Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
5 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Valor probatório do inquérito policial e a reforma processual de 2008 - Cristiano Luiz Ferreira

    há 14 anos

    Como citar este artigo: FERREIRA, Cristiano Luiz Ferreira. Valor probatório do inquérito policial e a reforma processual de 2008. Disponível em http:// www.lfg.com.br - 01 de dezembro de 2009.

    Valor probatório do inquérito policial e a reforma processual de 2008

    A reforma operada pela Lei nº 11.719/08, que alterou o capítulo referente às provas no Código de Processo Penal, trouxe repercussão no inquérito policial.

    A nova redação do artigo 155 do Código de Processo Penal vem sendo criticada por grande parte da doutrina, que o vêem como um retrocesso, vez que, segundo os autores, foi desperdiçada importante oportunidade de passagem do processo penal para o sistema acusatório puro.

    O grande ponto de descontentamento se encontra no advérbio exclusivamente inserido no caput do referido artigo:

    Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

    Entendem os doutrinadores que para o alcance do sistema acusatório propugnado pela Constituição Federal, de forma alguma o material colhido durante a fase do inquérito policial poderia ser levado em consideração pelo julgador na formação de sua convicção.

    Marcos Eberhardt (2008, p. 84), explica:

    De outro lado, a nova redação do art. 155 do Código de Processo Penal deixou claro que a prova merece ser produzida em contraditório judicial, anunciando, em primeira vista, a seriedade da parte final do mesmo dispositivo, no sentido de que o juiz não poderá fundamentar sua decisão nos elementos informativos colhidos na investigação. Assim é que deveria sê-lo! Porém, a inserção da palavra exclusivamente no mesmo dispositivo legal acabou por desnaturar os objetivos iniciais da reforma, criando mais um problema para o Código de Processo Penal que esperava soluções.

    E continua:

    A partir disso, uma das máximas expressões de um processo de partes, o contraditório judicial, foi desvirtuada em decorrência de apenas uma palavra: exclusivamente. A necessidade séria de contraditório judicial não integrou a reforma, na medida em que, de algum modo, o Código de Processo Penal aceitou a possibilidade de um juízo condenatório baseado, mesmo que subsidiariamente, em elementos de informação advindos do inquérito policial. Se a fragilidade do conteúdo dos atos de investigação, em não poderem ser comparados a atos sérios de prova, deve-se, em boa medida, à ausência de compromisso com os princípios do contraditório e da ampla defesa, como é possível admitir a constitucionalidade do referido dispositivo legal?

    Semelhante pensamento exprime Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 341/342):

    (...) a meta é a formação de convicção judicial lastreada em provas produzidas sob o crivo do contraditório, não podendo o magistrado fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos trazidos da investigação, mormente a policial, que constitui a maior parte dos procedimentos preparatórios da ação penal. Em outros termos, não se trouxe grande inovação, mas apenas se tornou expresso o que já vinha sendo consagrado pela jurisprudência pátria há anos. O julgador jamais pôde basear sua sentença, em especial condenatória, em elementos colhidos unicamente no inquérito policial. Não era mecanismo tolerado nem pela doutrina nem pela jurisprudência. Porém, o juiz sempre se valeu das provas colhidas na fase investigatória, desde que em harmonia com as coletadas sob o crivo do contraditório. Ora, nesse contexto, a reforma deixou por desejar, uma vez que somente reafirmou o entendimento já consolidado logo, inócuo fazê-lo de que a fundamentação da decisão judicial, mormente condenatória, não pode calcar-se exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. Ademais, se a decisão judicial fosse proferida com base única em fatores extraídos do inquérito policial, por exemplo, seria, no mínimo, inconstitucional, por não respeitar as garantias do contraditório e da ampla defesa. Portanto, a reforma teria sido ousada se excluísse a ressalva exclusivamente.

    Ivan Luís Marques da Silva (2008, p. 62/63), em seu livro sobre as reformas processuais de 2008, também demonstra seu descontentamento:

    Continuando a leitura do caput, chegamos ao ponto que certamente frustrou a maior parte da doutrina processual penal: continuamos vivendo em um Estado onde o processo penal é inquisitivo. Ou seja, o juiz continuará utilizando as provas produzidas na fase administrativa (inquérito policial, CPI) como elemento fundamentador de condenações. A mudança que poderia ter sido completa foi parcial, cuidou apenas para que a condenação não se desse exclusivamente com o material probatório produzido fora do contraditório judicial.

    Antonio Milton de Barros (2008), em artigo sobre a reforma processual explica que o Projeto de Lei nº 4.205/2001, que originou a Lei nº 11.690/08, quando ainda tramitava no Senado Federal, recebeu emenda para que fosse retirada a expressão "exclusivamente ", sob o argumento de que as informações colhidas na investigação não são provas produzidas de acordo com o contraditório, não devendo sequer ser levadas em consideração pelo juiz criminal.

