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    TPI: Normas Internacionais Centrífugas (Supraconstitucionais?)

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br) Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

    VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI Doutor summa cum laude em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS. Mestre em Direito Internacional pela UNESP, campus de Franca. Professor Adjunto de Direito Internacional Público na Faculdade de Direito da UFMT.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. TPI: Normas Internacionais Centrífugas (Supraconstitucionais?). Disponível em http://www.lfg.com.br - 21 agosto de 2009.

    Na Petição 4.625/República do Sudão, protocolada junto ao STF, é bem provável que esta Corte venha a discutir o valor das normas internacionais do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional. Este Tribunal decretou a prisão do Presidente em exercício do Sudão e, agora, acaba de pedir ao Governo brasileiro que (na eventualidade de que ele ingresse no território brasileiro) cumpra a ordem de prisão, entregando-o, em seguida, ao referido Tribunal.

    O Min. Celso de Mello, em longo despacho (proferido no dia 17.07.09), apenas colocou inúmeras questões relacionadas com o tema do valor das normas do Estatuto de Roma no direito interno. Depois do Parecer do PGR caberá ao STF decidir uma série de questões, destacando-se, dentre elas, se ele é competente para decidir o assunto.

    Incontáveis regras do TPI conflitam com o direito interno. Dentre outras, como enfatizaram MARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI, MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA e CLEUNICE VALENTIM BASTOS PITOMBO ( Anotações sobre o Seminário Internacional: a implementação do Estatuto de Roma no direito interno e outras questões de direito penal internacional , in Boletim IBCCRIM, Ano 12, nº 139/2-3, jun/2004), cabe sublinhar as seguintes: i) as exceções ao princípio da coisa julgada; ii) a desconsideração das imunidades e prerrogativas previstas pelo direito interno; iii) a imprescritibilidade dos crimes internacionais; iv) a possibilidade de entrega de nacionais para julgamento perante o Tribunal Penal Internacional; v) a previsão de prisão perpétua; vi) a ausência de fixação de sanções penais para os crimes internacionais.

    A distinção central que cremos pertinente fazer doravante é a seguinte: de um lado acham-se os tratados de direitos humanos (ou normas dessa natureza) centrífugos ; de outro estão os tratados de direitos humanos centrípetos . Os primeiros (centrífugos) naturalmente possuem natureza supraconstitucional; os segundos, em regra não, excepcionalmente sim (como veremos em seguida).

    Tratados internacionais centrífugos: os primeiros (tratados ou normas de direitos humanos centrífugos) são os que regem as relações jurídicas dos Estados ou dos indivíduos com a chamada jurisdição global (Justiça global). Estão sendo nominados por nós de centrífugos exatamente porque são tratados que saem (ou fogem) do centro , ou seja, da jurisdição comum, normal. Eles retiram o sujeito ou o Estado (e a relação jurídica subjacente) do seu centro, isto é, do seu território ou mesmo da sua região planetária. São tratados que regulam situações ou relações que fogem dos limites da jurisdição doméstica ou regional. Tratados ou normas centrífugos são os que conduzem o Estado ou o sujeito (assim como a relação jurídica subjacente) a um órgão jurisdicional global (não estamos falando dos órgãos regionais: Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Corte Interamericana etc., mas sim repita-se de um organismo com atuação global ).

    Nesse patamar jurisdicional global contamos com vários órgãos supranacionais relevantes, destacando-se especialmente a Corte Internacional de Justiça (da ONU, reinstituída em 1945), o Tribunal Penal Internacional (criado pelo Estatuto de Roma de 1998 e que entrou em vigor em julho de 2002) e os Tribunais ad hoc das Nações Unidas (Tribunal para a ex-Iuguslávia, para Ruanda, para Serra Leoa, para Camboja etc.).

    Esses tratados ou normas (centrífugos) naturalmente possuem o status supraconstitucional, precisamente porque regem relações do Estado ou do indivíduo com os órgãos da Justiça global. Exemplo marcante: Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional.

    Para nós, esse tratado é centrífugo e conta com natureza supraconstitucional (ou seja: está acima das Constituições dos Estados subscritores do seu conteúdo). Partindo-se dessa ideia, vê-se que não há que se falar em conflito entre tal tratado e a constituição brasileira. Não importa se o tratado de Roma é benéfico ou maléfico (frente à Constituição brasileira). Fundamental é o seguinte: os objetos regidos por eles são distintos. O Tratado de Roma rege as relações supranacionais do indivíduo ou do Estado (relações com o TPI). A Constituição rege as relações internas (domésticas) do indivíduo e do próprio Estado. Quando os objetos são distintos, cada área tem seu conjunto normativo específico. Vigora o princípio da esfera reservada de competência. No plano das relações supranacionais, valem as regras específicas desse setor (Tratado de Roma, Carta da ONU etc.).

