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4 de Maio de 2024

A compensação federal pela perda de ICMS e FPM. Como ficam as vinculações para a Saúde e a Educação?

Publicado por Flavio Toledo
há 4 meses

Flavio Corrêa de Toledo Junior

Autor de livros sobre orçamento público. Consultor da Fiorilli Software. Ex- Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)

1- Apresentação

Ao final do anterior governo, a União promoveu diminuição em receitas partilhadas (ICMS e o IPI do FPE/FPM), afetando as finanças de estados e municípios. Eis o caso, por exemplo, da menor alíquota do ICMS sobre combustíveis, item muito relevante na coleta desse tributo.

Bem por isso, o Governo Federal, mediante leis complementares, propôs-se a compensar as perdas arrecadatórias naqueles entes subnacionais.

Tendo em vista que, ao longo de 2023, a maioria dos municípios brasileiros vinha amargando contas deficitárias, entidades municipalistas pressionaram o Governo Central, logrando êxito na obtenção, ainda ao final daquele ano, de um adiantamento que somou R$ 6,7 bilhões, ou seja, R$ 4,3 bilhões ressarciram as insuficiências no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), enquanto R$ 2,4 bilhões corresponderam às perdas no Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), valor este que, em princípio, seria repassado apenas em 2024 [1].

As regras compensatórias dispõem-se nas leis complementares nº 194, de 2022 e nº 201, de 2023, dentre as quais sobressai a proporção face ao dano financeiro em cada ente federado.

Ante o fato dessa recomposição prolongar-se nos anos vindouros, este artigo debaterá se tais repasses devem atender às vinculações constitucionais, notadamente os 15% da Saúde e os 25% da Educação que abarcam, no todo ou em parte, o Fundo da Educação Básica (Fundeb).

2- A compensação federal face às perdas no Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

ICMS é o imposto estadual que grava o comércio de mercadorias e a prestação de serviços de transportes e comunicação, nisso incluído os produtos importados.

A Lei Complementar 194/2022 considerou essencial a comercialização de combustíveis, energia elétrica, comunicação e transporte coletivo, daí baixando as alíquotas de ICMS (para 17% ou 18%), o que resultou queda arrecadatória também nos municípios, pois estes recebem 25% daquele tributo.

Por isso, a União vem ressarcindo estados e municípios, desde que a perda ultrapasse 5% do ICMS arrecadado em 2021. Nos termos de outra lei complementar, a nº 201/2023, a recomposição alcançará a cifra de R$ 27 bilhões.

Em grande parte dos casos, tal valor está sendo abatido da dívida que tem o Estado com o Governo Federal, mas, ainda assim, o Estado há de enviar os 25% dos municípios. É o que se vê na seguinte passagem da Lei 194/2022:

Art. 4º As parcelas relativas à quota-parte do ICMS, conforme previsto no inciso IV do caput do art. 158 da Constituição Federal, serão transferidas pelos Estados aos Municípios na proporção da dedução dos contratos de dívida dos Estados administrada pela Secretaria do Tesouro Nacional.

Além disso, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial a certa passagem da mencionada lei, retomando as antes impugnadas vinculações em prol da Educação, Saúde e Fundeb. Eis o atual art. 5º, da Lei 194/2022:

Art. 5º As vinculações relativas ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), previstas nos arts. 212 e 212-A da Constituição Federal, bem como as receitas vinculadas às ações e aos serviços de saúde, previstas nos incisos II e III do § 2º do art. 198 da Constituição Federal, serão mantidas pelos Estados e pelos Municípios (.....) (Promulgação das partes vetadas)

Essa receita compensatória é contabilizada como Cota-Parte da Transferência da Compensação Financeira das Perdas com Arrecadação de ICMS – LC 194/2022.

Nesse cenário, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) lança a Nota Técnica SEI 3149/2023/MF [2], confirmando – como não poderia deixar de ser - a necessidade de a compensação federal suprir as vinculações constitucionais.

Assim e quanto ao ICMS recomposto, dúvida não há que essa transferência federal está, de forma inequívoca, atrelada aos pisos da Saúde (15%) e os 25% da Educação (25%) que alcançam, no todo ou em parte, o Fundo da Educação Básica – Fundeb.

3- A compensação pela perda de receita com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Repassado a cada 10 dias (decêndio), o FPM é constituído por 22,5% do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre produtos industrializados (IPI).

Tendo em mira que, em julho, setembro e dezembro, há queda na arrecadação líquida daqueles tributos, a Constituição assegura mais 3% de FPM, repassados em três parcelas de 1%, perfazendo um total de 25,5% sobre o IR e o IPI (art. 159, I, d, e, f).

Enquanto o ICMS predomina na receita dos municípios industrializados, o FPM é majoritário em 80% das municipalidades brasileiras.

O repasse do FPM se baseia em dois fatores: população do município e renda per capita do Estado, sendo o coeficiente apurado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

No tocante à recomposição em debate, a Lei Complementar 201/2023 determina que a repasse corresponda à variação negativa entre as transferências de FPM em julho, agosto e setembro de 2023 frente às cifras creditadas nos mesmos meses de 2022, sem embargo da correção monetária pelo IPCA (§ 1º, do art. 13).

