Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Maio de 2024

A Convenção Internacional de Compra e Venda (CISG) se aplica ao meu contrato?

Âmbito de aplicação da CISG

há 12 dias

A Convenção Internacional de Compra e Venda, famosa por sua sigla em inglês, CISG, foi promulgada pelo Decreto 8.327, de 2014, trinta e quatro anos depois de sua celebração, que ocorreu em 1980. Tardou o Brasil, mas pelo menos ingressou no circuito internacional de países sujeitos à CISG.

Como em regra os tratados internacionais promulgados têm força de lei ordinária, a CISG funciona como se fosse uma lei ordinária. E, como toda lei, como toda norma, a CISG tem, também, um âmbito de aplicação, isto é, uma série de casos aos quais ela se aplica.

A fim de esclarecer seu âmbito de aplicação, vamos falar brevemente sobre os seus primeiros artigos, que tratam dessa matéria, mas vamos inverter a ordem, falando, primeiro, quando ela não se aplica, para, em seguida, falar de quando afinal ela se aplica.

Quando a CISG não se aplica?

Primeiramente, a CISG não se aplica a contratos em que a parcela preponderante das obrigações do fornecedor das mercadorias consistir no fornecimento de mão-de-obra ou de outros serviços (art. 3.2). Isso significa dizer que, se o comprador fornecer boa parte do insumo sobre o qual o "vendedor" irá atuar, a aplicação da CISG deve ser afastada. Seria o caso dum produtor de cacau que usasse duma fábrica no país vizinho (o Uruguai, por exemplo), para misturar a matéria-prima e efetivamente produzir o chocolate a ser vendido no Brasil. Como a obrigação do uruguaio é mais um serviço do que um fornecimento, pois ele apenas está aperfeiçoando, transformando o cacau matéria-prima, não se trata de contrato coberto pela CISG.

Além disso, ela tampouco se aplica às seguintes vendas (art. 2):

  1. mercadorias adquiridas para uso pessoal, familiar ou doméstico;

  2. em hasta pública;

  3. em execução judicial;

  4. valores mobiliários, títulos de crédito e moeda;

  5. navios, embarcações, aerobarcos e aeronaves;

  6. eletricidade.

No primeiro caso, o da venda de mercadoria para uso pessoal, se o vendedor, antes ou no momento de conclusão do contrato, não souber, nem devesse saber, que as mercadorias são adquiridas para tal uso, segue-se que a CISG se aplica mesmo assim. Veremos adiante uma disposição similar por obra do art. 1.2.

A CISG tampouco se aplica à responsabilidade do vendedor por morte ou lesões corporais causadas pelas mercadorias a qualquer pessoa (art. 5). Aqui nos referimos por exemplo nas hipóteses de fato do produto, que ficam, por isso, cobertas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Enfim, embora a CISG se aplique sobre contratos de compra e venda, ela não os abrange por inteiro, pois regula apenas a formação do contrato e os direitos e obrigações dele emergentes (art. 4.1), por isso, ela não dispõe sobre (art. 4.2):

  1. a validade do contrato ou de qualquer das suas cláusulas, bem como a validade de qualquer uso ou costume;

  2. os efeitos que o contrato possa ter sobre a propriedade das mercadorias vendidas.

Quando a CISG se aplica?

Pois bem, a CISG se aplica aos contratos de compra e venda de mercadorias entre partes que tenham seus estabelecimentos em Estados distintos:

  1. Quando tais Estados forem Estados Contratantes; ou

  2. Quando as regras de direito internacional privado levarem à aplicação da lei de um Estado Contratante.

No primeiro caso, ambos os Estados são signatários da CISG e ela está em pleno vigor em suas respectivas jurisdições. É o caso dum contrato entre partes do Brasil e da China. A doutrina chama essa hipótese de aplicação automática da CISG.

No segundo caso, as regras de direito internacional privado podem levar a que a lei dum Estado signatário da CISG seja a lei aplicável ao contrato.¹ Como o tratado se torna lei do Estado signatário, segue-se que, também por força do art. 1.1.b, será a lei aplicável por obra do Direito Internacional Privado. Seria o caso dum contrato entre partes no Brasil e na Inglaterra, pois a Inglaterra não é signatária da CISG, mas, se por regras de Direito Internacional a lei aplicável for a brasileira, segue-se que a CISG será aplicável a um contrato com parte inglesa mesmo que a Inglaterra não seja parte contratante do tratado.²

A CISG define os contratos de compra e venda como os contratos de fornecimento de mercadorias a serem fabricadas ou produzidas. Se a parte que as encomendar tiver de fornecer parcela substancial dos materiais necessários à fabricação ou à produção, então, não são contratos de compra e venda e a Convenção não se aplica ao caso (art. 3.1). Por conseguinte a CISG não se aplicaria à exportação para conseguinte importação do bem manufaturado, como adiantamos quando da explicação do art. 3.2.

