Página 726 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 28 de Julho de 2014

materiais essenciais. Tal constatação, entretanto, não desqualifica a validade da primeira parte da referida cláusula, ou seja, da previsão de um prazo de tolerância definido no tempo e cuja extensão, em se considerando, uma vez mais, a grandiosidade do empreendimento, não pode ser havida como excessiva. E uma vez respeitado este prazo máximo, não seria possível atribuir à construtora ou incorporadora a condição de inadimplente. Nessa linha já se pronunciou a jurisprudência: “Indenizatória. Improcedência. Confirmação. Atraso na entrega da unidade autônoma compromissada. Não caracterização. Carência de cento e oitenta dias. Cláusula válida. Demora na obtenção do financiamento. Irrelevância. Pagamento poderia ser feito em espécie. Apelo desprovido” (TJSP Apelação n. 018XXXX-22.2011.8.26.0100 6ª Câmara de Direito Privado Relator: Fortes Barbosa j. 23/08/12). Lícito reconhecer, pois, que o prazo para entrega das chaves findou em Julho de 2012, inexistindo nos autos prova documental de que o habite-se do empreendimento tenha sido expedido até o último dia do referido mês. Aliás, de acordo com o teor de fls. 248, o habite-se foi expedido apenas em Fevereiro de 2014 . E tal atraso evidentemente justifica o reconhecimento da obrigação de indenizar da ré, sendo oportuno aqui destacar que o autor logrou demonstrar a obtenção, em Maio de 2010, de financiamento para quitação do saldo devedor originário do preço (fls. 60/88). Afaste-se eventual conjectura no sentido de que seria impossível atribuir à ré eventual responsabilidade por ter sido o atraso ocasionado pela falta de mão-de-obra qualificada e/ ou de materiais. Afinal, trata-se de acontecimento indiscutivelmente atrelado aos riscos da atividade empresarial desenvolvida pela ré, consubstanciando, pois, verdadeira hipótese de fortuito interno, inapta, por sua natureza, para romper o nexo causal. Nessa linha as ponderações do Eminente Desembargador Ênio Santarelli Zuliani (trecho extraído da obra Tratado de Responsabilidade Civil, Rui Stoco, 7ª, ed., Ed. RT, p. 181): “O caso fortuito que exclui a culpa e o nexo causal é o chamado externo. Embora o fortuito interno seja imprevisível e inevitável, como o externo, somente esse resulta de fatos estranhos ao desempenho da atividade”. No mesmo diapasão o magistério de Hamid Charif Bdine Jr. em comentário ao artigo 393 do Código Civil (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 4ª ed., Ed. Manole, p. 412): “De todo modo, nas relações de consumo, convém registrar, há casos excepcionais que se inserem no risco assumido pelo fornecedor para obtenção do resultado prometido ao consumidor. Trata-se do chamado fortuito interno, compreendido na própria atividade empresarial risco de delitos para uma empresa de segurança são previsíveis e assumidos pelo fornecedor -, de modo que sua ocorrência não será capaz de eliminar o nexo de causalidade, obrigando o fornecedor a indenizar (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. II, p. 201)”. Ainda a propósito, colhe trazer à baila precedente jurisprudencial em que abordou o tema sob o prisma da responsabilidade civil: “Acidente de trânsito - Caso fortuito - Defeito mecânico - Não caracterização - A doutrina e a jurisprudência não consideram excludente da responsabilidade civil o denominado “fortuito interno”, caracterizado por evento ligado à máquina ou ao condutor - Somente o fortuito externo seria apto a excluir a responsabilidade civil - Obrigação de indenizar subsistente - Recurso improvido” (Extinto 2º TACSP 25ª Câmara do D. Terceiro Grupo Relator: Enéas Costa Garcia j. 09/06/06). À vista desse panorama, caberá à ré arcar com o valor da multa prevista na cláusula 7.6.1 do contrato, eis que incorreu em atraso no que tange ao cumprimento de sua obrigação principal, qual seja, entregar o imóvel na data estabelecida em contrato. Tal multa, fixada à razão de 0,5% do preço indicado no item ‘4’ do Quadro Resumo, será devida a partir de Agosto de 2012 até a data da entrega do imóvel. Importante frisar que a multa anteriormente mencionada ostenta natureza jurídica de cláusula penal moratória. Isso porque dela se extrai que ao credor - no caso o comprador do imóvel - é lícito exigir o pagamento do seu valor e, sem prejuízo, o cumprimento da obrigação principal (consistente na entrega do imóvel). E esta