Página 1222 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 4 de Março de 2016

CPC. No mérito, em relação à escola e a Diretoria de Ensino, entendo ser procedente o mandamus. Juntaram-se documentos suficientes a demonstrar a necessidade da criança de uma maior maturidade para melhor aproveitamento pedagógico. A escola havia apontado inicialmente a fl. 46 que não lhe foi atribuída nota por ter necessitado avaliação de forma diferenciada e por ter apresentado muitas faltas durante o ano letivo, complementando sua informação a fl. 47 com indicação de dificuldades por parte do aluno em relação ao conteúdo. No relatório mais minucioso de fl. 75, entende a necessidade de ser refeito o primeiro ano em razão do déficit de conteúdo, documento este que foi repassado pela Diretoria Regional de Ensino. Entendo haver direito líquido e certo para acolhimento do pedido formulado. Com efeito, a doutrina entende o direito líquido e certo pelo seu caráter de incontestabilidade, isto é, uma afirmação jurídica que não pode ser séria e validamente impugnada pela autoridade pública, que pratica um ato ilegal ou de abuso de direito. Ele tem, na realidade, dois pólos: um positivo, porque se funda na Constituição ou na lei; outro negativo, porque nasce da violação da Constituição ou da lei. Ora, a norma constitucional há de ser certa em atribuir à pessoa o direito subjetivo, tornando-o insuscetível de dúvida. Se surgir a respeito qualquer controvérsia, quer de interpretação, quer de aplicação, já não pode constituir fundamento para a impetração de mandado de segurança (Buzaid, Alfredo. Do mandado de segurança. SP, Saraiva, 1989, vol 1, p. 88). Completa o autor que o fato e o direito, não ação do mandado de segurança, não podem ser separados, para o fim de permitir ao juiz que diga que o direito é certo e o fato duvidoso ou não provado cumpridamente. Entre a lei e o fato há de haver, pois, uma relação de incidência. Não tem maior importância a alegação de que o fato é complexo, tampouco basta dizer que o fato é incontroverso. Cumpre verificar, isto sim, se a lei incidiu sobre o fato. Só quando isso ocorre é que se pode dizer que surge o direito subjetivo do impetrante.(ob. cit., p. 89) Por isso deixa claro que, se o fato não está comprovado e fato não comprovado é aquele insuscetível de comprovação apenas por documento -, o direito não incidiu. Como bem aponta Hely Lopes Meirelles, sendo o direito líquido e certo aquele comprovado de plano, se depender de comprovação posterior não é líquido nem certo para fins de segurança. Para o autor, trata-se de um conceito impróprio - e mal expresso alusivo à precisão e comprovação do direito, quando deveria aludir à precisão e comprovação dos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito (Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. 12ª ed. SP, RT, 1989, p. 13) Dados os fatos apresentados e os documentos comprobatórios juntados aos autos, entendo que a invocação apenas de critério objetivo normativo, que sequer abre oportunidade para a relativização da norma em caso de não adequação subjetiva à norma, não atende da melhor forma a garantia dos direitos do autor. A questão em discussão gira justamente em torno da objetividade rasa da norma editada, que não abre espaço para as exceções. Justamente por isso há de se ter presente o entendimento doutrinário do art. 2º da Convenção sobre os direitos da criança, relativo à nãodiscriminação da criança ou adolescente. O princípio da não-discriminação, intimamente ligado ao direito ao reconhecimento da diferença etária e geracional como expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, não se restringe a critério objetivo, etário Com efeito, a doutrina tem ensino que toda e qualquer distinção legislativa baseada apenas na idade ou em fases de desenvolvimento como único determinante deveria ser abandonado. Estas distinções deveriam ser substituídas por outra reconhecendo que a idade é um indicador útil mas genérico da capacidade. A adoção da idade como um indicador geral deveria estar acompanhado de duas presunções refutáveis: a) a presunção de capacidade da criança/adolescente que esteja dentro de um específico grupo etário possa ser refutada por parte dos pais/responsáveis ou pelos tribunais; b) a presunção de falta de capacidade de criança/adolescente que não