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4 de Maio de 2024

TJSP julgará constitucionalidade de lei que retirou qualificação em roubos com faca

Publicado por Diego Soares
há 6 anos

Editada no final de abril, a Lei nº 13.654/2018, que revogou a majoração da pena para casos de roubo com o uso das chamadas armas brancas, como facas, martelos ou canivetes, terá a sua constitucionalidade analisada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O debate será tratado em uma arguição de inconstitucionalidade, suscitada por um desembargador da Corte que alegou que irregularidades durante a tramitação da norma no Legislativo geraram a inconstitucionalidade da lei.

O resultado da análise, que deverá ser feita pelo Órgão Especial do tribunal, não terá efeito vinculante mas poderá influenciar a decisão dos desembargadores em outros milhares de casos em tramitação. A suposta irregularidade já vem sendo apontada por outros operadores do Direito, e em pelo menos um caso em São Paulo um juiz afastou a aplicação da Lei 13.654, entendendo ser possível a majoração da pena em caso de roubo cometido com arma branca.

A discussão veio à tona após o desembargador Edison Brandão, da da 4ª Câmara Criminal do TJSP, considerar inconstitucional trecho da Lei nº 13.654/2018 que revogou a majoração da pena para casos de roubo em que o acusado usa arma branca. A decisão foi dada em um caso envolvendo um homem condenado em 1ª instância a 1 ano e 4 meses de prisão em regime aberto, além do pagamento de multa, pela prática de roubo com o uso de faca. Após a remessa dos autos ao TJSP, o magistrado retirou o caso de pauta pela entrada em vigor da Lei nº 13.654, que seria benéfica ao réu.

Editada após a condenação em primeiro grau, a norma foi considerada inconstitucional por Brandão, que remeteu o assunto ao Órgão Especial do TJSP. A instância reúne os desembargadores mais antigos do tribunal.

A lei, de 23 de abril deste ano, aumentou a qualificação de um terço para dois terços da punição quando o réu ameaça a vítima com armas de fogo para roubá-la. Além disso, revogou o inciso primeiro do parágrafo segundo do artigo 157 do Código Penal, que determinava a majoração de um terço até metade se o acusado rouba com emprego de “armas”, de forma genérica. Apesar dessa revogação, a lei não definiu uma nova hipótese de qualificação específica para o uso de armas que não sejam de fogo nem explosivos.

O desembargador alegou que houve problemas na tramitação da proposta no Congresso, o que configuraria a inconstitucionalidade formal da lei. Porém, em nota, a Secretaria-Geral da Mesa do Senado informou que esta mudança no Código Penal estava presente desde a proposição do projeto de lei e sua supressão não foi proposta por nenhum senador, de forma que o processo legislativo teria sido respeitado. Ainda, o Senado afirmou que esclarecerá a questão ao Ministério Público e ao TJSP.

“O Senado Federal tomou conhecimento do entendimento equivocado que foi levado ao Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, entendimento esse que o levou a requerer a presente declaração de inconstitucionalidade, e informa que tomará as medidas a seu alcance para, respeitando as independências dos Poderes, levar ao conhecimento do Ministério Público e do Tribunal de Justiça de São Paulo os elementos necessários para esclarecer a questão”, lê-se na nota.

Advogados consultados pelo JOTA afirmaram que, na redação da lei sancionada pelo presidente Michel Temer, exceto se o Judiciário a considerar inconstitucional, fica extinta a qualificação das penas pelo uso de armas brancas. Ainda segundo os advogados, a interpretação mais benéfica da lei poderá ser aplicada de forma retroativa aos acusados que estão sendo processados e aos já foram presos e condenados, caso haja pedido expresso por parte de seus defensores e o pleito seja aceito pela Justiça.

Ou seja, na prática, os réus que tiveram punições majoradas por empregarem armas que não sejam de fogo ou explosivos podem requerer a redução da pena, mesmo que as condenações tenham transitado em julgado. Além disso, segundo os advogados, nos próximos julgamentos o Judiciário não teria base legal para aumentar a pena devido ao uso de armas brancas, e o crime se enquadraria como roubo comum.

Segundo o mais recente Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias(Infopen), havia 726.712 pessoas privadas de liberdade no Brasil em junho de 2016. Do total, cerca de 14% foram condenadas ou aguardam julgamento pelo crime de roubo qualificado. As estatísticas não diferenciam se o aumento de pena ocorreu por uso de arma branca, explosivo ou arma de fogo, por exemplo. Contando sentenças majoradas ou simples, os crimes de roubo ou furto são atribuídos a 37% dos presos.

Problemas na tramitação

O desembargador Edison Brandão entendeu que houve um vício formal na tramitação da proposta legislativa no Congresso Nacional, o que tornaria a Lei nº 13.654/2018 inconstitucional. Segundo o magistrado, a revogação teria sido acrescentada ao Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 149/2015 pela Coordenação de Redação Legislativa (Corele), sem apreciação da mudança por parte do Senado.