possibilidade de cumulação é justamente uma das características que diferenciam a cláusula penal moratória da compensatória. Com efeito, nos termos do artigo 411 do Código Civil, “quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal”. Já em consonância com o artigo 410 do Código Civil, quando a multa for convencionada para o caso de total inadimplemento da obrigação, “esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor”. Pertinentes, aqui, as observações de Hamid Charif Bdine Jr. em comentário ao já citado artigo 411 do Código Civil: “Diversamente da cláusula penal compensatória, a moratória não se destina a substituir a prestação no caso de total inadimplemento. Seu objetivo é ‘punir o devedor que presta morosamente’ (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. II, p. 447), porque não substitui a prestação e tem caráter punitivo é que pode ser cumulada com a exigência da prestação. A identificação da cláusula moratória resulta do fato de ela referir-se ao descumprimento de uma cláusula contratual ou de uma de suas prestações, mas não do inadimplemento absoluto, quando haveria cláusula penal compensatória” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 4ª ed., Ed. Manole, p. 460). Inaplicável, pois, a restrição prevista no artigo 416, parágrafo único, do Código Civil. Indevido, porém, o acolhimento do pedido de indenização por danos morais. Isso porque a frustração da expectativa gerada pela contratação, isoladamente considerada, não revela magnitude bastante para ocasionar sofrimento digno de vulto, apto a romper, de forma duradoura, com o equilíbrio psicológico e/ou com o bem-estar emocional, afetando a dignidade individual. Tal situação, a meu sentir, embora evidentemente não seja desejada por aquele que a vivencia, não consubstancia grave lesão aos direitos da personalidade, representando, no mais das vezes, dissabor ou aborrecimento desprovido de maior intensidade, imprestável, como regra, para caracterização dos propalados danos extrapatrimoniais, conceituados por Sérgio Cavalieri como a “dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar” (Programa de Responsabilidade Civil, 2ª edição, São Paulo, Malheiros, Ed., p. 78). A propósito, confira-se o seguinte precedente: “Empreendimento imobiliário promovido por cooperativa habitacional. Indenizatória por danos materiais e morais, acionada por cooperado desistente. Sentença de procedência em parte, com acolhimento dos pedidos restitutório de quantia paga (na proporção de dois terços dos montantes pagos) e de dano moral. Apelação pela ré. Dano moral. Afastamento. Não ofensa à esfera psicológica da autora. Margem de relativa previsibilidade de inexecução dos negócios jurídicos. Mantida a forma de devolução das parcelas pagas, em prestação única e imediata. Sucumbência recíproca. Recurso provido em parte. Apelação adesiva da autora. Prejudicada apreciação de majoração do montante indenizatório a título de dano moral. Elevação da porcentagem a ser devolvida para o parâmetro de 90% (noventa por cento) das parcelas pagas. Retenção suficiente à cobertura de custos de administração e operação do empreendimento. Sentença mantida. Recurso provido em parte” (TJSP Apelação nº 994030454428 9ª Câmara de Direito Privado Relator: Des. Piva Rodrigues j. 18/05/10). Lembre-se que a indenização por danos morais não representa um instrumento sancionatório para comportamentos que violam os direitos dos consumidores, sendo meramente reflexa sua função inibitória. Como toda indenização, sua finalidade precípua é o restabelecimento do status quo, ou seja, a recomposição do patrimônio lesado e não a imposição de uma pena ao ofensor. Restando patenteado, conforme já asseverado, o atraso no que concerne à conclusão da obra e tendo em vista que por força do contrato de financiamento a amortização do débito se inicia apenas no mês subsequente ao término do cronograma de execução do empreendimento (cláusula sétima), faz jus o autor à restituição do valor comprovadamente pago, a título de juros e desde Agosto de 2012, com fundamento na cláusula sétima, item I, a, do contrato de mútuo. Registre-se que se as obras houvessem sido encerradas no prazo máximo estipulado, já considerada a tolerância de 180 dias, à parte autora teria sido possível iniciar a amortização do empréstimo desde Agosto de 2012, o que evitaria o

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