Página 629 da Judicial do Diário de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (DJRN) de 24 de Novembro de 2014

mulheres. Acredito que estas são excelentes balizas para verificação da violência de gênero dentro da nossa legislação e, adequando tais marcos ao nosso caso concreto, pode ser perceber, pelas declarações contidas nos autos que o acusado Antônio Kelly da Silva e Thennyson Marcio de Brito Cavalcanti agiram, no crime de furto, em razão do gênero, ou seja, no ato de discriminação, calcado na desigualdade de gênero, fruto de uma relação de poder que, infelizmente, ainda domina nossa sociedade patriarcal. II.2 Da Prova Colhida É lição basilar do direito processual penal que, para um decreto condenatório, é necessária, inicialmente, a conjugação de dois elementos essenciais: materialidade e autoria delitivas, devidamente comprovadas. No caso em apreço, verifica-se que a materialidade restou suficientemente demonstrada através da apreensão objeto do furto, a saber, um botijão de gás, conforme termo de exibição e apreensão de fls. 26 dos autos. Quanto à autoria, a mesma é atribuída, incialmente, na denuncia, pela representante do Ministério Público a três pessoas, Thennyson Márcio de Brito Cavalcanti, Antônio Kelly da Silva e Luzimar Almeida da Silva Filho, contudo, nas alegações dos autos, a representante ministerial concluir pela não participação do terceiro acusado, Luzimar Almeida no evento criminoso e requer a sua absolvição, mesma conclusão chegada por este juízo. Realizada a instrução criminal, foram ouvidas a vítima, duas testemunhas arroladas pelo Ministério Público e interrogados os acusados, a exceção de Thennyson que, apesar de intimado, preferiu não comparecer para ser ouvido em juízo. Em juízo, declarou a vítima FRANCISCO DE BRITO CAVALCANTI, em juízo (fls. 192), que no dia dos fatos descritos na denuncia, estava em sua casa quando o policial Geraldo chegou perguntando se havia desaparecido algo de sua casa já que haviam preso dois indivíduos com um objeto que acreditava ser de sua residência. Que realizada uma busca em sua casa deu por falta de um botijão de gás, exatamente o objeto apreendido com Antônio Kelly e Luzimar. Afirmou, ainda, que o botijão quando seu filho, Thenysson Brito havia sido levado somente por Antônio Kelly e que Luzimar nada teria com o furto, pois estava apenas no lugar errado e na hora errada. Ainda segundo a vítima, Luzimar já havia fumado drogas com seu filho e Antônio Kelly. Ouvida a testemunha EVANDRO LOPES DA SILVA (fls. 192), o mesmo afirmou que é Policial Militar e estava em patrulhamento no Parque das Rosas quando avistou Antônio Kelly em companhia de Luzimar Almeida, parados, e como sabia que Kelly era usuário de drogas, resolveu ir até o local e com Kelly havia um botijão de gás que afirmava ser de sua irmã. Em seguida, afirmou a testemunha, foram até a casa da irmã de Kelly que disse que o botijão não era seu. Que Luzimar dizia que o botijão não era da irmã de Kelly, mas também não sabia de quem era. Novamente perguntado, Kelly disse que o botijão havia sido emprestado pela mãe de Thennyson e, dessa forma foram até a casa da vítima que disse que nem sabia que o botijão havia sido levado de sua casa. Mais uma vez indagado, Kelly disse que o botijão havia sido levado da casa da mãe de Thennyson, com a ajuda deste, mas sem a participação de Luzimar. Por fim, afirmou a testemunha que nunca viu o acusado Luzimar envolvido com qualquer tipo de infração penal. Interrogado em juízo (fls. 162), o acusado LUZIMAR ALMEIDA DA SILVA FILHO, afirmou que não participou do crime descrito na denuncia e praticado pelos dois outros acusados e que acredita que foi envolvido pelo fato de ter sido abordado próximo a Antônio Kelly que estava com o objeto do furto. Esclareceu, ainda, que no dia da prisão estava próximo a Antônio Kelly quando este foi abordado e os policiais acabaram levando o junto com Kelly. Ao ser interrogado (fls. 257-v), o acusado ANTÔNIO KELLY DA SILVA, afrinou que os fatos descritos na denuncia não são verdadeiros, já que não tem qualquer participação no evento criminoso descrito. Afirmou que nesse dia estava na calçada de sua residência juntamente com Luzimar, quando