Na visão de Brandão, ainda que o texto tenha sido aprovado pela Câmara e sancionado pelo presidente Michel Temer, o processo legislativo teria sido comprometido pela atuação da Corele além de sua competência de sugerir adaptações técnicas. “Tal defeito no processo legislativo se erige, naquele momento, em nulidade absoluta e, pelo óbvio, nada que depois ocorra pode convalescê-lo”, lê-se na decisão.

“Nada mais lógico, e coerente inclusive, com o momento em que o país vive, que o inciso primeiro do parágrafo segundo do artigo 157 do Código Penal continue a ter vigência, sendo absurda a liberação do uso de arma branca no país em que mais se mata com qualquer tipo de arma, em todo o mundo”, complementou o magistrado.

O JOTA questionou ao Senado se a suposta falha ocorreu na tramitação do PLS. Em nota, a Secretaria-Geral da Mesa informou que a revogação do inciso do Código Penal estava presente desde a apresentação do PLS pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), e foi votada tanto pelo Senado quanto pela Câmara. Desde a redação original de Alencar, o PLS aumentava a pena para crime de roubo praticado com arma de fogo ou explosivo e, ao mesmo tempo, revogava o inciso mais genérico que qualificava a pena se houvesse emprego de “armas”.

Segundo o Senado, a única emenda acolhida no projeto foi apresentada pela Senadora Simone Tebet (PMDB-MS), com sugestões adicionais ao texto, sem nenhuma redução à proposta original. A seguir, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o projeto sem interposição de recurso ao plenário. De acordo com a Mesa, na revisão do texto final pela Corele, a equipe apenas somou o texto inicial de Alencar à emenda de Tebet, ambos aprovados pelos senadores na CCJ.

A seguir, a Câmara aprovou um texto substitutivo que mantinha a revogação ao inciso do Código Penal. O substitutivo também foi aprovado na íntegra pelo Senado e posteriormente sancionado pelo presidente Michel Temer. “Portanto, a revogação em questão sempre constou do projeto, desde o início, e em nenhum momento foi proposta ou votada a sua supressão”, explicou a Secretaria-Geral da Mesa.

O Senado afirmou que levará as informações tanto ao Ministério Público quanto ao TJSP, e tomará “as medidas a seu alcance” para esclarecer a questão, respeitando a independência dos três Poderes. O JOTA solicitou uma entrevista sobre o tema ao Ministério Público de São Paulo, que não se manifestou até a conclusão da reportagem.

Decisão do TJSP

De acordo com a assessoria de imprensa do TJSP, o Órgão Especial só tem competência para apreciar a constitucionaildade de uma lei federal na aplicação a casos específicos, como a apelação criminal analisada por Brandão. A próxima reunião do colegiado, que reúne os 25 desembargadores mais antigos do tribunal, está agendada para esta quarta-feira (16/5). O regimento interno do tribunal não obriga os magistrados a apreciarem a questão imediatamente e, em geral, a inclusão de processos em pauta ocorre por ordem de chegada.

Mesmo antes da apreciação pelo Órgão Especial, magistrados da primeira instância aplicaram entendimento semelhante a outros julgamentos. Por exemplo, o juiz Guilherme Lopes Alves Lamas, da 2ª Vara de São Pedro (SP), reconheceu incidentalmente a inconstitucionalidade formal da Lei nº 13.654/2018 ao apreciar uma acusação de roubo com uso de faca. “Uma vez que foi na Comissão de Redação Legislativa (Corele) onde se decidiu pela revogação do inciso primeiro do parágrafo segundo, sem que houvesse, sobre a matéria, deliberação dos congressistas”, lê-se a justificativa na decisão.

O advogado criminalista Adib Abdouni argumentou que instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) podem propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para levar a controvérsia ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Se entenderem que os parlamentares votaram isso sem haver a falha no processo legislativo, ainda haveria uma discussão com relação a isso. Revogar e não deixar claro como fica, suprimir uma qualificadora importantíssima sem colocar uma nova, tem possibilidade de discussão provavelmente no STF”, argumentou Abdouni.

Já o ex-secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, que também foi conselheiro do Conselho Penitenciário Nacional, Gabriel Sampaio, avaliou que o argumento de fraude no processo legislativo dificilmente seria acolhido pelo Judiciário. Ao analisar a tramitação do PLS nº 149/2015, Sampaio entendeu que tanto a Câmara quanto o Senado apreciaram o texto, e os senadores tiveram oportunidades de questionar a revogação caso entendessem, por exemplo, que houve erro por parte da Corele.

Além disso, Sampaio ressalta que os acusados de roubo com uso de facas que tiveram as penas majoradas ou estão sendo processados por conta disso devem pedir a redução da punição no Judiciário. “Essas pessoas teriam que ser beneficiadas pelo novo texto, porque deixou de ser uma circunstância que aumenta a pena o fato de usar arma branca. A importância disso é que você pode ter mudanças substanciais em quantidade de pena, mudanças de regime prisional, é uma reação em cadeia que ocorre por conta disso”, esclareceu.

Ainda, um interlocutor disse ao JOTA que a controvérsia se resumiria a uma questão de fato e os magistrados teriam resistência em aceitar leis mais benéficas para os acusados. “Esse tipo de interpretação nos faz acreditar que existe de fato um viés na leitura da produção legislativa por parte do Judiciário”, ponderou.

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