E, referentemente, ao objeto deste nosso artigo: a vinculação em favor da Saúde e Educação, quanto a isso a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), mediante a Nota Técnica SEI 3.241/2023/MF [3], entende que o repasse compensatório nada mais é que uma “transferência direta e esporádica da União para atender demandas de entes subnacionais em momentos de dificuldade financeira, conhecida como Apoio Financeiro aos Estados, Distrito Federal e Municípios (AFE/AFM)”. Nesse cenário, tal ressarcimento, a ver da STN, não faz parte da cesta de impostos que financia o Fundeb e por este estará atrelado.

Contudo, aquela Nota STN não se mostra conclusiva quanto às parcelas pertencentes à Educação (25%) e à Saúde (15%), pois se limita a dizer que: “as fontes de recursos para o financiamento das ações de saúde e educação dos estados e municípios encontram-se previstas na Constituição Federal e legislação específica”.

Estribado na tal Nota Técnica, alguns tribunais de contas entendem que, diferente dos repasses ressarcitórios do ICMS, os do FPM não compõem base obrigatória para os pisos do Fundeb, Saúde e Educação, vale dizer, a compensação FPM está livre das tais vinculações [4].

Bem válida essa interpretação, vez que os municípios padecem dívidas de curtíssima exigibilidade em outros setores, havendo, além disso, dificuldade para cumprir as vinculações sobre valores entregues nos últimos meses do ano.

Por outro lado, há de se ponderar o que segue:

a) Apesar de a classificação contábil do FPM recuperado (auxílio ou apoio financeiro) divergir da que tipifica o ICMS recomposto (compensação das perdas no ICMS), em que pese essa diferenciação formal, a Educação e a Saúde são bancadas, minimamente, por receitas decorrentes de impostos, tais quais o IPI e IR, que compõem o sobredito Fundo de Participação;

b) Tanto é assim que a compensação federal se escora na queda arrecadatória do FPM em 3 meses de 2023, quando houve, vale notar, menor aplicação na educação e saúde;

c) No passado, certos auxílios financeiros da União não se basearam na variação da receita de impostos. Eis o caso dos auxílios para enfrentamento da Covid (LC 173/2020) ou do Apoio Financeiro aos Município (Lei 13.66/2018);

d) Quer no ICMS ou no FPM, a debatida compensação tem o mesmo objetivo institucional: recompor estados e municípios pela renúncia de receita do anterior governo federal, seja do ICMS, seja de componente do FPM: o IPI. Então, se incide Educação e Saúde no ICMS compensado, por simetria assim deve ser no FPM recomposto;

e) O Congresso Nacional derrubou o veto contrário às vinculações sobre o ICMS restituído (art. 5º, da LC 194/2023), nisso evidenciando a vontade parlamentar quanto ao uso das compensações a estados e municípios;

f) A Lei Complementar 201/2023 regula tanto a recuperação das perdas no ICMS quanto às frustrações na coleta do Fundo de Participação dos Municípios (FPM);

g) E tal diploma, no art. 6º, é claro ao determinar que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão cumprir as vinculações constitucionais e legais relativas à saúde, à educação e ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) no que se refere aos valores compensados por meio de abatimento de dívida ou transferência direta”;

h) Se aquele art. 6º valesse apenas para o ICMS, não haveria porque reiterá-lo na lei em questão, uma vez que a LC 194/2022 já antes assim dispusera em seu art. ;

i) A compensação do FPM é recepcionada nas mesmas contas bancárias que acolhem o FPM habitual.

Aliás, essa controvérsia é preocupação manifesta pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), pois a Nota Técnica STN 3.241/2023 é um tanto evasiva em relação aos pisos da Saúde e Educação. É o que se vê em comunicado daquela instituição: “a CNM entende que nesse contexto o posicionamento do órgão regulador (STN) não foi suficiente para dar segurança jurídica ao gestor, uma vez que não traz expressamente a natureza do recurso”.

Nesse cenário, aquela entidade municipalista aguarda posicionamento da Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), mas orienta, por prudência, que os municípios realizem as vinculações constitucionais sobre o FPM compensado, seja os 25% da Educação, seja os 15% da Saúde [5].


[1] https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/fruto-de-pressao-dos-municipios-verba-para-compensacao-d...

[2] https://www.cnm.org.br/storage/noticias/2023/Links/SEI_MGI%20-%2038802866%20-%20Nota%20Te%C2%B4cnica...

[3] file:///C:/Users/ftole/Downloads/SEI_38954441_Nota_Tecnica_3241%20 (4).pdf

[4] Vide Comunicado Audesp/TCESP nº 55/2023, in: https://www.tce.sp.gov.br/legislacao/comunicado/registro-recursos-recebidos-lc-2012023

[5] https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/tesouro-orienta-sobre-recomposicao-do-fpm-cnm-alerta-par...

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-compensacao-federal-pela-perda-de-icms-e-fpm-como-ficam-as-vinculacoes-para-a-saude-e-a-educacao/2123102011

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