Para que a CISG se aplique, é necessário que a internacionalidade do contrato seja aparente. Por isso, os estabelecimentos comerciais das partes estarem em Estados distintos não será levado em consideração quando tal circunstância não resultar do contrato, das tratativas entre as partes ou de informações por elas prestadas antes ou no momento de conclusão do contrato (artigo 1.2).³ O objetivo dessa regra é a de que a CISG não é aplicável se o caráter internacional do contrato não for aparente. Um exemplo disso seria a contratação dum fornecedor via comissário. O comissário atua em nome próprio à conta do comitente ( CC, art. 693). Desse modo, um comissário brasileiro que vá comprar carne de gado na Argentina, atuando, por ser comissário, em nome próprio, travará com o vendedor argentino um contrato ao qual a CISG não se aplicará de modo automático, pois o caráter internacional do contrato não é aparente.

Além disso, a nacionalidade das partes nem o caráter civil ou comercial das partes ou do contrato não serão considerados para a aplicação da CISG (artigo 1.3). Ou seja, a CISG não é exclusiva de contratos empresariais.

Conclusão

Em suma, para aplicação da CISG, precisamos nos perguntar, dum lado, sobre a jurisdição, doutro, sobre o contrato em si mesmo.

Sobre a jurisdição

  1. As partes contratantes estão em Estados distintos?

  2. Se sim, a Convenção é aplicável em ambos os Estados?

  3. Se não, as regras de Direito Internacional Privado atrai a aplicação da lei dum Estado ao qual a CISG se aplique?

Sobre o contrato

  1. A mercadoria é alguma das expressamente vedadas?

  2. Se não for mercadoria vedada, o vendedor fornece mais mão-de-obra do que produto?

  3. Se o vendedor não fornece mais mão de obra do que produto, o comprador ainda assim fornece parcela substancial da mercadoria ao vendedor?

A resposta a essas questões nos permitirá concluir se o contrato é internacional e se é de compra e venda. Se ambos for, aplica-se a Convenção em princípio.

Entre em contato se tiver dificuldades para aplicação da Convenção ou não souber como solucionar o conflito do seu contrato internacional.

Referências

¹ A CISG também pode ser aplicável por eleição das partes ainda que nenhum dos países dos contratantes seja signatário da Convenção, mas isso pressupõe que o foro eleito permita a eleição da lei.

² Nem todo país, porém, se vinculou a essa regra. É o caso dos seguintes: Armênia, China, Eslováquia, Laos, São Vicente e Granada, Singapura e EUA. Ao ratificar a Convenção, a Alemanha declarou que tampouco aplicaria o art. 1, § 1 (b) em relação aos países que não se vincularam a essa disposição. Inclusive por esse motivo, a Justiça Federal americana negou competência para julgar caso envolvendo a CISG (CLOUT issue 55, case 616, p. 13).

³ O texto da Convenção em inglês é o seguinte: "The fact that the parties have their places of business in different States is to be disregarded whenever this fact does not appear either from the contract or from any dealings between, or from  information disclosed by, the parties at any time before or at the conclusion of the contract".

  • Sobre o autorOrientação jurídica para importação e exportação
  • Publicações76
  • Seguidores24
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações1192
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-convencao-internacional-de-compra-e-venda-cisg-se-aplica-ao-meu-contrato/2436828451

Informações relacionadas

Clm Controller System
Artigoshá 11 dias

Desvendando o Domicílio Judicial Eletrônico

Luiz Armando Carneiro Veras, Advogado
Artigoshá 11 dias

O empregador pode demitir por causa do cabelo?

Alessandra Strazzi, Advogado
Artigoshá 11 dias

Honorários Previdenciários: existe um limite máximo?

Luís Mutinelli, Advogado
Artigoshá 12 dias

Reconhecimento e Dissolução de Uniões Poliafetivas no Brasil: Uma Perspectiva Jurídica.

Jusbrasil, Advogado
Artigoshá 17 dias

Pesquisa Jurídica | Conheça a assinatura do Jusbrasil para profissionais do Direito

1 Comentário

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Embora ela seja aplicada em alguns países e outros não, é um acordo de compra e venda, que precisa ser acordados em ambas as partes de interesses de negócios, sua abrangência poderia ser maior para dar maior viabilidade de fechamentos de acordos. continuar lendo