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17 de Junho de 2024
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    A imprescindibilidade de remição da pena dos presos brasileiros e o novo COVID-19

    Publicado por Lucas Marques
    há 4 anos

    A população carcerária brasileira triplicou nos últimos 20 anos[1]. Atualmente, o número varia entre 773.151 mil presos, segundo o Infopen 2019[2], e 812.564 mil presos, segundo o Banco de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”)[3]. De todo modo, o que não se questiona é o aumento rápido e violento dessa população diante da lógica e do discurso cada vez mais punitivo do Estado brasileiro que levou o país a se tornar a 3ª maior população carcerária do mundo[4], mesmo sendo o 6º país mais populoso do planeta[5].

    Na mesma velocidade em que a população carcerária vem aumentando, crescem também as violações aos padrões mínimos de humanidade dentro dos presídios do país, tema que acabou chegando em 2015 ao Supremo Tribunal Federal (“STF”) por meio da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPF”) nº 347/DF ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (“PSOL”) e com relatoria do Ministro Marco Aurélio.

    O plenário do STF acolheu o pedido de medida de urgência da ADPF, concluindo pelo estado inconstitucional dos presídios brasileiros. Aduz que no sistema prisional brasileiro ocorrem violações generalizadas de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez e integridade psíquica. Por fim, alude que as penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios converter-se-iam em penas cruéis e desumanas[6].

    Destaque para o voto do Ministro Relator que asseverou de maneira eloquente: “no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se “lixos dignos do pior tratamento possível”, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre.”[7].

    Em 2017, o plenário do STF definiu durante o julgamento do Recurso Extraordinário nº 580.252/MS, com repercussão geral reconhecida, que o preso submetido a situação degradante e a superlotação na prisão tem direito a indenização do Estado por danos morais[8].

    A maioria do plenário acompanhou o voto do Ministro relator Teori Zavascki (falecido) a fim de afirmar a seguinte tese: “Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento.”

    Necessário ressaltar que durante a apreciação do referido recurso, o Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto, propôs que ao invés da indenização pecuniária o Estado fosse obrigado a remir a pena do preso exposto às situações degradantes. Nesse sentido, sugeriu a fórmula de redução de um dia de pena por 3 a 7 dias cumpridos em condições desumanas, sendo sua proposta acompanhada pelos Ministros Luiz Fux e Celso de Mello.

    No atual cenário de pandemia mundial decorrente do COVID-19, a questão carcerária voltou a ter destaque e lugar nas manchetes dos grandes jornais e telejornais do Brasil e do Mundo. Até mesmo o Papa Francisco declarou preocupação com o tema: “Eu queria que hoje rezássemos pelo problema de superlotação dos presídios. Onde há superlotação, tanta gente, há o perigo de que essa pandemia acabe em calamidade grave”[9].

    No Brasil, logo no início da crise, dia 17/03/2020, o CNJ emitiu uma recomendação a tribunais e magistrados para adoção de medidas preventivas à propagação do novo coronavírus no sistema de justiça penal e socioeducativo[10].

    Contudo, decorrido quase um mês e meio, o que se vê até o momento são poucas ações efetivas, um aumento exponencial de presos contaminados pelo COVID-19[11], manutenção da superlotação carcerária e adoção de medidas arbitrárias, como: proibição de visitas, jumbos, advogados e isolamento por 14 dias de todo e qualquer preso que for incluído na unidade prisional (Resolução nº 4 do Conselho Nacional de Política Criminal e penitenciária[12]).

    Para se constatar o quadro descrito acima basta acessar o painel de monitoramento desenvolvido pelo DEPEN[13] e verificar que até o momento foram feitos 4873 testes nos presídios brasileiros, constatando 43 óbitos, 922 suspeitas e 1265 confirmações (29/05/2020). Números esses, no mínimo contestáveis frente a informação dada pela Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal dando conta que só no Complexo Penitenciário da Papuda (DF) já foram confirmados 245 infectados pelo COVID-19[14]

    Desse modo, diante do descaso do Estado brasileiro em melhorar a situação dos presídios brasileiros e a reluta incessante para soltar os presos de grupo de risco ou de baixo potencial ofensivo; do agravamento diário do COVID-19 dentro e fora dos presídios brasileiros; da grave recessão econômica que o país e o mundo irão enfrentar; de todo o precedente jurídico-legislativo apresentado; e do estado inconstitucional dos presídios brasileiros, conclui-se que o Estado brasileiro é objetivamente responsável por todas essas afrontas a dignidade humana e, no mínimo, deve ser obrigado a remir a pena de todos os presos expostos a superlotação, principalmente, durante a crise do COVID-19.