    Ocorre que tal emenda não foi acolhida pelo Relator na Câmara, Dep. Flávio Dino, que assim se justificou:

    A supressão pretendida pelo Senado faria com que o órgão jurisdicional fosse impedido de considerar qualquer elemento informativo da fase de inquérito. Ora, por determinação constitucional, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, de tal forma que o julgador só deve levar em consideração informações contidas em inquérito policial se o fizer de forma razoável. Deve, portanto, o magistrado explicitar os motivos que o levaram a utilizar o elemento informativo colhido no inquérito policial. Este, por sua vez, não segue mais o antigo paradigma de investigação inquisitória, havendo, atualmente, observância às garantias do acusado no que tange à ampla defesa, sendo, inclusive, assegurado o acesso do advogado aos autos do inquérito.

    Analisando a mudança sobre outro aspecto, verificou-se na verdade uma valorização do inquérito policial, uma vez que legalmente passou a haver a possibilidade de ser utilizado o material probatório colhido na fase extrajudicial como fundamentação não a única da decisão judicial.

    Não se discute que para que o juiz forme seu convencimento e decida pela aplicação ou não da pena, terá que apreciar, obrigatoriamente, todo o conjunto probatório que se formou durante a persecutio criminis . Aí se inclui, sem dúvida o material colhido no inquérito policial, que deverá se mostrar harmônico ao conjunto probatório colhido em juízo sob o crivo do contraditório pleno.

    O sistema de apreciação de provas adotado pelo Código de Processo Penal foi o da livre convicção ou da persuasão racional, como reafirma o caput do artigo 155: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova (...). Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 243) explica de forma primorosa o que vem a ser tal sistema:

    De modo geral, admitem-se todos os meios de prova. O Juiz pode desprezar a palavra de duas testemunhas e proferir sua decisão com base no depoimento de uma só. Inteira liberdade tem ele na valoração das provas. Não se pode julgar de acordo com conhecimentos que possa ter extra-autos. Se o Juiz tiver conhecimento da existência de algum elemento ou circunstância relevante para o esclarecimento da verdade, deve ordenar que se carreiem para os autos as provas que se fizerem necessárias. Como esclarece o Min. Francisco Campos, na Exposição de Motivos que acompanha o atual CPP, não é prefixada uma hierarquia de provas; na livre apreciação destas, o Juiz formará honesta e lealmente a sua convicção. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor absoluto. Se é certo que o Juiz fica adstrito às provas constantes nos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, por meio delas, a verdade material. Nunca é demais, porém, advertir que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O Juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não está dispensado de motivar a sua sentença.

    Deste modo, afirma o ilustre mestre que o juiz não pode estar alheio ao conteúdo do inquérito policial. É impossível que as provas colhidas durante as investigações não proporcionem, desde que conjuntamente e harmonicamente ao material colhido durante a instrução judicial, um maior grau de convicção e segurança ao Magistrado. Quando a decisão judicial é proferida, o magistrado poderá utilizar como motivação todo o material probatório colhido durante a persecutio criminis , seja na fase pré-processual, seja na fase judicial.

    Não devemos nos esquecer que cabe ao delegado de polícia, servidor público concursado e bacharel em Direito como o juiz de direito e o promotor público a condução do inquérito policial. Tal presidência deve ser exercida respeitando os ditames da Constituição Federal e da legislação, com total observância dos direitos e garantias fundamentais.

    Não se pode mais afirmar, em face a consolidação dos princípios constitucionais, que a pessoa investigada é mero objeto da persecução estatal, mas sim que é detentora de direitos e garantias fundamentais que devem ser respeitados tanto pelo Estado-investigação, como pelo Estado-acusação ou pelo Estado-juiz.

    A polícia judiciária deve ser guiada pela busca da verdade e a discricionariedade em sua atuação não poderá restringir direito do suspeito ou indiciado. Entretanto, é perfeitamente possível que a autoridade policial deixe de atender aos pedidos formulados pelos interessados desde que se mostrem inócuos ou prejudiciais à apuração do que realmente aconteceu. Assim, pode-se notar que na fase do inquérito policial, é perfeitamente possível a manifestação dos interessados, que podem exercer o direito de defesa. Não há razões para que a autoridade policial deixe de atender um pedido desde que este possa fornecer elementos para a apuração da verdade material.

    Romeu de Almeida Salles Junior (1986, p. 122), em sua obra ainda sob a égide da Constituição anterior, lecionou acerca do tema:

    Quando regularmente realizadas as diligências, o inquérito contém peças de grande valor probatório. Apontam-se, entre outras, os exames de corpo de delito, o auto de prisão em flagrante. É verdade que o inquérito policial é peça de informação. Não chega a ter a consistência de conjunto probatório obtido em juízo, quando as garantias do agente ou autor são maiores. Numa fase em que existe o contraditório, ou seja, acusação e defesa, as possibilidades de obtenção de provas são maiores. Não se pode, contudo, negar ao inquérito policial o seu devido valor, como integrante de um conjunto probatório, cuja finalidade é formar a livre convicção do julgador na busca da verdade real.

