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24 de Maio de 2024

Algumas breves considerações acerca do crime de roubo

(ou como não confundir roubo e furto)

Publicado por Marcio de Souza Neves
há 4 anos

Mesmo os mais experientes juristas (delegados, promotores, advogados, juízes) por vezes se confunde no momento da tipificação do crime, e esta confusão é comum entre os crimes de Furto (art. 155) com o Roubo (art. 157) devido a linha que separa cada crime ser muito tênue em ocasiões especiais.

O crime de furto é descrito como subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel (art. 155 CP) já o roubo é a conduta de Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência (art. 157 CP). Até este ponto é fácil diferenciar os crimes logo que inexistindo a violência temos o crime de furto e com violência ou grave ameaça temos o crime roubo. A confusão ente os crimes começam quando vamos analisar as demais circunstâncias existentes no art. 157.

Analisaremos abaixo, ponto a ponto, o crime de roubo para entender e diferenciar as condutas para uma correta compreensão.

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência

A primeira parte do artigo 157 nos remete ao crime de furto (Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem) e o que torna roubo é o acrescimento de circunstâncias “mediante a grave ameaça ou violência a pessoa”, aliás importante salientar que a ameaça, além de ser grave, e a violência tem que ser contra a pessoa ou por via reflexa, como já foi decidido inclusive em julgado.

Se a violência empregada pelo agente dirigiu-se finalisticamente à coisa alheia móvel que se visava subtrair, não tendo a vitima sido ameaçada ou agredida durante ou após a tentativa de subtração, não há falar-se na configuração das elementares do crime de roubo, devendo a imputação ser desclassificada para o injusto de furto.” (STJ - REsp: 1653488 MG 2017/0029024-8, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 06/03/2017)

Portanto para se configurar o crime de roubo a ação tem que estar amoldar as circunstâncias nucleares subtrair (portanto a pessoa não pode ter entregue de livre e espontânea vontade), coisa móvel (diferente do código civil coisa móvel é tudo aquilo que pode ser transportado) alheia (portanto não é possível a subtração de bem próprio) mediante a grave ameaça ou violência a pessoa (portanto a violência não pode ser dirigida ao objeto) ou ainda reduzir à impossibilidade de resistência da vítima.

A violência, descrita no artigo é classificada, pela doutrina, como violência própria e violência imprópria, sendo que a violência própria ainda tem uma sub-classificação em violência própria direita e violência própria indireta.

violência própria direita: quando o autor do delito para consumar o crime de roubo pratica a violência contra a vítima. Ex. para roubar o celular o agente desferi golpes contra a vítima

violência própria indireta: quando o autor do delito para consumar o crime de roubo pratica a violência contra alguém próximo vítima. Ex. para roubar o celular o agente desfere golpes contra a namorada da vítima.

violência imprópria: Está alocada na segunda parte do caput do art. 157 (reduzindo à impossibilidade de resistência), é quando o autor do delito antes mesmo de efetuar a subtração retira a resistência da vítima. Ex. a vítima é drogada pelo agente.

A violência imprópria é facilmente confundida com furto por não ter violência ou grave ameaça contra a pessoa de imediato, mas o crime é de roubo logo que com a ação o autor do delito, através de artifícios, criou um modo de dificulta a defesa da vítima.

Veja abaixo decisão do tribunal de justiça do distrito federal

O contexto probatório demonstrou que, durante um encontro, o réu forneceu uma bala comestível contendo substância sedativa à vitima que, após ingeri-la, ficou sonolenta e sem possibilidade de resistir à subtração de seus pertences. Portanto, não há que se falar em insuficiência probatória. (TJ-DF 20171410041357 DF 0003929-37.2017.8.07.0014, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 18/07/2019, 1ª TURMA CRIMINAL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 29/07/2019 . Pág.: 181 - 190)

Contudo não é necessário que haja violência para a configuração do crime de roubo, conforme o verbo imantado no corpo do art. 157, o roubo também se dá quando tem a existência de ameaça. Abaixo decisão do tribunal do Rio de Janeiro acerca do tema

