Página 2476 da Judicial - 1ª Instância - Capital do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 20 de Outubro de 2014

produção de prova em audiência (art. 330, I, CPC). Nos termos da Súmula 68 do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “Compete ao Juízo da Infância e da Juventude julgar as causas em que se discutem direitos fundamentais de crianças ou adolescentes, ainda que pessoa jurídica de direito público figure no polo passivo da demanda”. A pretensão da parte autora está lastreada na Constituição e na legislação infraconstitucional. A Carta Magna assim estabelece em seus artigos 208. Inciso IV, e 227, caput: Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 19.12.2006 - DOU 20.12.2006. Grifei). Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 54, inciso IV, reproduz a norma matriz. Por sua vez, assim dispõe a Lei Orgânica do Município de São Paulo em seu artigo 7º: Art. 7º - É dever do Poder Municipal, em cooperação com a União, o Estado e com outros Municípios, assegurar a todos o exercício dos direitos individuais, coletivos, difusos e sociais estabelecidos pela Constituição da República e pela Constituição Estadual, e daqueles inerentes às condições de vida na cidade, inseridos nas competências municipais específicas, em especial no que respeita a: VI - ensino fundamental e educação infantil; Parágrafo único - A criança e o adolescente são considerados prioridade absoluta do Município. O direito público subjetivo da parte autora emana, cristalino, do texto constitucional (art. 208, caput, CR), a estabelecer que o dever do Estado em matéria de educação infantil ou básica será efetivado mediante garantia de acesso. Imperativa, a redação constitucional traduz a um só tempo norma definidora de direito fundamental e comando impositivo do dever estatal de prestação positiva orientada à disponibilização de vaga a quem dela necessite. A este dever só pode corresponder o direito subjetivo do cidadão de exigir em Juízo seu cumprimento. Vale destacar que a aplicabilidade imediata do caput do artigo 208 não encontra óbice em seu parágrafo 1º (“§ 1º. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”), cuja leitura apressada poderia sugerir limitação da exigibilidade judicial ao ensino básico ou fundamental, com exclusão da educação infantil. Conforme argumentado pela Municipalidade, o direito subjetivo educacional existiria tão somente em relação ao ensino fundamental, estando a educação infantil confinada à assistência social e, logo, condicionada à disponibilidade de vagas, nos termos da política pública discricionariamente implementada pelo Poder Executivo, de acordo com as metas e diretrizes estabelecidas no Plano Nacional de Educação (Lei Federal nº 10.172/2001 e, mais recentemente, Lei Federal nº 13.005/2014). Tal interpretação não tem como prosperar, sob pena de afronta não só à imperatividade do texto constitucional nos termos expostos como, sobretudo, à primazia do mínimo existencial e à prioridade absoluta indistintamente assegurada a crianças de todas as idades, independentemente de sua fase educacional (art. 227, caput). Tem-se por mínimo existencial o conjunto de prestações materiais mínimas de que o indivíduo necessita para não estar em situação de indignidade. Núcleo essencial do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), define-se por aquilo que é imprescindível à manutenção de uma existência digna, o que, constituindo dever do Estado para com seus cidadãos, fundamenta a exigibilidade judicial (“justiciabilidade”) de prestações voltadas à sua concretização. Eis, portanto, uma consequência elementar da delimitação do mínimo existencial: a configuração do direito subjetivo à sua fruição. Nas palavras de Ana Paula de Barcellos, somente “as prestações que compõem o mínimo existencial poderão ser exigidas judicialmente de forma direta, ao passo que ao restante dos efeitos pretendidos pelo princípio da dignidade da pessoa humana são reconhecidas apenas as modalidades de eficácia negativa, interpretativa, e vedativa do retrocesso, como preservação do pluralismo e do debate democrático” (Eficácia jurídica dos princípios constitucionais O princípio da dignidade da pessoa humana, Rio de Janeiro : Renovar, 2002, p. 204/5). Tratandose de conceito jurídico indeterminado, a delimitação de sentido do mínimo existencial submete-se a influências de tempo e espaço, variando em função das circunstâncias políticas, econômicas, sociais