Página 311 da Judicial - 1ª Instância - Capital do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 25 de Junho de 2014

compensação do débito com os prejuízos decorrentes da não realização do negócio. Os embargos foram instruídos com procuração e documentos. Por decisão de fls.369 os embargos foram recebidos sem efeito suspensivo, porém tal efeito foi concedido liminarmente em sede de Agravo de Instrumento. Intimada, a embargada se manifestou a fls.442/463, arguindo, preliminarmente, falta de interesse de agir e inépcia da inicial, uma vez que o embargante formulou pedido condenatório nos embargos à execução, e que não cabe alegação de compensação como matéria de defesa, uma vez que eventual crédito do embargado não é líquido, certo e exigível. Outrossim, o embargante renunciou a qualquer indenização por perdas e danos em razão da não conclusão do negócio. No mérito, pugnou pela validade da nota promissória como título executivo e exigibilidade do crédito perseguido, uma vez que a embargada não descumpriu o Memorando de Entendimentos nem houve desistência imotivada de sua parte. Alega que se desejasse o Embargante poderia ter exigido a efetivação do negócio, ainda que judicialmente, nos termos do contrato preliminar, nos termos dos artigos 463 e 464, 466-A e 466-B do Código Civil, mas não o fez, preferindo desfazer o negócio. Outrossim, não havia previsão de perda do sinal por inadimplemento contratual da embargada ou por falta de acordo entre as partes, mas apenas por desistência imotivada, o que não ocorreu. Não tem cabimento, outrossim, a exceção de contrato não cumprido, uma vez que não havia contrato definitivo, bilateral e sinalagmático que estipulasse obrigações da embargada a serem cumpridas. Requer, assim, a improcedência dos embargos. O embargante se manifestou a fls.468/490. Realizada audiência de tentativa de conciliação, esta restou infrutífera (fls.511). É o breve RELATÓRIO. Fundamento e Decido. A hipótese é de julgamento antecipado do pedido, uma vez que a matéria controvertida comporta deslinde em função da prova documental já existente nos autos. Acolho a preliminar de falta de interesse de agir do embargante em relação ao pedido condenatório de pagamento da quantia indicada na inicial, uma vez que tal pedido não tem cabimento em sede de embargos à execução. No mais, a petição inicial preenche os requisitos legais, é clara, possui pedido e causa de pedir, não havendo que se falar em inépcia da inicial. Outrossim, o processo é a via adequada para o exercício da defesa de execução de título extrajudicial, e com a ressalva do pedido inadequado, presente o interesse de agir. Indefiro o pedido de reunião destes embargos com a ação anulatória da nota promissória que tramita junto à 9a. Vara Cível Central, pois o caso não é de conexão/ continência, mas sim litispendência com estes embargos, porquanto a matéria discutida naquela ação é abarcada integralmente pelo objeto desta. As demais questões preliminares suscitadas pela embargada se referem ao mérito, e assim serão analisadas. No mérito, os embargos são procedentes. Inicialmente, cumpre anotar que a nota promissória emitida em razão do contrato celebrado entre as partes está sujeita a seus termos e condições, perdendo as características de autonomia e abstração, notadamente no caso dos autos, em que não circulou. Logo, sua executoriedade depende diretamente da ocorrência de alguma das hipóteses previstas no contrato para tanto, podendo ser sua validade discutida em sede de embargos. No mais, não obstante a embargada não tenha expressamente manifestado desistência imotivada do negócio, restou claro que fez tudo que estava ao seu alcance para que os vendedores, dentre eles o embargante, acabassem por desistir de esperar pela realização do negócio - não sem antes obter lucros e vantagens com a plantação e colheita de uma safra utilizando gratuitamente as terras dos vendedores, que o permitiram diante da promessa de venda das terras e futura parceria com a embargada, promessa esta que pareceu real em razão do pagamento do sinal de 5 milhões de reais. Com efeito, da leitura do Memorando de Entendimentos firmado pelas partes em 30.11.2011 fica claro que a embargada aceitou pagar o sinal de 5 milhões de reais apenas em razão da autorização dos vendedores para utilização gratuita de 1.000 hectares de suas terras para plantio e colheita de soja (item G, fls.85 dos autos da Execução), a partir do dia seguinte, ou seja, de 1.12.2011. Estabeleceu-se, ainda, que a embargada teria direito de exclusividade de negociação com