    A persecução penal após a reforma processual se revelou efetivamente dúplice. A primeira fase se desenvolve de maneira oficial, com a presença da defesa, que se consubstancia na obrigatoriedade da presença de advogado na prisão em flagrante, na possibilidade de realizar pedidos à autoridade policial, e entre outros atos, a possibilidade de reação face ao indiciamento ilegal ou indevido através do instituto do habeas corpus e com o contraditório diferido ou postergado, onde o material colhido pode ser amplamente discutido e questionado, inclusive com a apresentação de quesitos ou da assistência técnica para as perícias. A segunda fase, em juízo, desenvolve-se sob contraditório e ampla defesa plena, sendo que ambas as fases são importantes para o desenvolvimento da fundamentação decisória do julgador.

    Nesse contexto, vale a pena ressaltar que a parte final do mesmo artigo 155 não causou na doutrina qualquer indignação. A reforma expressamente admitiu a utilização pelo magistrado das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas . Note-se que ao arrepio da doutrina a lei utilizou exatamente a denominação provas demonstrando que assim considera o material colhido na fase pré-processual.

    Marcos Eberhardt (2008, p. 87) explica:

    Dentre tais provas, que poderão, pelo requisito da cautelaridade, ser admitidas na formação do convencimento do magistrado, estão, sem dúvida, a perícia, a busca e apreensão e também as interceptações telefônicas. Assim é o exemplo do exame de corpo de delito que, geralmente, dependem de feitura imediata sob pena de desaparecerem os vestígios deixados pelo crime. Tão evidente é cautelaridade nesse caso, que o próprio Código de Processo Penal, em seu artigo , apresenta um rol de providências que podem ser adotadas pela autoridade policial na condução do inquérito policial, sendo imprescindíveis de realização apenas as perícias, tal como delimita o art. 184 do mesmo estatuto processual. A conhecida jurisprudência dos tribunais superiores sempre considerou as perícias como provas não repetíveis, devendo ser tratadas, pois, como definitivas, sujeitas apenas ao contraditório diferido.

    Desta forma, forçoso é admitir que a nova redação do artigo 155 do Código de Processo Penal reafirmou a importância do inquérito policial na persecução criminal. Os elementos colhidos durante a investigação são considerados provas e devem ser submetidos ao contraditório diferido. Como provas têm valor relativo, ou seja, podem ser objeto de fundamentação para a decisão judicial desde que em completa harmonia com o conjunto probatório colhido em juízo.

    Pensar que o julgador pode simplesmente ignorar o material colhido durante as investigações e ater-se somente na prova produzida em juízo é ignorar que na prática a tudo o que foi produzido pela polícia judiciária é conferido validade e confiabilidade, muitas vezes dando-se maior credibilidade às declarações dadas na Delegacia do que diante do Magistrado, devido ao escasso tempo decorrido entre o fato e os depoimentos.

    Isso sem falar das provas denominadas cautelares, que sempre foram aceitas e que agora são igualmente prestigiadas pela redação do citado artigo. A atuação imparcial e técnica da polícia judiciária garante a idoneidade do material colhido que poderá inclusive ser objeto de exame por assistente técnico e sofrer questionamento em contraditório postergado. Tal será a solução para todo a prova colhida durante o inquérito policial.

    Assim, entende-se que a reforma de 2008 ao invés de enfraquecer o inquérito policial, valorizou-o, pois reafirmou sua importância dentro do cenário da persecução penal. Só a colheita e tratamento adequado das provas permitirão a realização da justiça e justiça sempre deve ser o fim buscado pela sociedade.

    Referências bibliográficas

    EBERHARDT, Marcos et al. Reformas do Processo Penal organizador Guilherme de Souza Nucci. Porto Alegre : Verbo Jurídico, 2008.

    NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado , 8ª edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008.

    SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito Policial e Ação Penal , 4ª edição. São Paulo : Saraiva, 1986.

    SILVA, Ivan Luís Marques da. Reforma Processual Penal de 2008 . São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008.

    TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal vol. 3. São Paulo : Saraiva, 2003.

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15364
    • Seguidores876142
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações738
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/valor-probatorio-do-inquerito-policial-e-a-reforma-processual-de-2008-cristiano-luiz-ferreira/2022549

    Informações relacionadas

    Eduardo Luiz Santos Cabette, Professor de Direito do Ensino Superior
    Artigoshá 2 anos

    Inquérito Policial e Prova: Um Estudo do Valor Probatório da Investigação Criminal

    Rafael Brito Melo, Estudante de Direito
    Artigosano passado

    Valor probatório do inquérito policial

    Yohana Pessoa, Advogado
    Artigoshá 5 anos

    Valor probatório do Inquérito Policial e vertentes de elementos migratórios

    Canal Ciências Criminais, Estudante de Direito
    Artigoshá 6 anos

    Valor probatório do inquérito policial

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)