Página 2108 da Judicial - 1ª Instância - Capital do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 13 de Julho de 2015

áreas em comum são as mesmas para todas as unidades, bem como os gastos dos funcionários, manutenção, limpeza e todos os outros são os mesmos, independentemente de sua fração ideal. Alegam enriquecimento ilícito das unidades menores, que contribuem com os valores menores para a manutenção das mesmas áreas comuns o que é vetado em nosso ordenamento jurídico. Juntou documentos (fls.30/102). Devidamente citada, o requerido apresentou contestação (fls.119/130), em síntese, alegou que razão nenhuma assiste os autores, pois o réu está pautado no Código Civil, Lei nº 4.591/64 e Convenção e Condomínio, sendo certo que, além da previsão da convenção, a cobrança com base na fração ideal foi posta em votação em assembleia e a maioria optou por manter a forma atual. Réplica às fls. 160/162. É o relatório. Decido. Julgo o processo no estado em que se encontra, nos termos do artigo 330 do Código de Processo Civil. O artigo 1334 do Código Civil estabelece que: “Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará: I - a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio”. E a Lei 4.591/64 em seu artigo e § 3º estatui a elaboração “(...) por escrito, a Convenção de condomínio (...)” e também “(...) § 3º Além de outras normas aprovadas pelos interessados, a Convenção deverá conter: (...) b) encargos, forma e proporção das contribuições dos condôminos para as despesas de custeio e para as extraordinárias;” Portanto, não há dúvida de que os condôminos, por meio de assembleia, têm autonomia para decidirem sobre “a quota proporcional “, “proporção das contribuições dos condôminos”. A questão é se a assembleia pode dar uma interpretação ao termo “proporcional” de maneira a que este implique proporção em relação à fração ideal da área privativa para custeio da manutenção das áreas comuns e não a proporção do próprio rateio das despesas para a conservação das áreas comuns. É consabido que ou os condomínios têm áreas privativas de igual tamanho ou quando têm diferenças de tamanho, na maioria destes condomínios os apartamentos com áreas privativas maiores são em menor número. Disso decorre que a minoria que tem apartamento com área privativa maior estará invariavelmente sujeita à imposição da maioria que detém área privativa menor, mediante o princípio sintetizado por Shakespeare: “Justo para mim é tudo que vem em minha defesa” (personagem Edmundo, em O Rei Lear). A autonomia de um condomínio, ainda que revestida de decisão por maioria em assembleia, deve ter limites. Não se pode afrontar a lógica, a matemática, a coerência, a justiça, e a lei, simplesmente porque em algum momento foi aceito algo equivocado que se estabeleceu por meio de uma sutileza que ocasionou a prática pelo costume e que veio a ser percebido o erro só posteriormente. Como bem ensinou o jurisconsulto romano Juliano: In his, quae contra rationem iuris constituta sunt, non possumus sequi regulam iuris (Não podemos seguir a regra de direito naquelas coisas que foram estabelecidas contra a razão do direito. D.1.3.15 Iulianus Libro XXVII digestorum). Se as despesas condominiais são pagas para o custeio da manutenção das áreas comuns, como pode ter por critério o tamanho da área privativa? Para se tentar justificar tal contradição, ter-se-ia que excogitar o fato de que as áreas privativas estariam sendo manutenidas quando se faz a manutenção das áreas comuns, ou seja, haveria uma manutenção reflexa do todo comum nas partes privativas e, por serem estas desproporcionais, o rateio das despesas também deveria ser. Mas isso é um paralogismo, pois as despesas condominiais têm por finalidade a conservação da área comum e isso é que deve ser, em princípio, considerado. Outro argumento seria dizer que quem detém uma área privativa maior teria maiores condições financeiras para contribuir para a manutenção das áreas comuns, mas aí teríamos um argumento ainda mais externo à proporção do custeio da manutenção das áreas comuns, transportando-o para a condição financeira dos condôminos, que seria presumida pelo tamanho da área privativa, o que também não tem o menor condão de atender à “proporção” que a lei estabelece para o rateio das despesas condominiais. Do contrário, estar-se-ia apenas agindo como aqueles que Marco Túlio Cícero, maior orador romano, advertiu; “Existem, porém, muitos indivíduos - a bem dizer, ávidos de esplendor e glória - que tiram a uns para dar a outros. (...) isto, contudo, afasta-se de tal modo do dever que nada pode ser a ele mais adverso. (...) nenhuma coisa poderá ser generosa se não for, ela mesma, intrinsecamente justa.”