Configurada a grave ameaça, consistente na simulação de porte de arma de fogo e nas palavras intimidantes proferidas pelo Apelante, como forma de garantir a subtração da res furtiva, não merecendo, portanto, agasalho o pleito de desclassificação do delito para o de furto. (TJ-RJ - APL: 00028651420178190028 RIO DE JANEIRO MACAE 2 VARA CRIMINAL, Relator: ANTONIO JOSÉ FERREIRA CARVALHO, Data de Julgamento: 13/03/2018, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 16/03/2018)

Mas para ser válida a ameaça tem que ser imediata e verossímil e deve incutir na vítima um temor real. Ex. o autor do delito com uma arma na mão ameaça a vítima.

Abaixo a decisao do tribunal de justiça da Bahia acerca do assunto.

Ademais, a grave ameaça pode ser empregada de forma velada, configurando-se, isso sim, pelo temor causado à vítima, o que leva a permitir que o agente promova a subtração sem que nada possa a pessoa lesada fazer para impedi-lo. (Precedentes). III - Dito em outras palavras, a grave ameaça é a violência moral, a promessa de fazer mal à vítima, intimidando a, atemorizando a, viciando sua vontade de modo a evitar um eventual reação (Luiz Régis Prado in "Curso de Direito Penal Brasileiro - Vol. 2", Ed. RT, 5ª edição, 2006, pág. 418). É necessário que a ameaça seja bastante para criar no espírito da vítima o fundado receio de iminente e grave mal, físico ou moral (Nelson Hungria in"Comentários ao Código Penal - Vol. VII", Ed. Forense, 4ª edição, 1980, pág. 54). Não se exige, contudo, o propósito, por parte do agente, de cumprir verdadeiramente a ameaça, nem que ela possa ser cumprida, basta que, no caso concreto, ela seja idônea para constranger e intimidar o ofendido (TJ-BA - APL: 03036122120148050080, Relator: Mário Alberto Simões Hirs, Segunda Câmara Criminal - Primeira Turma, Data de Publicação: 19/08/2016)

Roubo Impróprio

O parágrafo primeiro do art. 157 traz a figura do chamado roubo impróprio, que ocorre quando o agente está praticando o furto e por alguma circunstância, após realizado o feito, emprega violência contra a pessoa para assegurar sua impunidade.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

Este crime é facilmente confundido com furto logo que o roubo não foi realizado com uso da violência ou ameaça, mas esta foi utilizada após o furto para a garantia de permanecer com a res furtiva.

Esta tipificação costuma apresentar alguns problemas logo que a priori o agente estava realizando uma ação de furto e logo em seguida emprega a violência para assegurar o feito, muitas vezes, erroneamente, é tipificado como furto.

Contudo para caracterizar o roubo impróprio a violência contra a pessoa tem que ser praticada para assegurar a posse da res furtiva, caso a res já esteja sob o domínio do roubo e o agente decida, sem motivo aparente, praticar a violência temos outro crime.

Abaixo dois julgados que explicitam bem a diferença entre o furto e o roubo impróprio. No primeiro julgado fica evidente como se opera o roubo impróprio, já no segundo julgado demonstra como o crime deve ser desclassificado de roubo impróprio para furto.

Ex. 1
Caracteriza-se o delito de roubo impróprio quando o agente usa violência após a subtração da res, garantindo a impunidade do crime (TJ-MG - APR: 10024170718738001 MG, Relator: Pedro Vergara, Data de Julgamento: 01/10/2019, Data de Publicação: 07/10/2019)
Ex. 2
Considerando que as acusadas subtraíram a res furtiva valendo-se de dissimulação e, apenas ameaçaram a vítima em momento posterior à subtração, quando sequer estavam na posse do bem subtraído, deve ser mantida a sentença que desclassificou o crime de roubo impróprio para furto qualificado. (TJ-MG - APR: 10521120049775001 MG, Relator: Denise Pinho da Costa Val, Data de Julgamento: 04/12/2018, Data de Publicação: 14/12/2018)

Causas de aumento da Pena (majorantes)

Nos parágrafos 2º, 2º A e 2º B estão elencadas as causas de aumento de pena, que variam, parágrafo 2º de 1/3 até a metade, parágrafo 2º A até 2/3 e no parágrafo 2º B até o dobro da pena.

