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6 de Maio de 2024

Vícios do inquérito não são absolutos

Publicado por Andrezza Souza
há 4 anos

Os verbos guardar, manter em depósito, trazer consigo e expor a venda constituem a modalidade permanente do crime do artigo 33 da Lei 11.343/06, nos quais, em tese, autorizaria a entrada das autoridades policiais ao domicilio.

No entanto, não é qualquer situação de permanência que admite tal entrada sem mandado judicial. Esse tema foi objeto de repercussão especial no STF, o qual posicionou-se no sentido de, previamente, existir fundadas razões ou suspeitas, não apenas baseada em serviço de inteligência ou notitia criminis anônima.

Por exemplo, em razão de uma abordagem pessoal para averiguação, caso, em suas atividades rotineiras, as autoridades policiais encontrem objetos de crimes ou presenciem suspeita do oferecimento da droga a terceiros, ou seja, atividades de mercancia, poderão adentrar à residência.

Porém, compreendo que exista um limite de localidade. Exemplifico. Caso a busca se dê em outro local, que não a residência ou que os fugitivos adentrem a suas casas, cessa a legitimação para a respectiva prisão, porquanto, neste caso, necessitaria de mandado judicial, pelo fato do direito ao silêncio, corolário do direito a não autoincriminação, direito à inviolabilidade domiciliar, como desdobramento do direito à privacidade.

Ademais, o princípio da dignidade humana garante um mínimo existencial procedimental, ou seja, embora o inquérito não seja amparado pelo contraditório e ampla defesa, os agentes devem atuar de acordo com o princípio da legalidade estrita, enquanto os particulares podem fazer aquilo que não seja vedado por lei.

Nesse campo, seria constrangimento ilegal o agente ser obrigado a se autoincriminar ou a abrir mão de seu direito ao silêncio, não devendo tais direitos serem judicializados para ter sua existência reconhecida. Seriam óbvios aos limites procedimentais, decorrentes do próprio princípio da legalidade.

Apesar dos vícios do inquérito não contaminarem a ação penal, procedimentos ao arrepio das garantias e direitos fundamentais não possuem o condão ou legitimidade para cercear a liberdade do indivíduo, devendo tal prisão ser imediatamente relaxada.

Um vício procedimental difere de um procedimento arbitrário, despindo direitos e garantias basilares à condição de ser humano. A dignidade humana não necessita ser judicializada. Logo, o direito ao silêncio e a não produzir provas contra si mesmo são inerentes à condição de ser humano, independente da esfera administrativa ou judicial.

Os agentes públicos também encontram limites do princípio da legalidade, apenas atuando conforme à lei, em reduzido grau de discricionariedade. Embora o IP seja um procedimento administrativo, existe uma margem de atuação, e esta margem está adstrita à lei.

A pretensão resistida a manter a sua liberdade não necessita ser igual ao Processo Civil, de modo a esperar uma lide. Na esfera penal e processual penal, a pretensão do indivíduo contra a punição Estatal inicia-se no próprio procedimento.

Na verdade, admitir como absoluta a questão de qualquer vício do inquérito, ser, de alguma maneira, convalidado, ilimitadamente, não é verdade. Por exemplo, cita-se a não entrega da nota de culpa em 24 horas, ou deixar o preso incomunicável, fazem parte do procedimento, e se inexistentes, serão objeto do relaxamento da prisão, por ilegalidade, inclusive com previsão constitucional.

Logo, se a prisão ilegal será imediatamente relaxada, infere-se a presença de um mínimo existencial procedimental, o qual é norteado pelas garantias e direitos fundamentais conjugados ao princípio da legalidade, prescindindo de judicialização para a sua existência e o seu exercício.

Outro exemplo relevante é a existência de audiência de custódia, para averiguar se a prisão ocorreu em condições lícitas, verificando a integridade física do preso. Desse modo, a integridade física deste não precisa ser judicializada para o seu reconhecimento e relaxamento da prisão.

O direito à ampla defesa e contraditório, principalmente com a investigação defensiva em evidência, inicia-se na fase inquisitorial, porquanto desprezar o valor probatório do inquérito é oferecer uma defesa insuficiente ou ineficiente.

E apesar do inquérito não dever ser o único meio de prova ao livre convencimento do magistrado, ou seja, princípio da persuasão racional, muitas vezes as provas colhidas em sede de inquérito apenas são confirmadas em juízo, principalmente quando existe uma dificuldade ao réu em provar a sua inocência.

Se um procedimento desdobra-se em atos, como denominar um inquérito baseado apenas no testemunho de policiais, sem diligências ou acareações? Equiparar o testemunho de policiais, em que pese o meu apreço pela categoria, constitui uma inércia Estatal, equiparando-o a uma indústria de condenação, e o pior, uma condenação antecipada.

E a referência ao Réu, acusado, indiciado ou qualquer outra denominação, qualquer um poderá estar nessa condição, até mesmo uma autoridade policial. Consequentemente, o reconhecimento de direitos e garantias mínimas interessa a toda uma sociedade.

Bem verdade que algumas denúncias apenas apontam o mínimo de autoria e materialidade, em uma visível fragilidade probatória. Contudo, raros são os casos de inépcia da denúncia, em um patente desequilíbrio entre acusação e defesa, no qual o Estado possui, praticamente, uma verticalidade condenatória, invertendo o ônus de prova para a defesa.

Um dos absurdos é a conversão de uma prisão ilegal em preventiva. Ato ilegal gerando direitos? E o pior, tornar-se jurisprudência. O Estado convalidar arbitrariedade é ferir o princípio da isonomia, orientando-se em uma busca da verdade real, ou melhor, surreal, na qual admite-se ilegalidade, se o intuito for prender. Nestes casos, a liberdade espera retorno e abriga esperança apenas nos Tribunais Superiores, em vergonhosos julgamentos de apreciação de prisão por um litro de leite.

Se o inquérito, na vida prática, possui relevante valor probatório, judicializar tal procedimento possibilitaria ao delegado fazer juízo de tipicidade, evitando afogar o Judiciário com casos que não merecem a sua intervenção, e pelo princípio da fragmentariedade, o Direito apenas apenas puniria os casos que atingissem fortemente o bem jurídico, criando alternativas de autocomposição mais efetivas e menos gravosas, deixando de usar o Direito Penal como política pública, mas como ultima ratio.

Muitos casos do Direito Penal poderiam ser resolvidos com medidas administrativas, favorecendo o trabalho de policiais, juízes, promotores e advogados.

Tentar evitar ser o inquérito o único meio de prova é evitar o inevitável ou é fechar os olhos para a realidade. Da mesma maneira, convalidar, ilimitadamente, vícios do inquérito, é criar condições de desigualdade não previstas em lei e prejudicial ao réu, não diferindo de analogia in malam partem, vedada pelo ordenamento jurídico, ou aproximar-se de um Tribunal de Exceção.

FONTE>

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm

Capez, Fernando,Curso de direito penal, volume 4 : legislação penal especial / Fernando Capez. – 14. ed. – São Paulo : Saraiva.

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