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27 de Maio de 2024

A questão da aplicação do princípio “in dubiopro societate” no rito do Tribunal do Júri.

Publicado por Igor De Melo Pereira
há 4 anos


11 de Agosto de 2020 se comemora mais um ano da Advocacia Brasileira. “Feliz dia do Advogado!”, externam milhares em suas diversas redes sociais.

Hoje, na data nacional comemorativa da advocacia, recebo a notícia de que o Superior Tribunal de Justiça entendeu que em caso de dúvida sobre a autoria de crime de competência do Tribunal do Júri, aplica-se o princípio do “in dubio pro societate”, encaminhando, desta forma, a dúvida para ser sanada pelo conselho de sentença.

Não é de hoje que parcela da doutrina brasileira compreende pela existência desse princípio e por sua aplicação na fase de pronúncia do júri. No entanto, defendo a sua inconstitucionalidade, uma vez que o princípio em questão é herança de uma época inquisitorial, não devendo ocupar morada após a promulgação da Constituição de 1988.

É um tema que me move e incomoda. Quis falar sobre. Pensei em gravar um “IGTV” ou escrever na legenda de uma foto no Instagram. Acontece que o espaço oferecido pelo Medium tem se mostrado de grande valia, pelo que resolvi inaugurá-lo.

Para não perder o foco, voltemos ao tema. Em síntese, seguindo as diretrizes do art. 413 do Código de Processo Penal, o juiz deverá pronunciar o acusado se convencido da existência da materialidade do fato e de existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

A 6ª turma do STJ entendeu que se houver dúvida em cima da existência de materialidade e dos indícios de autoria, o réu deve ser pronunciado, vez que a decisão de pronúncia é mero juízo de admissibilidade, imperando, deste modo, o princípio do n dubio pro societate¹.

Após 1988 impera em nosso ordenamento jurídico os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, não havendo nenhum espaço para aplicação do in dubio pro societate, princípio este de criação inquisitória e de aplicação incompatível com a estrutura das cargas probatórias definida pela presunção de inocência. Em razão disso, os dois primeiros princípios não podem nem devem ser afastados no rito do Tribunal do Júri².

Corroborando o nosso entendimento, elucida Rangel:

“chamado princípio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não pode autorizar uma acusação, colocando uma pessoa no banco dos réus. (...) O Ministério Público, como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis, não pode, com base na dúvida, manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal.”. ³

Enfatiza-se que o Processo Penal não é instrumento da sociedade em defesa dos acusados, uma vez que estaríamos recordando tempos medievos e legalizando o arbitrário. O Processo Penal é, acima de tudo, instrumento de defesa do cidadão, frente ao abraço do povo estatal, com fim de se evitar injustiças. Inclusive, faz bem recordar a famosa frase de Goldschmidt, quando disse que o processo penal de uma nação é um termômetro de sua democracia.

Não há nenhum espaço no processo penal, tampouco previsão legal, que fundamente a aplicação do famigerado princípio. Analisando o artigo 413 do Código de Processo Penal, percebe-se que o codex é claro ao determinar que o réu deve ser pronunciado caso o juiz esteja CONVENCIDO da existência de materialidade e de indícios suficientes de autoria.

Não se discute aqui se a fase de pronúncia é ou não juízo de admissibilidade. Pois é claro que é. No entanto, para que se pronuncie, o Código e o sistema principiológico vigente exige a certeza da existência dos requisitos. Portanto, caso haja dúvida sobre a existência da materialidade e dos indícios de autoria, aplica-se os princípios constitucionais e vigentes, qual seja presunção de inocência e in dubio pro reo.

Com respeito às opiniões divergentes, a questão é simples e de respeito ao Estado Democrático de Direito. Entender pela aplicação do princípio do in dubio pro societate é andar na contramão dos avanços civilizatórios.

Enfim, é importante que se discuta as questões indigitadas, principalmente no dia de hoje, símbolo da advocacia brasileira, profissão que historicamente representa os mais diversos avanços da humanidade, bem como, por compreender que “a advocacia é o confronto direto entre a civilidade e o arbítrio”.

1. https://www.conjur.com.br/2020-ago-11/pronuncia-juri-obedece-in-dubio-pro-societate-stj

2. Direito processual penal / Aury Lopes Junior. – 17. ed. – São Paulo : Saraiva

Educação, 2020.

3. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 6. ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002. p. 79.

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