Unidades de conservação
Reservas podem perder espaço
Deputado Bernardo Santana (acima) aproveita relatoria de projeto de lei para modificar lei que rege UCs. Foto: Alexandra Martins/Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei 3.682/2012 está pronto para ser votado na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). Seu objetivo é abrir 10% das Unidades de Conservação de proteção integral à mineração. Em troca, os mineradores seriam obrigados a doar áreas com o dobro do tamanho das abertas à exploração comercial e com as mesmas características ecológicas e biológicas.
De autoria do deputado Vinícius Gurgel (PR-Amapá), o projeto sofreu modificações drásticas na mão do relator Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-Minas Gerais), um ex-diretor de empresa mineradora que enfrenta denúncia no Supremo.
Durante a tramitação, o relatório de Gurgel sofreu modificações que transcendem a permissão de minerar em área protegida. Entre elas, o texto transfere o poder de criação de UCs de Proteção Integral para o Congresso Nacional. Dessa forma, altera a lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), que dá base a todo o sistema de áreas protegidas do país.
O acréscimo que mexe no SNUC foi inserido pelo relator Bernardo Santana de Vasconcellos. Para isso, ele copiou a PEC 215, que modifica o artigo 22 do SNUC, o qual determina o Poder Executivo como responsável por criar Unidades de Conservação.
Santana é ligado à indústria de mineração. Ele já foi diretor da empresa RIMA Industrial S.A, entre agosto de 1998 a dezembro de 2010, e teve 70% da sua campanha para Deputado Federal paga por empresas mineradoras.
Ele também é acusado de fazer parte de uma fraude que envolvia compra de carvão vegetal nativo camuflado como se fosse de área plantada. O esquema ficou conhecido como “Máfia do Carvão” e causou um desvio de R$8 milhões dos cofres da Receita estadual de Minas. O processo por crime tributário está sendo analisado no Supremo Tribunal Federal.
Para votar contra o projeto de Lei 3.682/2012, acesse o site da Petição Pública.
Alterações no SNUC As modificações na lei do SNUC não param na transferência do poder de criação de UCs para o Congresso. Acrescentou-se um outro artigo, intitulado “artigo 22-B”, que não existe na lei atual e que lista situações que proibiriam a criação de Unidades de Conservação. O texto do novo artigo está parcialmente reproduzido abaixo. Os grifos são da reportagem.
Art. 2º. A Lei nº 9.985, de 2000, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 22-B:
“Art. 22-B. Fica vedada a criação de unidades de conservação da natureza em áreas:
I – antropizadas com estrutura produtiva consolidada;
II – com presença de bens de valor histórico, cultural e arquitetônico para a população;
III – identificadas, pelo órgão competente, como de favorabilidade geológica, considerando, para tanto, a concentração de minas na região e o conhecimento geológico, geoquímico e geofísico da área;
IV – com recursos hídricos estratégicos para a geração de energia elétrica.
Parágrafo único.
O Poder Público, excepcionalmente nos casos de relevante interesse nacional, poderá criar, por meio de lei específica, unidades de conservação da natureza nas áreas de que trata este artigo, tendo o proprietário ou possuidor da área afetada direito à indenização pelos prejuízos decorrentes da afetação, neste incluído o valor do investimento realizado, as perdas e danos, e o que razoavelmente deixou de lucrar com a interrupção de suas atividades.
A provável consequência do novo artigo é impedir a criação de novas APAs (Área de Proteção Ambiental), pois são áreas protegidas de grande extensão, com certo grau de ocupação humana. Há bairros e às vezes cidades inteiras dentro de uma Unidade de Conservação da categoria APA.
Outra consequência do artigo 22-B seria a vitória da Vale no impasse em torno da criação do Parque Nacional Serra do Gandarela. A área está em disputa entre a Vale e o ICMBio. Pelo novo texto (vide Inciso III), o ICMBio perde a área.
Além disso, para cada criação de unidade de conservação, o projeto de lei fixa a necessidade de ter previsão em lei orçamentária para a implantação da UC, incluindo recursos para desapropriação da área e pagamento de indenização aos proprietários particulares.
Populações tradicionais Santana também alterou o artigo 23 do SNUC, que trata da posse e do uso das áreas ocupadas pelas populações tradicionais nas Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável. O deputado retirou os parágrafos que regulavam as atividades permitidas às populações tradicionais dentro das UCs de Uso Sustentável. A proibição à caça de animal ameaçado de extinção, por exemplo, desaparece.
Outra modificação importante foi dispensar lei específica para alterar -- aumentar ou reduzir -- o tamanho ou limites das Unidades de Conservação, contra o que dispõe o Inciso III do artigo 225 da Constituição Federal. Pelo relatório, desafetação de UC poderia ser feito por decreto presidencial.
Relator do Projeto de Lei 3.682/2012, Santana justifica as alterações:
“Da mesma forma que não podemos coadunar com a devastação e degradação ambiental, não podemos ficar silentes para uma defesa ambiental midiática, pautada pela burocracia documental, pelo custo ambiental, pela inviabilização de atividades produtivas e pelo cumprimento de metas transformando o Brasil em reserva legal mundial”, escreveu.
Pacote do Código da Mineração O PL 3.682/2012 faz parte do pacote do novo Código da Mineração. Segundo o deputado Vinícius Gurgel, autor do projeto, ele é necessário por “liberar áreas com riquezas minerais estratégicas para o desenvolvimento do País sem comprometer nosso esforço em favor da conservação”. Entretanto, uma das lacunas do texto é não prever onde as áreas que serão doadas como compensação pela mineração devem estar localizadas em relação à UC que será explorada.
Para o especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, Aldem Bourscheit, o projeto é mais uma tentativa de flexibilizar a legislação ambiental.
“Ele [PL] ataca o Sistema Nacional de Unidades de Conservação ao tentar abrir áreas de proteção integral, como parques, reservas biológicas e afins a uma atividade altamente impactante e totalmente fora de conformidade com os motivos e princípios pelas quais foram criadas as áreas protegidas. É um completo absurdo e uma irresponsabilidade”, disse Bourscheit a ((o)) eco.
De acordo com Bourscheit, os inúmeros pedidos de lavra e de mineração em áreas protegidas explicam a pressão do setor para que as leis de proteção ambiental sejam afrouxadas.
O PL 3.682/2012 estava na pauta da Comissão de Minas e Energia da Câmara para ser votado nesta quarta-feira (27), mas foi adiado porque Bernardo Santana, o relator, faltou a sessão.
No seu trajeto em busca de aprovação, o projeto ainda precisa passar pela comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e pela comissão da Constituição e Justiça e de Cidadania até ser apreciado no plenário da casa.
Por Daniele Bragança -
Fonte oeco.org - http://waves.terra.com.br
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