Página 2221 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 16 de Abril de 2014

SP)

Processo 400XXXX-14.2013.8.26.0625 - Procedimento Ordinário - Interpretação / Revisão de Contrato - Regiane Aparecida Pereira - SCOPEL DESENVOLVIMENTO URBANO S.A e outro - VISTOS. Autora: REGINA APARECIDA PEREIRA Suma do pedido: condenação ao pagamento de indenização por danos morais (estimados em vinte salários-mínimos) e “indenização” de 2% do valor do contrato e “uma correção de 1% ao mês”, ao suposto de que as rés não entregaram lote delas adquirido, pese já passados 30 meses. Réu: SCOPEL DESENVOLVIMENTO URBANO S/A e ANTARES AGROPECUÁRIA E PARTICPAÇÕES LTDA Síntese da defesa: a atraso decorre de fato de terceiro porque a entrega depende do recebimento de obras pela concessionária pública de águas e esgotos. Não há dano moral e nem razão para indenização. Principais ocorrências: réplica. É o relatório (CPC, art. 458, I) DECIDO. I A pretensão é tendente à condenação ao pagamento de multa pelo atraso na entrega de lote urbanizado em empreendimento prometido pela ré Scopel a ser implantado em gleba pertencente à ré Antares. A resposta afirma exclusão de culpa pelo retardamento e nega o dever de indenizar. II O fato que serve como fundamento primário das pretensões cumuladas é o de que descumpriram as rés a obrigação de entregar o loteamento, concluído, embora já passados trinta meses desde a celebração do compromisso de compra e venda. A propósito, não negam as demandadas que se acham em atraso. O contrato não contempla previsão de termo exato, fazendo tão-somente referência à Lei nº 6.766/79, mas a ausência de prova da aprovação e seu cronograma foi suprida pelas próprias rés com a juntada do documento de fls. 93, do qual se extrai a notícia de que o prazo para conclusão das obras era de 24 meses, contado do registro do loteamento e isso se expirou em 18/12/2011. III As rés não negam a concorrência do retardo no cumprimento da obrigação de entregar o imóvel (um lote no empreendimento cognominado “Portal do Vale”) no prazo ajustado; intentando exclusão da caracterização de mora com o argumento de que o atraso deve ser compreendido como abrangido pela eximente de “fato de terceiro” ou em situação de força maior, porque a “Sabesp” demora na aprovação das obras e recebimento de doação de sistemas de águas e esgotos, impedindo a entrega do empreendimento. Não se detecta aí a configuração de força maior e isso registre-se independentemente do registro de que as rés não produziram (na resposta) nenhuma prova concreta e efetiva a respeito da (implícita) afirmação de que cometeram tudo aquilo e exatamente aquilo que lhes era exigível. . De qualquer modo, anota-se que só se pode cogitar de reconhecimento dessa situação quando presente “fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer”. Não há nenhuma evidência de que o Poder Público tenha causado o retardamento ao menos de que isso não derive de omissões da própria ré na elaboração de projetos e de todo modo a demora por entraves burocráticos é situação previsível ao empreendedor. A ré é sociedade empresária, atuante no ramo de implementação de loteamentos e nessa qualidade há que ter em mente a (óbvia) previsibilidade de que poderão ocorrer dificuldades na aprovação de projetos e formalização de transmissão de obras ao patrimônio estatal. Esse “fato de terceiro” não gera obstáculo invencível, porque pode (e deve) ser superado com conclusão expedita dessas obras e entrega de projetos e documentos em tempo hábil, sem falhas ou erros. Há que se acentuar que a protocolização de requerimento na “Sabesp” só se deu em 02/10/13 (fls. 93), ou seja, quando já quase completados dois anos depois da data limite para conclusão das obras e entrega do empreendimento. Assim, não se tem “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir” (Código Civil, art. 393). Na espécie, é incidente a teoria do risco do negócio. A propósito, recorda-se que a exploração da atividade econômica harmonizada com os princípios insculpidos no art. 170 da Carta Magna tem como uma de suas características principais o risco: “Os negócios implicam risco. Na livre iniciativa a ação do empreendedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso. A boa avaliação dessas possibilidades por parte do empresário é fundamental para o investimento. Um