e culturais que circundam a existência do indivíduo. Nesse contexto, afora todo o debate travado na doutrina e na jurisprudência sobre o que integra e o que não integra o mínimo existencial, à presente demanda interessa que nele se inclui, indiscutivelmente, a educação infantil. A estada em creche ou unidade pré-escolar assegura à criança existência digna para o presente e para o futuro. Vivenciar bem o hoje enquanto prepara-se para os desafios do amanhã. A instituição de ensino infantil é um local em que, na ausência dos pais ou responsáveis normalmente por motivo de trabalho , a criança dispõe de alimentação adequada e conforto. Brinca, diverte-se, desfruta da vida infantil como ela deve ser. Experimenta a sociabilidade, recebe estímulos de toda sorte por parte de educadores profissionais. Tem à sua disposição aparato material e humano que, durante a jornada laboral dos adultos, poucos lares têm condições de proporcionar. Com efeito, como conceber o pleno desenvolvimento do indivíduo, substrato indispensável para a almejada igualdade de oportunidades, sem assegurar-lhe desde tenra idade assistência material e intelectual adequadas? Como exigir bom rendimento escolar daquele que adentra ao ensino fundamental sem prévia vivência de educação infantil, sem ter recebido os devidos estímulos cognitivos e alimentação farta e balanceada, algo que, como é comum nas populações de baixa renda, a criança só encontra na creche? Como, enfim, esperar dessas crianças que se tornem adultos bem formados? Nesse contexto, privar o infante de educação infantil significa subtrair-lhe todas essas potencialidades, com efeitos irreversíveis. A mácula à sua dignidade é evidente, como o é, por conseguinte, a necessidade de se ter a prestação demandada como integrante do mínimo existencial. Outrossim, descabido falar em efeito multiplicador da decisão como óbice à tutela de direitos. Se um direito subjetivo é violado e o indivíduo lesado vem a Juízo buscar a adequada tutela jurisdicional, ao Judiciário compete concedê-la. Para tanto, é indiferente a repercussão do caso individual no âmbito da coletividade, em especial eventual fomento ao ajuizamento de novas demandas por parte de cidadãos em situação similar. Ao revés, o fenômeno representaria, isto sim, maior conscientização da população acerca de seus direitos, algo positivo para a cidadania de modo geral, jamais negativo. Pelas mesmas razões, inexiste violação ao princípio da isonomia. Se a prestação positiva estatal assegurada pelo ordenamento jurídico não é disponibilizada indistintamente à população, o que se tem é uma ofensa a direito que, como tal, pode ser reparada por iniciativa de todo e qualquer titular de direito lesado. Não há, tampouco, intromissão indevida do Poder Judiciário em área discricionária do Poder Executivo, nem quebra da tripartição dos poderes, na medida em que o exercício da jurisdição opera-se no sentido da tutela de um direito violado. À vista de lesão consumada ou iminente a direito (art. , XXXV, da CF), o Estadojuiz, em sua missão constitucional, tão somente faz cumprir a lei e a ordem constitucional. Na mesma linha, eventual cumprimento das metas de expansão estabelecidas pela política pública educacional (Plano Nacional de Educação) tampouco afasta a exigibilidade do direito individual. A rigor, não há qualquer incompatibilidade entre uma coisa e outra. Isso porque, conquanto se reconheça a progressiva ampliação da rede de ensino infantil levada a cabo nos últimos anos no Município de São Paulo, forçoso admitir que ela ainda não logrou compensar décadas e décadas de descaso, de modo que a omissão estatal ainda se configura, justificando a intervenção judicial. Nesse sentido é pacífica a jurisprudência nacional, com destaque para as súmulas editadas pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e para o precedente do Supremo Tribunal Federal que, em votação unânime, nos termos do brilhante voto do relator, Ministro Celso de Mello, negou provimento a recurso interposto pela Municipalidade de São Paulo em lide similar à presente: Súmula nº 63 do TJSP: É indeclinável a obrigação do Município de providenciar imediata vaga em unidade educacional a criança ou adolescente que resida em seu território. Súmula nº 65 do

Figura representando 3 páginas da internet, com a principal contendo o logo do Jusbrasil

Crie uma conta para visualizar informações de diários oficiais

Criar conta

Já tem conta? Entrar