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23 de Maio de 2024

Biodireito: um novo filho da ciência

Publicado por Flávio Tartuce
há 8 anos

Por Jones Figueirêdo Alves

Biodireito um novo filho da cincia


A revista científica britânica “New Scientist” revelou, em seu site na rede Web (27.09), o nascimento do primeiro “bebê de três pais” (06.04), um dos filhos da ciência, pelo uso pioneiro da técnica de micro-transplante mitocondrial, a “tree parents tecnique” (https://www.newscientist.com/article/2107219).

Antes dele tivemos, como filhos da ciência, (i) Louise Joy Brown, o primeiro bebê nascido de fertilização “in vitro” (Oldham, Inglaterra, 25.07.1978); (ii) Adam Nash, geneticamente selecionado por compatibilidade e nascido para salvar a vida de sua irmã Molly - que sofria de anemia de Fanconi, uma doença genética que provocaria sua morte precoce – por isso denominado “saviour sibling” (“irmão salvador”) ou “bebê-medicamento” (EUA, 29.08.2000); (iii) e aqueles inúmeros selecionados por Diagnóstico Genético Pré-Implantacional (DGPI), descrito pela primeira vez na década de 1990 a prevenir transferência de embriões portadores de graves doenças gênicas. Com seus perfis genéticos definidos, alguns deles chamados como “designer babies”, por características físicas pretendidas.

A nova técnica utiliza um óvulo combinado de duas mulheres fertilizado com o sêmen do genitor, uma delas doadora do DNA mitocondrial não defeituoso, tudo a evitar doenças genéticas transmitidas pela mãe.

Abrahim Hasan nasceu no México (onde omissa a legislação), filho de pais jordanianos, cuja principal mãe é portadora da síndrome de Leight, um distúrbio neurológico que transmitido aos filhos se apresenta fatal. Ela perdera os dois primeiros. Essa avançada técnica de reprodução assistida vem possibilitar que o núcleo do óvulo da futura gestante seja removido e transplantado para o óvulo de mitocôndrias saudáveis de outra mulher, evitando-se doenças graves no filho a ser concebido.

A técnica de transferência mitocondrial foi pesquisada e desenvolvida, inicialmente, em Newcastle (UK), tendo sido permitida no Reino Unido, desde a edição da Lei nº 572/2015, de 03.02.2015, denominada “Human Fertilisation and Embryology (Mitochondrial Donation)” com dezenove regulações, aprovada pela Câmara dos Comuns (382 votos a favor x 128 contrários) depois de cinco anos discutida no Parlamento britânico. Em menos palavras, a permissão da técnica significa admitir a reprodução assistida de filhos com três pais genéticos, mais precisamente com duas mães, onde a mãe mitocondrial colabora com seu DNA próprio.

Mitocôndrias são organelas celulares, com DNA específico, situadas no óvulo e quando sofrem mutações causam doenças hereditárias; significando que mães portadoras de mutações mitocondriais (miopatia mitocondrial) impõem aos filhos o destino genético de uma concepção feita por óvulos doentes.

Interessante que mitocôndrias adoecidas do sêmen não penetram no óvulo ao tempo da fecundação; a dizer, na hipótese, que os defeitos genéticos advenientes da miopatia mitocondrial são de herança materna, provocando cegueira, convulsões, doenças cardíacas e hepáticas.

Anota-se que a mitocôndria, “verdadeira usina de energia celular”, tem sua transmissão genética, pelo processo de fertilização artificial (“in vitro”) em reduzido percentual; ou seja, a mãe doadora representa apenas 0,18% do DNA total. Enquanto o DNA mitocondrial saudável é composto de 37 importantes genes da mãe doadora, o núcleo do óvulo transportado da mãe biológica e gestante possui cerca de vinte e cinco mil genes da genitora. Aquele percentual menor, todavia, é decisivo para a qualidade de vida do filho.

A nova lei autorizativa da técnica, vigente na Grã-Bretanha e única no mundo, revoluciona a atual legislação bioética que tem proibido a manipulação do genoma humano, o uso de materiais genéticos combinados ou que embriões geneticamente alterados sejam implantados na mulher.