esteja dentro daquele grupo etário possa ser refutada por essa criança/adolescente específico, que se entenda capaz de tomar as decisões para exercício de seu direito (Claire Breen. Age discrimination and childrens rights. Ensuring equality and acknowledging difference. Leiden, Martinus Nijhoff Publishers, 2006, p. 33). Deste modo, ao pretender cristalizar o processo educacional de crianças e adolescentes, violando inclusive o dever de garantir acesso aos níveis mais elevados de ensino, segundo a capacidade de cada um (art. , inc. V, da LDB), o que se expressa pela possibilidade de promoção. No caso dos autos, verifica-se que a progressão automática, não respeitada a maturidade da criança, lhe causará prejuízos. A interpretação da Secretaria de Estado da Educação sobre a interpretação do art. 32, § 2º, da LDB, quanto à progressão continuada. Primeiro, porque discriminatória, nos termos acima expendidos, violadora de direito fundamental de promover o pleno desenvolvimento da pessoa, nos termos do art. 205 da CF. Com efeito, o princípio da igualdade de condições de acesso (art. 206, inc. I, da CF), pressupõe o respeito às diferenças e que a capacidade de cada pessoa seja aferida individualmente, em respeito ao princípio da fundamental da dignidade da pessoa humana. Tiedemann, por exemplo, aponta o quanto este princípio, dentro de uma perspectiva kantiana, tem na autonomia o fundamento da dignidade humana e em sua natureza racional. Neste contexto, a dignidade humana está, de um lado, intimamente correlacionada à possibilidade de liberdade para o estabelecimento de diálogo interior que permita a emergência de autenticidade e identidade humanas. Para tanto, depende de ter condições existenciais mínimas, integridade física e espiritual e proteção de sua privacidade. Mas, de outro lado, atento a toda uma tradição filosófica (dos estóicos, passando pela teologia cristã ao direito natural) que funda a dignidade humana numa visão heteronômica, indica o quanto ela não pode se dissociar de uma perspectiva coletiva em que o espaço interrelacional, de respeito mútuo à dignidade humana, é condição indissociável da compreensão individual desse valor como autonomia. Portanto, o direito ao reconhecimento da diferença, como expressão e afirmação de maior especificidade do princípio da dignidade da pessoa humana, é condição de um esforço desconstrutivo de representações sociais até hoje denegadoras de direito em relação a crianças e adolescentes em geral. Esse direito será também, pelo caráter principiológico da dignidade, igualmente o critério aferidor da legitimidade substancial da própria ordem jurídico-constitucional, seja para a aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico no que diz respeito a essas crianças e adolescentes. O desafio consiste portanto em se trabalhar com uma perspectiva de empoderamento a partir do reconhecimento de posições jurídicas a serem assumidas por crianças e adolescentes ao longo de seu processo sociocultural de desenvolvimento que lhes permita efetivamente um outro lugar social, garantindo-lhes, com a desconstrução de referenciais homogeneizantes, a passagem de um pensamento heterônomo a um autônomo, portanto de regras fundadas no princípio da autoridade e que não possam ser mudadas a outras, construídas e negociadas pelo consenso. Mais ainda, é este empoderamento das crianças no nível microssocial que lhes permite a participação na construção de si que as vincula numa perspectiva interacionista ao nível macrossocial da promoção de direitos sociais, econômicos e culturais. Com efeito, há entendimento do E. STJ no sentido de que, para a progressão, o critério de avaliação é individual, e não etário, sob pena de violação de preceito constitucional e direito fundamental de acesso ao ensino. Processo REsp 753565 / MS RECURSO ESPECIAL 2005/0086585-2 Relator (a) Ministro LUIZ FUX (1122) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 27/03/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 28/05/2007 p. 290 Ementa ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. ART. 127 DA CF/88. ART. 7. DA LEI N.º 8.069/90. DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL AOS MENORES DE SEIS ANOS “INCOMPLETOS”. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. 2. O

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