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15 de Junho de 2024
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    Vestiu-se de “cliente”, furtou chocolate e pegou a pena de quadrilha ou bando

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 10 anos

    Cenário 1. O ladrão que se disfarçou de “cliente”
    Um sujeito cujas iniciais são EJF foi processado por furto, duas vezes qualificado por usar meio fraudulento. O fato ocorreu no interior do RS. Em dois supermercados diferentes, EJF tentou furtar barras de chocolate e um litro de whisky (sobrevalorizado no auto respectivo), tudo avaliado, nos dois fatos, em R$ 82,00. Em face da vigilância do supermercado, EJF foi detido e as mercadorias apreendidas na hora.

    O que impressiona é que o promotor denunciou-o por furto consumado. Ah, e, claro, com a qualificadora de “fraude”. Afinal, o indivíduo “fez-se passar por cliente”. E isso dobra a pena. Ao fim e ao cabo, a juíza desclassificou o crime para tentativa, mas qualificado. Rejeitou a insignificância e tascou-lhe a pena de 3 anos e 2 meses de prisão mais multa. Detalhe: o promotor não esteve na audiência de instrução. Portanto, sequer houve acusação stricto sensu.

    A juíza fez uma longa sentença para justificar essa condenação. Minha pergunta: como é essa coisa de “se fazer passar por cliente”? Será que os clientes de um supermercado têm um modo próprio de se vestir e os ladrões, não? Logo, se o ladrão “se faz passar por um cliente”, a pena do furto dobra. Mais ainda, a denúncia diz, no frontispício, que a ação de EJF causou prejuízo ao estabelecimento. Como assim, se toda a mercadoria foi apreendida, conforme o auto de fls (adoro a frase “auto de folhas”)?

    Poderia, aqui, elencar centenas ou milhares de casos desse tipo que ocorrem no vasto território de Pindorama. E o braço longo e firme do direito penal, manejado pelo Ministério Público e Magistratura (e pala polícia, seletivamente), é duro e firme... contra os pobres. Contra a patuleia.

    E isso é histórico. Sentenças desse tipo são “paradigmáticas”. Por tentar furtar chocolates e whisky, a pena é maior do que se associar para cometer crimes.

    Cenário 2. A sonegação de tributos e a isenção de pena
    Historicamente, em terrae brasilis nunca se tratou os chamados crimes de colarinho branco como se tratam os crimes do “andar de baixo” cometidos pelos patuleus. Para fins de mera exemplificação da asserção, a Lei 4.729/65 estabelecia penas de detenção de 6 meses a 2 anos ao crime de sonegação fiscal. Ou seja, a desproporcionalidade era tanta que às condutas que configuravam crimes-meio para a prática da sonegação fiscal (tais como a falsificação e o uso de documento falso) era cominada, no Código Penal, sanção autônoma bastante superior à cominada à pratica do crime-fim. Então, apenas em 1990, a Lei 8.137 agravou as penas, tendo sido, contudo, o aumento da sanção acompanhado da previsão da extinção da punibilidade ante o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia.

    Na (des) proteção da ordem tributária, em retrocessos e avanços legislativos, chegou-se ao artigo da Lei 10.684/03 em que se determina a suspensão da pretensão punitiva — com o parcelamento — e a extinção da punibilidade —com o pagamento dos débitos oriundos de tributos e de contribuições sociais. Em caso emblemático, quando do julgamento de Marcos Valério — Recurso Especial 942.769 – MG (2007/0046519-5), o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela extinção da punibilidade de crime de sonegação fiscal pelo pagamento das parcelas não recolhidas em momento posterior ao recebimento da denúncia, consagrando o entendimento que o pagamento do tributo a qualquer tempo enseja o fim da possibilidade de responsabilização penal. O (mero) parcelamento do débito oriundo de crimes contra a ordem tributária e previdência extingue a punibilidade (artigo da Lei 10.684/03), mas ainda se resiste em estender semelhante benefício aos autores de furto (em que se restitui a res furtiva). Fui o primeiro a escrever sobre isso, em 1990. E o TJ-RS acatou parecer de minha lavra por diversas vezes, aplicando isonomicamente a extinção da punibilidade dos crimes de sonegação para os casos de furto sem prejuízo (com devolução da res furtivae).

    Pronto. Esse é o contraponto. Tudo isso acontece no mesmo país. Ah: o Ministério Público (estadual), que denunciou o sujeito dos chocolates e depois nem compareceu à audiência, emitiu parecer favorável (no âmbito federal) à extinção de punibilidade de Marcos Valério.

    Vejam: a lei diz que a devolução deve ser feita antes do recebimento da denúncia... Mas, mesmo feita depois, vale. Para o andar de cima, é claro. Já no caso de furto, o acusado pode devolver que nada lucrará. No máximo, por vezes, ser-lhe-á aplicado o artigo 16 do Código Penal.

    Origens disso? A crise do Direito (Penal) e a Constituição: o seu caráter estamental
    Partirei de uma tese. Em terrae brasilis, o poder político se articula a partir de um Estado que é patrimonialista em seu conteúdo e estamental em sua forma. Os estamentos, vistos a partir de Faoro, mostram-nos que, em de...

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