Importa assinalar, todavia, que tem sido defendida a doação mitocondrial, diante da elevada contribuição que a terapia gênica oportuniza, a impedir que crianças sejam vitimas - uma a cada seis mil e quinhentas, no Reino Unido – por doenças incapacitantes, que afetam coração, fígado, atividades musculares, entre outras patologias severas que podem conduzir à morte. Seriam crianças destinadas a morrer, por falhas da mitocôndria. A rigor, estima-se que cerca de setenta tipos de mutações em genes do DNA mitocondrial vinculam-se ao surgimento de determinadas doenças, algumas letais.

Sublinha-se que três procedimentos de transferência de núcleo existem e são utilizados a indicar a trindade genética: (i) entre gametas, (ii) na fase de zigoto e (iii) por transferência citoplasmática; certo que sempre o objetivo da manipulação destina-se a inibir doenças.

A lei britânica chamou, desde então, a atenção mundial, ao permitir que as técnicas de fertilização utilizem óvulos geneticamente modificados, acompanhando os avanços da ciência, sem maiores questionamentos bioéticos.

Tem sido sustentado, aliás, que o DNA mitocondrial não influencia as características fenotípicas do ser concebido, querendo significar que a trindade genética não será absoluta, ou seja, desinfluente, nesse ponto, será a segunda mãe. No mais, a mencionada lei vem dispor que a mãe doadora será anônima, para os fins da relação parental, como sucede com os doadores de sêmen, nos projetos parentais com fecundação artificial heteróloga.

Destarte, ganha relevo cientifico, sob o amparo da lei pioneira, o surgimento de seres criados com carga genética de acréscimo, detentores de identidades genéticas diferenciadas, ao portarem DNAs distintos, ou seja, advenientes de duas mães genéticas. É uma nova espécie de quimera, trazida pela ciência a desafiar o direito.

Sabido e consabido que os meios-irmãos tem em comum o pai ou a mãe, e no caso da mãe, os dois compartilham o DNA mitocondrial - o que não ocorre se forem filhos de mesmo pai, com mães diferentes – a presente novidade biogenética de uma concepção a três, com mães genéticas distintas de um mesmo filho, vem de exigir, agora mais que urgente, os avanços da ordem jurídica.

Indispensável, pois, que tenhamos, em nosso país, uma legislação de biodireito, positivando as normas bioéticas, a dispor sobre a reprodução assistida.

DESEMBARGADOR DECANO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO (TJPE). MESTRE EM CIÊNCIAS JURÍDICAS PELA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CLÁSSICA DE LISBOA (FDUL).

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Caso algum colega se interesse mais por este tema, redigi artigo científico publicado no seguinte endereço: http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/3902 continuar lendo

Caminha-se para um admirável mundo novo. continuar lendo

O Biodireito tem sido conhecido como a quarta dimensão do direito, como evolução da própria história. A Comissão de Biodireito e Bioética surgiu em 1999, quando a OAB-SP percebeu que assuntos como clonagem e alimentos geneticamente modificados não estavam sendo tratados por nenhuma outra comissão, não se encaixando nas áreas tradicionais. Portanto, iniciou-se uma diretriz para analisar os casos que fossem surgindo de acordo com o pensamento de advogados, promotores e juízes.
Na Suécia e Estados Unidos, o Biodireito, é utilizado na maioria das vezes para solução em volta dos casos problemáticos de inseminação artificial, no tocante a pagamento de pensão quando o sêmen gerado foi por doação à clínica, ou quando nasce criança com características ou cor de pele diferente a dos pais. Fiscalizando a conduta dos médicos para que não cheguem a brincar de Deus, é papel do Biojurista aconselhar o que pode ou não pode ser feito. continuar lendo

Muito obrigada por seus esclarecimentos. continuar lendo

A ciência antevendo a necessidade premente de antecipação da discussão das relações de multiparentalidade. continuar lendo