Página 112 do Diário de Justiça do Estado do Amapá (DJAP) de 29 de Julho de 2015

vez rejeitada a preliminar lançada em sede de contestação, passo ao exame do meritum causae. No mérito, cumpre-nos averiguar fundamentadamente se é direito da parte autora receber adicional de atividade penosa. E compulsando os autos, verifico que a ação merece ser julgada procedente, senão vejamos. Em primeiro lugar, é imperioso destacar, que vivemos em um momento denominado pela literatura jurídica de Neoconstitucionalismo ou Constitucionalismo 2.0. Explico. Nesta fase, muitos conceitos, que antes eram rígidos, mais parecidos como verdadeiros dogmas, passaram a se tornar flexíveis, por uma interpretação sistemática da Constituição Federal, mormente, aos direitos e garantias fundamentais nela previstos. Um exemplo disso, é a posição do "princípio" no ordenamento jurídico brasileiro. Até algumas décadas atrás, "princípio" era apenas uma das formas, juntamente com a analogia e os costumes, de completar lacunas da lei, permitindo uma melhor interpretação das normas jurídicas (art. , da Decreto-Lei nº 4.657/1942). Atualmente, fundamentado nos estudos de Alexy e Canotilho, entende-se "princípio" como norma jurídica, um verdadeiro mandado de otimização que, pela sua flexibilidade interpretativa, é capaz de solucionar conflitos hermenêuticos de extrema importância, como exemplo: direito à intimidade x direito à liberdade de expressão. Um segundo exemplo, é a mudança de entendimento do STF sobre os efeitos do Mandado de Injunção pela Corte. Esse remédio constitucional é usado "sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania"(art. , LXXI, da CF). Inicialmente, o Supremo adotava posição não-concretista referente ao Mandado de Injunção, isto é, ao julgar procedente o pedido por meio deste writ, dar-se-ia "prazo razoável para o responsável pela mora legislativa sanar a omissão que obsta a efetivação do direito previsto e, ao final desse prazo, sem que a mora legislativa tenha sido afastada, ficaria autorizada ao prejudicado o exercício do direito invocado, com a liquidação por meio da via jurisdicional ordinária, nos casos de pretensão cominatória" (Rodrigo Reis Mazzei in Ações Constitucionais - Mandado de Injunção). E a reviravolta jurisprudencial ocorreu no ano de 2007 quando o STF reviu seu entendimento a respeito do tema, passando a adotar a posição concretista, segundo a qual, na falta de norma regulamentadora, cabe ao Tribunal editar o regulamento faltante para possibilitar o exercício dos direitos e liberdades que a Constituição buscou preservar. E isso ocorreu com o julgamento do Mandado de Injunção nº 670/ES, que discutia o direito de greve dos servidores públicos. Neste paradigma, a Suprema Corte, tendo constatado a inércia do Legislativo, regulamentou provisoriamente o preceito constitucional que garantia a greve no serviço público, dando-lhe concreção. Nesse entender, também pode-se citar ementa encontrada no Informativo nº 701 do STF, verbis: SEGUNDO AG. REG. NO MI N. 1508-DF RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ART. 40, § 4º, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, APLICAÇÃO DAS NORMAS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AGRAVO DESPROVIDO. Segundo a jurisprudência do STF, a omissão legislativa na regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição, deve ser suprida mediante a aplicação das normas do Regime Geral de Previdência Social previstas na Lei 8.231/91 e no Decreto 3.048/99. Não se admite a conversão de períodos especiais em comuns, mas apenas a concessão da aposentadoria especial mediante a prova do exercício de atividades exercidas em condições nocivas. Ainda, o STF tem competência para apreciar os mandados de injunção impetrados por servidores públicos municipais, estaduais e distritais. Fundamentos observados pela decisão agravada.