O aumento incide, pelo sistema trifásico, na terceira fase (causa de aumento ou diminuição de pena). Quanto maior o número de circunstâncias integrarem a ação, maior será o aumento da pena, mas sempre de modo fundamentalmente concreta, conforme súmula do STJ

Súmula 443 - O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes.

São circunstâncias majorantes

§ 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade:
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
VII - se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca;
§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;
II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
§ 2º-B. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo

Roubo qualificado por lesão corporal grave ou morte (latrocínio)

O parágrafo terceiro trata da forma qualificada mais grave do roubo sendo que:

§ 3º Se da violência resulta:
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa;
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.

Se da violência empregada, do caput do art. 157, resulta lesão corporal grave (torne a vítima incapacitada para suas atividades habituais por mais de 30 dias; gere perigo de vida, gere debilidade permanente de um membro, sentido ou função; e as que acelerem o parto) a pena mínima será de 7 anos, contudo se o resultado for de morte a pena inicial é de 20 anos.

O autor do Roubo, com lesão corporal grave ou morte, somente poderá ser responsabilizado se o resultado for, pelo menos, previsível. Portanto se durante o roubo a vítima vier a falecer de ataque cardíaco o agente somente responderá responder por roubo, conforme decisao do tribunal de justiça do Paraná que trouxemos abaixo

Considerando que muito embora exista conexão causal entre a ação do agente e o resultado morte da vítima (causa do resultado, art. 13,"caput", CP), este resultado não lhe pode ser imputado por configurar causa relativamente independente (art. 13, § 1º, CP), notadamente porque (a) o réu não criou dolosamente risco específico para a saúde interna da vítima com a ação que praticou, (b) o suposto infarto sofrido pela vítima não é conseqüência específica do risco criado pelo réu, (c) a morte constituiu desvio causal imprevisível e desproporcional à ação praticada, e ainda, (d) a articulação dos fatos demonstra que a ação praticada pelo réu não tinha por objetivo a morte da vítima. (TJ-PR - ACR: 7152792 PR 0715279-2, Relator: Marques Cury, Data de Julgamento: 16/12/2010, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 549)

Para a correta capitulação do latrocínio é importante saber o exato momento da consumação.

Caso o agente cometa a ação:

1 - Homicídio consumado e roubado consumado = Latrocínio consumado

2 - Homicídio tentado e roubo tentado = Latrocínio tentado

3 - Homicídio consumado e roubo tentado = Latrocínio (o bem jurídica vida é mais relevante).

Conforme a sumula 610 do Supremo Tribunal Federal

Súmula 610: Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.

4 - Homicídio tentado e roubo consumado = Latrocínio tentado

Abaixo julgamento do Tribunal de justiça do Espírito Santo

o entendimento de que é plenamente possível a ocorrência do latrocínio em sua forma tentada, ainda que não se obtenha o resultado morte ou a existência de qualquer lesão, desde que haja inequívoca demonstração no caso concreto de que o agente tenha atuado com a intenção de matar a vítima ao praticar a conduta delitiva, não obtendo o resultado morte por circunstâncias alheias à sua vontade. (TJ-ES - APR: 00166339520168080012, Relator: ADALTO DIAS TRISTÃO, Data de Julgamento: 12/02/2020, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 14/02/2020)

Estas foram apenas breves considerações. É importante muita atenção no momento da capitulação do crime; até os profissionais mais experientes por vezes comete erro. A correta capitulação inicial facilita a vida de todos que vão seguir tratando o processo adiante.

Observação final: Não confundir majorante com qualificadora.

Majorante é fração de aumento de pena em concreto na terceira fase da dosimetria da pena.

Qualificadora aumenta pena em abstrato na primeira fase da dosimetria da pena.


Livro de apoio: Código Penal Comentado – Rogerio Grego

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