. Com efeito, deve-se expurgar sutilezas sofísticas que visam a perpetuar o erro, como no caso de se impor divisão de despesas condominiais sem relação direta com a proporção dos serviços que a justificam. O jurisconsulto romano Paulo asseverou que: Contra legem facit, qui id facit quod lex prohibet, in fraudem vero, qui salvis verbis legis sententiam elus circumvenit (Age contra legem quem faz o que a lei proíbe, mas age em fraude à lei quem, respeitadas as palavras da lei, perverte o seu sentido. D.1.3.29 Paulus libro singulari ad legem Cinciam). Portanto, o termo “proporção” somente pode ser entendido na sua acepção coesa se vinculado ao objeto da proporção e não a critérios externos a este mesmo objeto, ainda que se vislumbre alguma questão tênue e meramente reflexiva. Aqui deve-se ponderar que é possível haver diferença na cobrança e ainda assim manterse a “proporção”, quando o serviço na área considerada comum seja inseparável da área privativa e implique maior execução e consequentemente custo. Explico. É possível que na pintura externa de um prédio (considerada área comum) tenha um apartamento que tome um andar inteiro, ao passo que no andar abaixo haja quatro apartamentos que equivalem àquele. Inevitavelmente, a área externa do primeiro apartamento é quatro vezes maior do que a dos demais. Logo, o valor da pintura da área externa poderia muito bem ser rateado na proporção da área externa, embora esta seja considerada comum. E isso não afronta a “proporção”, ao revés honra a mesma, pois leva a proporção à sua aplicação mais justa. Não é possível que este juízo delimite ou enumere todas as possibilidades de proporção com valores diferentes, por isso apenas ilustrei tal possibilidade para que fique bem claro que a regra é a proporção igualitária das despesas para manutenção das áreas comuns, mas pode haver situações em que essa regra seja excepcionada, desde que a área privativa implique em serviço desproporcional em razão da maior área privativa, e não apenas por existir maior área privativa sem que esta influa no custeio da manutenção das áreas comuns. Ao mesmo tempo, advirto que não se pode pretender extremismos de proporção, sob pena de se tornar litigioso todo e qualquer custeio. Para citar um exemplo desse extremo, poderíamos ter aquele que considerasse que tendo maior quantidade de moradores dentro de um mesmo apartamento, o circular dos mesmos gastaria mais o piso; logo, quando da manutenção do piso ter-se-ia que equacionar a proporção da circulação, tendo outros, ainda, que argumentariam que pouco andam no condomínio, e isso deveria ser consideado, assim por diante. Qualquer um pode imaginar a balbúrdia que seria para se estabelecer tal “rigorosismo” de proporção. Ao contrário, deve-se buscar a aurea mediocritas de Horácio, o meio termo de ouro, ou seja, o bom senso (est modus in rebus: em tudo deve haver um meio termo), e nenhuma lei fará um condomínio ter uma convivência harmoniosa se esta não vier dos próprios condôminos e daqueles que estão à frente de sua gestão, sempre com a finalidade do justo. Por fim, como a ideia de tal cobrança vinculada à fração ideal foi fomentada de forma generalizada desde a constituição dos condomínios edilícios, por uma questão prática e objetiva, a presente decisão terá caráter meramente constitutivo, até para não se onerar demasiadamente o próprio condomínio, que acreditava agir com equidade e obediência às formalidades legais, ou seja, os autores terão o direito a partir desta decisão, o que impede a eventual intenção de cobrança retroativa das diferenças. Desta feita, a procedência da ação é medida que se impõe. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial formulado por ALINNE LEE SPERCEL, MALCOLM DEPAULA SPERCEL, DANIELA PEREIRA AFFONSO LEITE, JURANDIR CARLOS LEITE FILHO, JULIANA BARROS DE CARVALHO, MAURÍCIO FERNANDES SIMÃO, GILSON BATISTA DE OLIVEIRA, GILBERTO ROSA DA SILVA, ROSIMEIRE YONERO AKAMINE, EDSON HIROSHI AKAMINE, MARIA APARECIDA FARIA DE SOUZA, GILSON ALVES DE SOUZA, CAMILA NETO FERNANDES ANDRADE, ROGÉRIO OTÁVIO ANDRADE, NÁDIA JAQUELINE DA SILVA FERREIRA e ADRIANO RODRIGUEZ GARCIA, todos representados por ALINNE LEE SPERCEL

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