Página 745 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 30 de Julho de 2015

habite-se foi expedido em dezembro de 2014, ou seja, antes da data programada. Se houve atraso na entrega das chaves, foi por culpa única e exclusiva do autor, que não quitou o preço do imóvel. Também inviável a condenação referente aos danos morais, uma vez que trata-se de mero aborrecimento. Assim, requereu a improcedência do pedido inicial. Juntou documentos (fls. 157/163). Réplica (fls. 167/174 e 271/278), alegando o autor que para a aprovação do financiamento há necessidade de individualização da matrícula, o que ainda não foi efetuado pela ré Masa. No mais, reiterou os pedidos iniciais. É a síntese do necessário. DECIDO. O processo comporta julgamento antecipado, vez que desnecessária a produção de prova oral em audiência, estando os fatos devidamente comprovados nos autos através de documentos. Presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, passo à análise do mérito, na medida em que a matéria versada nos autos está suficientemente demonstrada pela documentação encartada pelos litigantes, não demandando dilação probatória. Trata-se de ação fundada em contrato de venda e compra de unidade, em que se visa a reparação de danos materiais, consistentes em lucros cessantes decorrentes da perda do valor de locação, bem como restituição de valores relativos à comissão de corretagem. Cabe inicialmente ressaltar que o prazo para a conclusão das obras foi estipulado em maio de 2014 (fls. 24). Ressalto que há previsão no contrato, em sua cláusula V.8 (fls. 36), de uma prorrogação da entrega em até 250 dias úteis. Não se pode admitir como tolerável um prazo “extra” de 250 dias úteis (lembre-se, na prática, 1 ano) para um contrato cujo prazo inicial é o mesmo. Há entre as partes clara relação de consumo, aplicando-se as normas de ordem pública do Código de Defesa do Consumidor, como a do art. 47, que estatui que as cláusulas desses contratos serão interpretadas de forma mais favorável ao consumidor, bem como a do art. 51, IV, que reza que as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada são nulas de pleno direito. Nesse cenário, reputa-se parcialmente abusiva a cláusula em questão, devendo o prazo de tolerância nela previsto ser reduzido para 180 dias corridos, expurgando-se o restante. Nesse sentido tem decidido os nossos tribunais: “PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ATRASO NA ENTREGA DA OBRA INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES TEORIA DA IMPREVISÃO INAPLICABILIDADE. PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE TOLERÂNCIA CLÁUSULA ABUSIVA CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 3. A cláusula que faculta à construtora o adiamento da entrega da obra por doze meses após o prazo previsto, sem qualquer justificativa para tanto, é abusiva e nula de pleno direito, por configurar nítido desequilíbrio contratual, rechaçado pelo Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor. 4. Recurso do autor provido parcialmente. Recurso da ré improvido. Decisão unânime.” (TJ/DF 5ª T. Cív., Ap. Cív. nº 48.245/1998, Rel. Des. Adelith de Carvalho Lopes, julg. 08.02.1999). Na jurisprudência, tem-se admitida como válida cláusula de tolerância de 180 dias: “COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. Incorporação imobiliária Atraso na entrega da obra incontroverso. Cláusula de tolerância de 180 dias não é abusiva, sendo válida, portanto. Responsabilidade de a ré responsabilizar eventuais danos aos autores em decorrência do atraso tem início após o decurso daquele prazo previsto no contrato” (TJSP, Apelação nº 001XXXX-21.2012.8.26.0562, 1ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. PAULO EDUARDO RAZUK, j. 11.12.2012). Anote-se, por oportuno, que, respeitado entendimento em contrário, a cláusula que prevê uma tolerância de 180 dias para a entrega, em tese, não se afigura ilegal, uma vez que, em se tratando de um empreendimento de tal porte, à vista das condições relativas ao fornecimento de mão de obra e material, como referido na contestação, pode, de fato, ocorrer algum atraso na conclusão da obra, ressalte-se, dentro desse prazo de tolerância. Mas, além desse prazo, eventuais hipóteses de caso fortuito ou força maior deveriam ser devidamente justificadas e demonstradas pelas rés, não sendo trazido nenhum elemento, ainda que mínimo, aos autos para tal fim, o que, por tal circunstância, também não autoriza a dilação probatória. No caso, o prazo para a conclusão das obras foi estipulado em maio de 2014 (fls. 24), considerando uma tolerância de 180 dias, a contar de respectiva