Página 607 da Judicial - 2ª Instância do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 27 de Fevereiro de 2015

autos é a ocorrência de apelação em manifesto confronto com a jurisprudência predominante. Segue a justificativa: 4- Estão presentes as condições da ação: a) Pedido juridicamente possível, porque não excluído a priori do direito positivo pátrio; b) A legitimidade ativa decorre da cidadania isto é, da pertinência à sociedade política (cf. Sérgio Sérvulo da Cunha, in Fundamentos de Direito Constitucional, 1ª edição, página 42, Saraiva, 2004) garantida por dispositivos constitucionais expressos, como adiante se verá; c) Sobre a legitimidade passiva, sabido que a complexa estrutura dos órgãos administrativos nem sempre possibilita ao cidadão identificar precisamente o órgão executivo ou agente responsável pela análise de seu pleito, assume-se o entendimento genérico, por analogia de impetrações em matéria similar, no sentido de que a autoridade coatora no mandado de segurança não é aquela que dá instruções ou edita ordens genéricas, e sim a que faz por individualizá-las, aplicando-as em concreto (STJ-RMS nº 7.164/RJ, relator Ministro Ari Pargendler). No mesmo sentido, considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução (Ag RgMS nº 4.467/DF, relator Ministro Anselmo Santiago). d) Interesse processual adequação da via eleita, condizente co’a natureza e a urgência do direito subjetivo reclamado; e) Interesse processual a necessidade de agir nestas ações decorre, via de regra, dos “gestos de omissão administrativa”. É comum, por exemplo, queixar-se o Poder Executivo, que não houve formalização de pedido administrativo, ou que não está formalizada a recusa no atendimento desse pedido. Mas lê-se nas suas defesas resistência inequívoca ao pedido do cidadão, fosse-lhe ou não apresentado o tal requerimento. Rebate-se a tese de que seria apenas do Estado (ou da União) o dever de fornecer os medicamentos pleiteados. São sujeitos passivos do direito à saúde seja em sua dimensão positiva, seja negativa, todos os entes federados. Esta regra advém da Constituição. Não se trata, porém, de solidariedade nos exatos termos da lei civil, mas de solidariedade política. Reiteradas são as manifestações do Eg. Superior Tribunal de Justiça neste sentido: A Lei 8.080/90, com fundamento na Constituição da República, classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado. 6- É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves. 7- Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de quaisquer deles no pólo passivo da demanda. 8- Recurso especial conhecido em parte e improvido (REsp 716.761/SC, relator Ministro Castro Meira, DJ 05/09/2005). Traz-se à colação ainda as lúcidas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, ao alertar que apenas mediante uma convergência de vontades e esforços (do Poder Público e da sociedade), bem como especialmente com a superação do tradicional jogo do “empurra-empurra” que se estabeleceu no nosso País (entre Estado e iniciativa privada, entre União e Estados, entre estes e os Municípios, entre Executivo e Legislativo, entre estes e o Judiciário etc) é que se poderá chegar a uma solução satisfatória e que venha a resgatar a dignidade da pessoa humana para todos os brasileiros, notadamente no que diz com a efetiva possibilidade de usufruir das condições mínimas para uma existência digna. O restante da matéria preliminar suscitada nas razões recursais pertine ao mérito do pedido, e neste contexto será apreciada. 5- Eis os principais dispositivos que embasarão este julgamento: a) Artigo , caput, da Constituição Federal, assegurador do direito à vida; b) Artigo da Constituição Federal, assegurador do direito social, dentre outros bens jurídicos, à saúde e a assistência aos desamparados; c) Artigo 196 da Constituição Federal, que consagrou o princípio da universalidade da assistência à saúde; d) Artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, atribuidor de competência comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; e) Artigo 227, caput, da Constituição Federal, que incumbiu o poder público do asseguramento dos direitos à vida, à saúde e à educação, com absoluta prioridade, à criança, ao adolescente, ao idoso e aos portadores de deficiências. Pedido bem instruído. Há certeza razoável sobre o diagnóstico clínico e suas seqüelas potencialmente incapacitantes. Presume-se a veracidade da afirmação de urgência na requisição do tratamento, suporte essencial à qualidade de vida do beneficiário. Não compete ao Poder Judiciário especular sobre a adequação da terapia preceituada droga, insumo ou procedimento à doença ou ao estado clínico do paciente. Vale aqui a responsabilidade do profissional médico signatário da requisição embasadora da causa de pedir. Fosse melhor gerida, se imperasse a cultura do resultado, a Administração poria os seus agentes em campo de imediato, evitando as teses vãs do debate judiciário, na busca de alternativas supostamente mais econômicas e de igual eficácia clínica. Presume-se por igual a hipossuficiência econômica da família. Presunção respaldada no artigo , § 1º, da Lei 1.060/50. A prestação jurisdicional reclamada está diretamente relacionada à preservação da saúde, direito universal assegurado nos artigos e 196 da Constituição da República. Reflexo imediato da proteção do direito à vida, de que trata o artigo 5º da mesma Carta. Sobre o direito à saúde, já assim se manifestou o E. Supremo Tribunal Federal: O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal, igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no artigo 196 da Carta Política que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado Brasileiro não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado (RE 267.612/RS, relator Ministro Celso de Mello). No mesmo sentido: RE nº 236.200/RS, relator Ministro Maurício Corrêa; RE nº 247.900/RS, relator Ministro Marco Aurélio; RE nº 264.269/RS, relator Ministro Moreira Alves etc. Com idêntica autoridade protegeu-se o direito à vida, contra as conveniências da Administração: Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer contra essa prerrogativa fundamental um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo uma vez configurado esse dilema que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só possível opção: o respeito indeclinável à vida (RE nº 194.674, relator Ministro Celso de Mello). Toda proteção à vida e à saúde é, por princípio, urgente. O fumus boni juris alia-se ao periculum in mora. Reporto-me à regra geral inscrita no artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil, com suporte na jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: A existência, a validade e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia do maior bem de todos, que é a própria vida (MS nº 11.183/PR, relator Ministro José Delgado). Por isso, o deferimento de antecipação da tutela não fere as restrições impostas na Lei 8.437/92. Nem há risco de usurpação da competência Administrativa. Restrição instituída por lei ordinária não prevalece sobre a garantia de acesso à justiça contida no artigo , inciso XXXV, da Constituição Federal, sobretudo quando o bem jurídico a ser defendido reside na urgência da proteção à vida e à saúde do jurisdicionado. Pensamento diverso conduziria à inconstitucionalidade do artigo da Lei 8.437/92, posto que, diante das circunstâncias consideradas nestes autos, tanto empecilho ao poder jurisdicional inviabilizaria a utilização do processo para a obtenção de um resultado útil. Decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo que não se discute, em tese, a possibilidade jurídica de se impor à Administração Pública

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