    Não seria possível (e tampouco jurídico) entender que um instrumento internacional como o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional, devesse se submeter às regras constitucionais dos seus respectivos Estados-partes. Quando um Estado assume compromissos mútuos em convenções internacionais de caráter centrífugo ele auto-restringe sua soberania em prol da proteção da humanidade como um todo (essa ideia tem fundamento jurídico no art. 27 da Convenção de Viena). Esse interesse global é sempre supraconstitucional (por natureza) por compor-se de valores que não se submetem a qualquer ato estatal. Aliás, no momento em que um Estado subscreve um tratado desse tipo, está abrindo mão de sua soberania.

    Tratados centrípetos: os tratados ou normas de direitos humanos centrípetos são os que cuidam das relações do indivíduo ou do Estado no plano doméstico (interno) ou regional. Não retiram o indivíduo ou o Estado do seu centro (do seu território ou da sua região planetária, dos seus limites jurisdicionais: região interamericana, v.g.). A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, v.g., conta com essa natureza. Ela está voltada para o plano interno (doméstico) ou, no máximo, para a respectiva região planetária (sistema interamericano de direitos humanos).

    Em regra, os tratados e normas centrípetos não possuem valor supraconstitucional. São normas de status constitucional (tese do Min. Celso de Mello, Valério Mazzuoli etc.) ou supralegal (tese do Min. Gilmar Mendes etc., que foi vencedora no RE 466.343-SP).

    O que importa notar, no que tange aos tratados centrípetos, é que eles se voltam à proteção do indivíduo dentro do próprio Estado ou, em última análise, dentro da própria região geográfica onde esse Estado se localiza (a região interamericana, v.g.). Por acrescentarem ao plano do direito interno vários direitos, muitas vezes, não consagrados pelas Constituições nacionais, tais tratados centrípetos não podem jamais ser equiparados à legislação ordinária. Quer se adote uma tese (a do Min. Celso de Mello) ou outra (a do Min. Gilmar Mendes), quer se considere o que consta do art. , , da CF, o que realmente importa é que tais tratados (sobre direitos humanos) valem mais do que a lei, e as normas de direito interno que violem qualquer dos seus dispositivos são inválidas (não obstante poderem ser vigentes, porque eventualmente de acordo com a Constituição).

    Exceção importantíssima: a exceção a essa regra dos tratados centrípetos reside na norma internacional de direitos humanos mais favorável (ou mais protetora ) ao gozo das liberdades e que conflita com aConstituiçãoo de um determinado Estado (esse é o caso da prisão civil do depositário infiel). A norma internacional (Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 7º, 7), é mais favorável que as normas internas brasileiras, sejam legais, sejam constitucionais. Por força do princípio pro homine em matéria de direitos humanos sempre se aplica a norma mais favorável (ao ser humano).

    Nesse caso, essa norma (mais favorável) passa a ter caráter supraconstitucional por ser mais benéfica (mais protetora) ao ser humano. Isso se dá por força do princípio internacional pro homine (que manda incidir em matéria de direitos humanos a norma mais favorável ao ser humano). Os objetos (da Constituição e da Convenção Americana) são idênticos: elas existem para reger as relações do Estado e dos indivíduos no plano interno do país (no plano doméstico) ou no plano regional. Quando os objetos são idênticos, em matéria de direitos humanos, os princípios regentes (dos conflitos de normas) não são os tradicionais (hierarquia, posterioridade e especialidade), sim, os específicos dessa área: ( a ) vedação de retrocesso e ( b ) princípio internacional pro homine .

    Para nós, os métodos tradicionais de solução de antinomias encontram-se superados quando em jogo matéria afeta aos direitos humanos. Se tais critérios (hierárquico, da especialidade e o cronológico, também conhecido como da posterioridade) ainda valem para resolver antinomias surgidas nos conflitos de leis comuns ou conflitos internos, a mesma coisa não se pode dizer quando a antinomia envolve normas de direitos humanos, uma vez que a lógica do sistema (interno ou internacional) de proteção desses mesmos direitos não é a mesma que a existente em relação às questões comerciais, financeiras, técnicas etc.

    Assim, em conclusão, de acordo com nosso ponto de vista, os tratados internacionais de direitos humanos centrífugos (Tratado de Roma, v.g.) assim como os tratados ou normas internacionais (de direitos humanos) centrípetos mais favoráveis (quando comparados com a Constituição de cada país) possuem valor supraconstitucional.

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