    A ideia de remição de pena frente a superlotação carcerária não é nova. Ao contrário, desde 2013 tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei do Senado (“PLS”), de autoria do Senador Renan Calheiros (“MDB/AL”)[15], que visa adicionar ao art. 41 da Lei de Execucoes Penais (Lei 7.210/84) o direito a obtenção de progressão de regime antecipada ao preso em presídio superlotado.

    O projeto já foi aprovado no Senado e está paralisado na Câmara dos Deputados desde 2017. Além desse projeto, destaca-se também o PLS 576/2015, de autoria do atual Presidente do Senado Davi Alcolumbre (“DEM”), que obriga expressamente a remição de 1 dia de pena por 15 dias de permanência em presídio superlotado ou, subsidiariamente, a indenização pecuniária[16].

    A obrigação do Estado em remir a pena encontra escopo prático na resolucao de 22 de novembro de 2018 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Instituo Penal Plácido de Sá Carvalho (RJ)[17], onde a corte deliberou a necessidade de cômputo em dobro para cada dia cumprido no local. A decisão poderia ser usada como parâmetro mínimo neste momento.

    Não obstante, destaca-se a proposta do Ministro Luís Barroso, em seu voto no RE nº 580.252/MS, que em analogia ao art. 126 da LEP sugeriu a detração de 1 dia de pena por 3 a 7 dias cumpridos em condições desumanas.

    Ainda, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado em 1992 no Brasil[18], garante em seu art. 9, item 5: “Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegais terá direito à compensação.”

    Por fim, necessário dizer que a remição não trará justiça, tampouco dignidade aos presos diariamente submetidos a situações degradantes nas masmorras brasileiras. Contudo, a responsabilização do Estado e, consequentemente, a remição de pena dos encarcerados pode ser um precedente importante para o início da reforma do sistema penitenciário.


    [1] https://www.gazetadopovo.com.br/republica/populacao-carceraria-triplica-brasil-2019/

    [2]https://www.novo.justiça.gov.br/news/depen-lanca-paineis-dinamicos-para-consulta-do-infopen-2019

    [3]https://g1.globo.com/política/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-menos-812-mil-presos-no-pais-415percent-nao-tem-condenacao.ghtml

    [4] https://www.cartacapital.com.br/sociedade/brasil-terceira-maior-populacao-carceraria-aprisiona-cada-vez-mais/

    [5] https://www.cartacapital.com.br/sociedade/brasil-terceira-maior-populacao-carceraria-aprisiona-cada-vez-mais/

    [6] http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo798.html

    [7]https://s.conjur.com.br/dl/adpf-situacao-sistema-carcerario-voto.pdf

    [8] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=336352

    [9] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2020/04/06/papa-alerta-para-risco-de-calamidade-em-prisoes-por-covid-19.htm

    [10] https://www.cnj.jus.br/covid-19-cnj-emite-recomendacao-sobre-sistema-penalesocioeducativo/

    [11] https://ponte.org/casos-de-covid-19-em-prisoes-vao-de-1a107-em-20-dias-com-7-mortes/

    [12] http://depen.gov.br/DEPEN/depen/cnpcp/resolucoes/resolucoes-2020-1/Resoluon4de23deabrilde2020visitavideoconferenciaCOVID19.pdf

    [13]https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYThhMjk5YjgtZWQwYS00ODlkLTg4NDgtZTFhMTgzYmQ2MGVlIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9

    [14] https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/05/01/infectados-pelo-coronavirus-na-papuda-chegama245-um-policial-penale7-presos-estao-internados.ghtml

    [15] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115665

    [16] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/122952

    [17] http://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/placido_se_03_por.pdf

    [18] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm

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