apareceu Thenysson dizendo que tinha botijão, de sua tia, para fazer um jogo e que após a insistência de Thenysson concorou em trocar o botijão por crack, mas que não chegou a fazer a troca porque a polícia chegou quando ia levando o botijão para aboca de fumo. O outro acusado, THENNYSON MÁRCIO DE BRITO CAVALCANTI, apesar de notificado para o seu interrogatório (fls. 145/147), preferiu não comparecer, abrindo mão de sua auto-defesa. As narrativas trazidas aos autos por esses quatro atores processuais, 01 testemunha, 01 declarante e 02 acusados, dão conta da participação de Thennyson e Antônio Kelly no crime de furto de botijão, na forma qualificada, em razão da participação de duas pessoas. O acusado Luzimar contou que Antônio Kelly estava com botijão quando foi preso e mentiu duas vezes para os policiais, primeiro dizendo que era de sua irmã e, depois, que havia sido emprestado pela mãe de Thennyson. Esta, por sua vez, declarou que seu filho havia confessado a prática do crime em concurso com Kelly, que já há dias encontrava-se em sua residência, contra a sua vontade, mas à convite de Thennyson, como quem ficava fumando crack. Antônio Kelly é um velho conhecido da polícia que afirma que o mesmo vive em bocas de fumo do bairro onde mora, enquanto Thennyson já possui diversos processos neste juízo tendo sempre a sua mãe como vítima. Já quanto a Luzimar, nada restou provado contra o mesmo. A testemunha, a declarante, assim como o interrogado não dão conta de sua participação no crime. O Ministério Público, por sua vez, requereu a sua absolvição por entender que não restou demonstrada a sua participação no crime. A Defensoria Pública apresentou as alegações finais de Thennyson Márcio de Brito Cavalcanti (fls. 217/221), pugnando pela improcedência da denuncia e absolvição do réu com a aplicação da excludente da punibilidade inserida no art. 181, II do Código Penal, pelo fato do réu ser filho da vítima. Quanto a Antônio Kelly da Silva, requereu a sua absolvição, invocando o princípio da insignificância e, no caso de condenação, que fossem reconhecidas todas as circunstancias favoráveis a acusado. Já a defesa de Luzimar Almeida, pleiteou a sua absolvição com base no art. 386, VI, do CPP. Quanto à defesa de Thennysson, invocando a aplicação do art. 181, II, do CP a caso, este juízo já se posicionou em outros julgados pela sua inaplicabilidade em caso de violência patrimonial de gênero. O discurso jurídico trazido pelo Código Penal através das imunidades penais nos crimes patrimoniais de gênero, inspirado em um modelo liberal não intervencionista, e calcado em valores morais de uma sociedade agrária e, sob forte influencia da doutrina católica da família, reforçou um modelo patriarcalista, privilegiando o sexo masculino nas relações de gênero instauradas no interior da entidade familiar, alimentando, ainda mais o ciclo de violência intra-familiar. A transformação do Estado em um modelo social de direito, adotando novas práticas sociais, permitiu, com a superação de uma concepção individualista de direitos fundamentais que estava na base do modelo liberal de família, uma maior proteção aos seus integrantes. A Constituição de 1988, adotando o princípio da dignidade da pessoa humana como vértice axiológico, garantiu a proteção da família, não como um fim em si mesmo, senão como uma entidade que existe apenas, e enquanto necessária, para a realização dos projetos materiais e espirituais de seus membros. A partir deste novo paradigma, seguindo o modelo democrático da Constituição de 1988, valorizando o princípio da dignidade da pessoa humana e, principalmente, buscando superar a ideologia da autoridade masculina, a Lei Maria da Penha (LMP) deu uma nova dimensão à proteção da mulher e, neste sentido, reforçou, a incompatibilidade das escusas absolutórias aplicadas aos crimes patrimoniais de gênero com a nossa atual ordem jurídica. Um dos autores a defender que a LMP teria revogado as imunidades penais em determinados crimes patrimoniais de gênero é Berenice Dias. A Desembargadora aposentada do TJRS afirma que a violência patrimonial, também reconhecida como violência doméstica, não sujeitaria

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