícia, e também diligenciar sobre seu apontado envolvimento com a traficância local. Não o fazendo, há de ser respeitado o in dubio pro reo.

Ementa:

EMENTA. APELAÇÃO. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. RECEPTAÇÃO. CORRUPÇÃO ATIVA. ABSOLVIÇÃO. INSURGÊNCIA MINISTERIAL QUE NÃO MERECE. ACOLHIDA. IN DUBIO PRO REO. 1. Em casos como o presente, em que a prova se limita aos depoimentos prestados pelos policiais militares responsáveis pelo flagrante, o que deve ser analisado é seu conteúdo, se são harmoniosos e se estão em consonância não só com a primeira narrativa, feita em sede policial, mas também entre si e com o restante do conjunto probatório e, na hipótese vertente, as versões são uníssonas, mas entendo que o trabalho efetuado pela Polícia Civil a partir do flagrante foi totalmente insatisfatório, pelo que não restou comprovado à saciedade o criminoso atuar do réu. É de bom alvitre registar haver, sim, fortes indícios da prática de todos os crimes narrados na denúncia, mas fortes indícios não se mostram suficientes à prolação de um decreto condenatório, como pretende o Parquet. Caberia a autoridade policial promover a correta discriminaçãodos bens arrecadados na residência do recorrido, encaminhá-los à perícia, e também diligenciar sobre seu apontado envolvimento com a traficância local. Não o fazendo, há de ser respeitado o in dubio pro reo. É fato que a palavra dos policiais, especialmente em casos como o presente, posto harmônica, de per si, é motivo suficiente para embasar um decreto condenatório em relação ao crime de corrupção ativa, mas o que se verifica é que não tendo restado comprovados os crimes de receptação ou mesmo de associação para o tráfico, não se vê razão para que fosse.

Apelação Criminal n.º 0071810-23.2017.8.19.0038

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2 Comentários

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Maico Volkmer
4 anos atrás

In dubio pro reo aplicado ao caso concreto. O pior é que a gente nunca vai saber se "salvamos um inocente" ou "demos liberdade a um criminoso", mas isso é parte do jogo. Se os órgãos de segurança tivessem agido com mais empenho, teríamos, talvez, um desfecho diferente. continuar lendo

Hebert Freitas PRO
4 anos atrás

Comentário cirúrgico, Maico. continuar lendo