2. Agravo regimental desprovido. No caso debatido nos autos, requer a parte autora que seja reconhecido o direito ao adicional de penosidade. O vocábulo penoso significa difícil, que causa dor ou sofrimento. No âmbito do serviço público ele está voltado aos servidores que exercem funções em áreas de fronteira ou localidades de difícil acesso ou provimento. Está previsto no art. , XXIII, da CF/88; arts. 61, IV e 71 da Lei nº 8112/90; arts. 70, IV e 77, da Lei Estadual nº 66/93 e arts. 1º e 2º, da Portaria nº 633/2010, do MPU. Todavia, com exceção do MPU que por meio de Portaria - ato normativo infralegal - instituiu o pagamento do referido adicional aos servidores do órgão, o adicional de penosidade, embora previsto não é implantado pela "falta de lei". Observa-se que o constituinte de 1988 foi bastante elogiado à época pela vasta gama de direitos previstos na Carta Magna. Todavia, muitos deles, segundo a doutrina consolidada de José Afonso da Silva, seriam normas constitucionais de eficácia limitada que se dividiriam em normas de princípio institutivo e normas de princípio programático. De acordo com o ilustre jurista, as normas de eficácia limitada são aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incindiriam totalmente após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva aplicabilidade. Ora, com a devida vênia, em tempos de aplicação de princípios como normas jurídicas, de Mandado de Injunção com efeitos concretos e de ativismo judicial, os direitos e garantias fundamentais não podem ficar sem aplicação à espera da boa vontade dos parlamentares. Sobre isso, já afirmou o ministro Gilmar Mendes apud Edite Coutinho: "A falta de regulamentação ou de ajustamento de normas sobre determinadas matérias é questionada no Judiciário, que não pode se omitir. O julgamento desses casos, cujas lacunas legislativas existem, não é uma manifestação de desapreço pelo Congresso Nacional, mas uma tentativa de concretizar a Constituição". Ainda sobre o tema, mais tarde a autora do artigo "Ativismo Judicial e adicional de penosidade: perspectivas para concretização de direitos constitucionais"conclui:"A partir da Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário recebeu do Constituinte originário, novas atribuições, inclusive com a permissão para juízes e tribunais manterem não somente uma postura defensiva, mas, também, uma postura pró-ativa. A partir dessa nova postura do Judiciário Brasileiro é que se vislumbram novas perspectivas para a concretização dos direitos constitucionais". O que deve ficar entendido, é que a eficácia das normas constitucionais não pode depender do exclusivo interesse do Congresso Nacional em prejuízo dos direitos e garantias fundamentais. Enquanto a legislação referente ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90) demorou menos de dois anos para ser publicada (arts. , XXXII; 170,V, ambos da CF e art. 48 da ADCT), a lei que institui a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (Lei nº 9.882/99) só apareceu no ordenamento jurídico 11 anos após a Constituição Federal (art. 102, § 1º, da CF). Como último exemplo, pode-se citar que o Estatuto da Juventude, embora previsto constitucionalmente (art. 227, § 8º), estava em discussão no Congresso por mais de 10 anos e só foi votado pela pressão que as revoltas populares provocaram no Parlamento. E o direito que a parte autora busca no Judiciário é fundamental a todo ser humano - o exercício de um trabalho de forma digna. O direito ao trabalho, no âmbito constitucional extrapola o aspecto social (arts. 6º e 7º), econômico (art. 170, VIII) e da seguridade social (art. 193) e corresponde a um dos fundamentos da República (art. 1º, III e IV) além de constituir objetivo fundamental da República na construção de uma sociedade livre, justa e solidária e garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, I e II). Ademais, o direito ao trabalho está disciplinado internacionalmente na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e prevista no art. XXIII, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, verbis: "1 - Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2 - Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3 - Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e que acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social". E como direito social elementar a uma vida com dignidade, uma vez provocado, o Poder Judiciário não pode mais esperar o Legislativo romper a inércia de mais de vinte e cinco anos que o detém de legislar sobre o adicional de penosidade. Como é sabido, segundo o art. 71, da

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