Tutela de urgência na agressão moral
O professor Luiz Alberto Oliveira, no seu primoroso ensaio "A esfera Temível", constante na coletânea de "Ensaio Sobre o Medo" (Edições Sesc, SP pg. 156), organizado por Adauto Novaes, diz que no cataclisma da modernidade "se o espaço físico se prolonga infindavelmente, então o espaço espiritual é empurrado para além do infinito”.
E prossegue: “Se o território espiritual que era o seu lugar natural torna-se infinitamente, inconcebivelmente distante, o único domínio que resta às almas humanas é nossa interioridade; somente dentro de nós pôde subsistir, ainda, a separação absoluta entre corpo e alma".
O enunciado ontológico do texto, à primeira vista enigmático, trata das duas dimensões básicas do ser humano - sua presença material-corpórea no mundo e sua dimensão subjetiva (espiritual) - esta, cada vez mais produzida fora da imediatidade do seu espaço de vida.
Num mundo cada vez mais vasto, à medida que avançam os conhecimentos do espaço e do tempo, aquela subjetividade do ser humano - a sua intimidade como local em que residem seus valores - ao mesmo tempo que fica mais exposta, deve ficar mais fortalecida e protegida.
A proibição de "ingerências ilegais e arbitrárias na vida dos cidadãos é consagrada em acordos globais como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis da ONU, de 1966", o que implica em conceber que os direitos dos cidadãos "no mundo real (off line) devem ser respeitados (da mesma forma e com a mesma intensidade) no mundo virtual (on line)" (Min. Luiz Alberto Figueiredo Machado, O Globo, 19.12.2013).
Trata-se da defesa de valores imateriais que compõem o patrimônio único de cada cidadão que, com as facilidades presentes nas novas tecnologias info-digitais, que podem ser atacadas - ao longe e à distância - sem anonimato, mas num espaço em que fica favorecida a covardia.
A legislação sobre esta proteção se aperfeiçoou em todo o mundo nos últimos trinta anos. E a jurisprudência vem se constituindo de forma lenta, mas positiva, para interpretar as mais diversas fontes de agressão moral e dar, a elas, o tratamento devido.
Num caso recente, através de demanda cível indenizatória, a deputada Maria do Rosário – representada pelo escritório Petri & Machado da Rosa Advocacia (Proc. TJRS nº 70073953150) - solicitou tutela de urgência, para a retirada da rede, de um vídeo ofensivo propagado pelo conhecido humorista (?) Danilo Gentili Junior. Como jornalista que recebera uma mera notificação extrajudicial para que cessasse a postagem de notícias falsas a respeito da filha de Maria do Rosário, ainda menor de idade, Danilo tomou a referida notificação e esfregou-a nos seus prováveis órgãos genitais.
A tutela foi indeferida pelo Juízo de primeira instância, sendo reformada em sede de agravo por decisão memorável do desembargador Túlio de Oliveira Martins. No julgado, assim se pronuncia o referido magistrado: "O conteúdo apresentado naquilo que seria um vídeo humorístico em verdade não é notícia, nem informação, nem opinião, nem crítica, nem humor, mas apenas agressão absolutamente grosseira marcada por prepotência e comportamento chulo e inconsequente".
Depois, o despacho cita copiosa jurisprudência, que se ampara no artigo 300 do CPC-2015, constatando a "probabilidade/razoabilidade do direito e perigo de dano".
Separar o que é notícia, opinião, crítica e humor, do que é agressão e grosseria marcadas pela prepotência de quem tem condições de alcançar o "infinito-distante" - na expressão do professor Luiz Alberto Oliveira, com as suas manifestações levadas às redes - é uma tarefa do Sistema de Justiça como "Justiça Política", naquela definição doutrinária empreendida por Ötfrïed Höffe.
Isso é civilização! Isso é democracia! Isso é Estado de Direito!
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