data, a conclusão da obra deveria ser feita até novembro de 2014. Assim sendo, a unidade do autor deveria ser efetivamente entregue ao mesmo em novembro de 2014, iniciando-se a mora em dezembro de 2014. Outrossim, a efetiva entrega de chaves ainda não ocorreu. Dito isso, verifico que o contrato inicial foi celebrado em junho de 2012, tendo as rés tempo suficiente para construir o empreendimento. Em contestação, a ré Masa alega que não houve atraso na entrega do imóvel, uma vez que ele ficou pronto em dezembro de 2014, com a expedição do habite-se (fls. 160), todavia, não entregou as chaves diante do inadimplemento do autor. Sem razão a requerida. Isso porque, em consonância com o documento de fls. 342, enviado pela própria ré Masa ao autor, foi informado que a individualização da matrícula estava prevista para até o dia 30/04/2015, bem como que tal procedimento é imprescindível para a obtenção do financiamento bancário. Assim, em que pese o autor não ter efetuado o financiamento no prazo pleiteado pela ré, verifico que este não foi concluído por culpa exclusiva da ré Masa, tendo em vista que o autor aguardava apenas um procedimento, que era de responsabilidade da ré, qual seja: a individualização das matriculas. Desta forma, não há que se falar de atraso na entrega das chaves por responsabilidade do autor. Nesses termos, à vista do período de atraso para entrega das chaves, não demonstrando as rés descumprimento que deva ser imputado ao autor, nem hipótese de força maior a justificar, devidamente, um atraso dessa extensão, deve ser acolhido o pedido de reparação de danos nos termos a seguir considerados. Quanto ao dano material é certo que o autor está privado da posse de seu bem, não podendo, durante esse prazo, dar a ele a destinação que entendesse pertinente, o que configura um dano. Assim, no caso, pelas circunstâncias que se extraem dos autos, fica a indenização por danos materiais fixada em 0,5% sobre o valor do imóvel constante do contrato, por mês de atraso, a partir de dezembro de 2014, até a entrega de chaves. Outrossim, o valor do imóvel deve ser considerado como sendo aquele contratado no momento de sua aquisição conforme demonstrado às fls. 24, R$ 239.388,50, e não o suposto valor de mercado do bem. Até porque, tal valor de mercado não está devidamente demonstrado nos autos, sendo, portanto, o valor mensal devido de R$1.196,94, mensais. Além disso, tais valores são devidos desde os respectivos meses, quando já deveriam ter sido pagos ao autor, diante do atraso que estava se verificando, ou seja, já serão atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar dos respectivos meses. De outro lado, com o reconhecimento dos lucros cessantes, passa não ter sentido o pedido indenizatório relacionado à aplicação da multa de 10% sobre o valor total do contrato, já que, no caso, não optou o autor pela incidência da cláusula penal como pré-fixadora de perdas e danos. Até porque, no caso em tela, o item VII.3 item k (fls. 39), prevê multa apenas no caso de rescisão do contrato motivada pelo comprador e não no atraso da entrega do empreendimento. Ainda, quanto ao dano material, é certo que o autor está privado da posse de seu bem. Ademais, verifico que em razão do atraso na entrega da obra, o autor teve que arcar com o aumento do valor do bem a ser financiado. Às fls. 25, está amplamente demonstrado os valores a serem pagos na conclusão da obra juntamente com o saldo do preço. Tendo em vista que o financiamento não pode ser efetuado em maio de 2014, por culpa das requeridas, certo é que o valor do débito para efetivo pagamento deveria ser o mesmo constante no contrato. Ocorre que o adimplemento ocorreu em julho de 2015, razão pela qual o mesmo foi efetuado em valor superior ao constante do contrato. Nesse sentido, se o atraso na entrega do apartamento se deu por culpa das requeridas, estas devem arcar com os juros cobrados. Assim, deverão as requeridas restituírem ao autor à diferença cobrada, conforme inicialmente pleiteado, devendo ser tal valor apurado em liquidação da sentença. Improcede, todavia, o pedido indenizatório, decorrente da diferença de juros na data do financiamento, em relação aos juros que seriam aplicados caso o financiamento tivesse ocorrido em maio de 2014. Isso porque, com recebimento do valor supramencionado, poderá o autor quitar antecipadamente parte do financiamento, amortizando, assim, os juros eventualmente cobrados. Por outro lado, não é lícita a imposição de obrigação de pagamento de débitos atinentes ao uso da propriedade antes da efetiva entrega

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