os vendedores, e que o negócio deveria ser concluído até 30.04.2012, prevendo-se o que aconteceria com o sinal pago em diversas hipóteses de não realização do negócio até tal data (item 2.2 do Memorando). Entretanto, as negociações se prolongaram por mais de um ano além da data prevista, até julho de 2013, sendo totalmente inviabilizada a conclusão do negócio diante das novas condições e óbices colocados pela embargada, que admite em sua impugnação que teve “postura incompatível com a conclusão do negócio”. E, durante todos estes meses, além dos lucros tidos pela embargada com a plantação e colheita que não nega ter realizado na terra, os pretensos vendedores, na expectativa de concluir o negócio, garantiram a exclusividade à embargada, e deixaram de utilizar suas Fazendas para qualquer finalidade, deixando, evidentemente, de auferir qualquer lucro com suas terras. Neste contexto, parece-me que houve evidente violação da boa-fé objetiva pela embargada, que aproveitou-se da justa expectativa dos vendedores para obter lucros com a utilização gratuita de suas terras, manteve exclusividade do direito de adquirir as fazendas por mais de um ano além do prazo inicial previsto, e para não perder o sinal pago, fez tudo que podia para forçar a desistência do negócio pelos vendedores. É certo que a análise superficial e simplista do caso posto, mediante um raciocínio lógico-subsuntivo dentro do sistema fechado e individualista da lei civil que preponderou nas primeiras grandes codificações que se seguiram à Revolução Francesa, conduziria à rejeição da pretensão do embargante, pois é fato que o Memorando de Entendimentos firmado pelas partes somente previa a perda do sinal pago na única hipótese de desistência imotivada do negócio por parte da embargada, o que expressamente não ocorreu. Todavia, cada vez mais o sistema jurídico privado, assim entendido como legislação, doutrina e jurisprudência, vem restringindo a soberania da autonomia da vontade e adotando as “cláusulas gerais” que na realidade são conceitos integradores do sistema, como boa-fé, lealdade, equidade, probidade, função social do contrato, etc., que permitem a construção e reconstrução de um sistema jurídico aberto, em que tais conceitos, ou princípios, devem ser observadas em todas as relações jurídicas. Seguindo esta tendência, o Código Civil de 2002 estabelece em seus artigos 113 e 422: “Art. 113 - Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” “Art. 422 - Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” Assim, eleva a boa-fé objetiva à condição de princípio geral do negócio jurídico, consagrando o princípio da eticidade na exegese da matéria, e passando a exigir que em todo negócio jurídico sejam observados princípios da lealdade, da confiança e da probidade entre as partes, desde as negociações preliminares até sua conclusão. A boa-fé já era referida no Código Civil de 1916, mas significava tão-somente a ausência de má-fé, ou seja, de dolo, da intenção de prejudicar, consistindo em um estado de consciência, à intenção do sujeito da relação jurídica. Já a boa-fé objetiva, que norteia e transforma o direito obrigacional, é um modelo de conduta social ou standard jurídico que determina que o sujeito da relação jurídica aja com honestidade, retidão, lealdade e de acordo com as legítimas expectativas do outro, em respeito à recíproca confiança incumbente às partes contratantes. Constitui um dever de cooperação, de realização de obrigações secundárias implícitas e, no fundo, de atendimento à confiança depositada por um contratante no outro, à expectativa gerada, pelo contrato, para as partes que o firmaram, ou mesmo independentemente da existência de convenção. Deste modo, o princípio da boa-fé objetiva corresponde a cláusula geral de observância obrigatória, que contém um conceito indeterminado, que irá se concretizar conforme as peculiaridades de cada caso. Sobre a boa-fé objetiva, acentua Caio Mário da Silva Pereira que “não diz respeito ao estado mental subjetivo do agente, mas sim ao seu comportamento em determinada relação jurídica de cooperação. O seu conteúdo consiste em um padrão de conduta, variando as suas exigências de acordo com o tipo de relação existente entre as partes”. (Instituições de Direito Civil - Volume III. 12ª Ed. Caio Mário da Silva Pereira e Atualizador Regis Fichtner. Biblioteca Forense Digital 2.0. 2007. Pág. 6). Araken de Assis, por seu turno, frisa as funções do princípio da boa-fé: (a) função interpretativa: o sentido e o alcance

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