risco mal calculado pode levar o negócio à bancarrota. Mas o risco é dele”. Não é dado ao empresário tentar transferir o risco ao consumidor, até porque é ele que avalia os binômios risco/custo e custo/benefício. Se prejuízos são possíveis e previsíveis, é a receita do negócio (como um todo) que deve arcar com eles. E não o consumidor. É a presença do risco que justifica o direito ao lucro. A idéia de proclamar como “força maior” a genérica argüição de entraves burocráticos justificando o atraso na entrega da obra atenta contra o sistema do Código de Defesa do Consumidor, porque representa uma tentativa de inverter o risco. Insiste-se: o risco toca exclusivamente ao fornecedor; ele é o empresário, ele é que corre riscos, até porque a ele pertence o lucro perseguido. E “o lucro é legítimo, mas o risco é exclusivamente do empreendedor. Ele escolheu arriscar-se: não pode repassar esse ônus para o consumidor”. IV.a Quer a autora a extensão ao consumidor, por paridade, de aplicação de cláusula penal que no contrato somente favorece o fornecedor. A disposição invocada (cláusula 5.1 fls. 34/35) preconiza que na hipótese de atraso no pagamento serão incidentes atualização monetária, juros de mora e multa de 2%. IV.b Dentre os postulados incorporados no Código de Defesa do Consumidor interessa aqui a regra de privilégio ao equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º, III) e assegurada igualdade nas contratações (art. 6º, II), até porque serão abusivas as disposições contratuais que violem tais preceitos em prejuízo do consumidor, estabelecendo obrigações que o coloquem em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (art. 51, IV). Para restauração do equilíbrio e afastamento da iniquidade há que se compreender que eventual sanção preconizada em desfavor do consumidor para a situação de retardamento no cumprimento de suas obrigações é igualmente aplicável contra o fornecedor em condição análoga. Dessarte, prevendo o contrato a incidência de multa para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Assim, ao sentir do Juízo, tem-se aí efetiva situação paritária, porque seu suporte primário repousa no atraso de satisfação de obrigação de pagar, o que equivale para as rés na obrigação de entregar. A multa de 2% sobre o “valor da prestação” ou seja: o valor de aquisição é exigível. IV.c.1 Entrementes, a pretensão não comporta acolhimento quanto à paridade de obrigação de pagamento de “juros”. Convém recordar que juro é o fruto do dinheiro; é a paga que o credor obtém do devedor, além da importância da dívida. “Entende-se por juros o que o credor pode exigir pelo fato de ter prestado ou de não ter recebido o que se lhe devia prestar”. Os juros remuneratórios (ou compensatórios) são devidos em razão de mútuo; já os juros moratórios (ou punitivos) correspondem à pena pela morosidade ou tardança na restituição do capital ou satisfação de obrigação de pagar. Não é disso que trata a situação jurídica da autora. IV.c.2 Note-se que não foi formulado pedido de indenização por danos (emergente ou lucro cessante) advindos da impossibilidade de uso da coisa. Tem-se tão-somente pretensão de extensão de cláusula penal. Logo, mercê do princípio da adstrição, não se pode cogitar de aplicação daquilo que em tese seria concreção do estampado no art. 475 do Código Civil e da compreensão de que a jurisprudência “é pacífica no sentido de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes. Nesse caso, há presunção de prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável (grifos nossos)” e isso até por ser intuitivo que o “atraso impediu os compromissários compradores ou de deixarem de pagar aluguel, ou de obterem renda com a colocação do imóvel em locação”, o que representa “perdas efetivas e potenciais de um capital com aptidão de produzir uma vantagem econômica, havendo entre esses prejuízos e a inexecução contratual perfeito nexo de causalidade”, a orientação jurisprudencial prevalecente é a de impor a obrigação de pagar verba equivalente a 0,5% do preço do imóvel, como substitutivo de locativo. Não há pedido nesse sentido, reitera-se. V A última parcela do pedido é a de imposição de indenização por danos morais em também tendo por suporte remoto a não entrega do lote, inibindo a construção de unidade

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