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16 de Junho de 2024

Há um prazo para exercício do Direito de Resolução?

Por Yuri Pimenta Caon

Publicado por Ribeiro E Cury
ano passado

Em março do presente ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o AgInt no REsp nº 1.975.113/SP onde se discutia a possibilidade ou não de exercício do direito de resolução pelo inadimplemento, pelo credor, ante a prescrição de parcelas abertas em compromisso de compra e venda de imóvel.

Nos termos do acórdão, entendeu a Terceira Turma do STJ, sob a relatoria do Min. Moura Ribeiro, que uma vez prescrita a pretensão de cobrança das parcelas não pagas, não é mais possível pleitear com base no inadimplemento, a resolução do contrato, “por ter desaparecido o elemento objetivo” que dá suporte ao pleito desconstitutivo.

Embora o STJ não tenha se manifestado expressamente a respeito da existência de um prazo para o exercício do direito de resolução, é possível afirmar que este o fez indiretamente.

Para entender o raciocínio ora apontado e que pode ser extraído do citado acórdão, antes é necessário explicar o caso concreto levado a julgamento.

A controvérsia em questão dizia a respeito de ação de adjudicação compulsória movida pelos promitentes compradores (“Compradores”) do bem imóvel a fim de obter o suprimento da vontade e obter a escritura pública definitiva da compra e venda, na qual figurava na parte contrária uma sociedade que tinha por objeto social a negociação de imóveis (“Imobiliária”)

Em primeira instância, a Imobiliária contestou o pedido, alegando que o preço contratado não havia sido integralmente adimplido, restando em aberto treze prestações, e apresentou reconvenção com pedido de cobrança das parcelas em aberto e de resolução por inadimplemento.

O pedido de adjudicação foi acolhido em primeira instância, entendendo o juiz que houve adimplemento substancial do contrato por parte dos Compradores, deixando, contudo, de atender a reconvenção em razão de questões processuais.

A Imobiliária apelou da sentença requerendo pela reforma da sentença quanto à procedência da adjudicação e pela negativa de recebimento da reconvenção.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão de adjudicação e recebeu a reconvenção, a qual, porém, foi julgada improcedente. Entendeu a Corte paulista que as parcelas em aberto estavam prescritas, de modo que com o reconhecimento da prescrição não haveria óbice à adjudicação do imóvel e “nessa medida, a reconvenção não comporta acolhimento, ante a inexigibilidade das prestações prescritas, sendo incabível a condenação dos autores no pagamento destas ou a resolução do compromisso de compra e venda”.

Em face do acórdão foi interposto recurso especial a fim de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestasse a respeito de uma omissão do TJSP quanto à análise do pleito de resolução contratual, bem como quanto ao prazo aplicável ao exercício do direito de resolução, justificando a Imobiliária, em suas razões recursais a natureza jurídica de direito potestativo da resolução, logo não tendo sua eficácia coberta pela prescrição ou decadência, ou, por analogia, que fosse aplicável o prazo decenal, previsto no art. 205 do Código Civil.

Assim, a discussão no âmbito do recurso especial passou a ser a possibilidade ou não do exercício do direito formativo extintivo de resolução [1] mesmo após o reconhecimento da prescrição da obrigação principal.

Como visto acima, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que não. Primeiramente, entendeu o STJ que a controvérsia não dizia respeito à existência ou não de prazo para exercício do direito de resolução, não apresentando, por conseguinte, qualquer posicionamento a respeito, como se pode verificar do seguinte trecho do acórdão: “não se discute, portanto, se a pretensão de resolução do contrato em razão do inadimplemento está sujeita a prazo prescricional ou decadencial. Tampouco se discute se esse prazo é quinquenal, decenal ou vintenário. Trata-se, simplesmente, de reconhecer que uma vez prescrita a pretensão de cobrança, não há mais possibilidade de se perseguir a resolução do contrato”.

Na sequência, entendeu o STJ que uma vez prescrita a pretensão de cobrança das parcelas não pagas, não é mais possível pleitear com base no inadimplemento, a resolução do contrato, por “ter desaparecido o elemento objetivo que dá suporte ao pleito desconstitutivo”, apresentando sua jurisprudência em fundamentação.

Examinando a decisão, embora nada diga expressamente, observa-se que o posicionamento do STJ quanto à impossibilidade de exercício formativo extintivo de resolução encontra amparo na doutrina de Pontes de Miranda que afirma, em primeiro lugar, que direitos formativos não prescrevem para, na sequência, dizer que “se o credor não mais podia cobrar, não mais pode pedir a resolução ou a resilição (resolução ex nunc), porque o réu não tem mais obrigação de prestar, embora deva”. [2]

Utilizando-se de uma linguagem fundada na doutrina ponteada é possível explicar o raciocínio aplicado ao STJ nos seguintes termos: com a prescrição das parcelas, a pretensão de cobrança tem sua eficácia encoberta, não podendo a obrigação ser exigida.

Por conseguinte, o suporte fático da resolução (vide art. 475, CC [3]) pressupõe o inadimplemento do contrato e este, por sua vez, pressupõe a exigibilidade da dívida. Logo, a prescrição da pretensão ao adimplemento (poder exigir) impediria a formação completa dos elementos que integram o direito à resolução, ou, como diria Pontes de Miranda, o suporte fático seria insuficiente.

O entendimento acima não é pacífico na doutrina. Exempli gratia, a Professora da Faculdade de Direito da UERJ, Aline Terra, além de entender que a resolução se subordina prazo decadencial caso previsto em lei ou convencionado pelas partes, defende que é possível exercer o direito formativo extintivo de resolução mesmo ante obrigações prescritas, sob o argumento de que é mais vantajoso pedir a resolução do ponto de vista da segurança jurídica, pois “resolvida a relação obrigacional, dúvidas não haverá quanto à liberação das partes do cumprimento do dever principal da prestação”. [4]

Ousando discordar de Pontes de Miranda, entendemos que permitir o direito de resolução mesmo ante a prescrição é totalmente possível, uma vez que a prescrição não impede a ocorrência do suporte fático da resolução. Com efeito, a resolução (seja ela negocial ou legal) tem por fundamento o inadimplemento da obrigação (dívida exigível) a qual não foi cumprida por fato imputável ao devedor.

Por conseguinte, inadimplido o contrato e vindo a ocorrer a prescrição, e consequentemente não mais se possa exigir o seu cumprimento, visto que a pretensão tem sua eficácia coberta pela prescrição, deve-se admitir que a dívida existe. Em suma, o devedor tem dívida, mas não tem obrigação, ao passo que o credor tem direito, porém desmuniciado da pretensão (eficácia coberta).

No caso em tela, ainda que se admitisse que o suporte fático do inadimplemento pressuponha que a dívida embora exigível não foi cumprida, nada obsta que, no plano da lógica, o direito à resolução tenha surgido quando houve o inadimplemento: a regra incidiu sobre o suporte fático inadimplemento, tendo por consequente o nascimento do direito à resolução.

Em outras palavras, dado o inadimplemento, logicamente surgiu no mesmo instante, para o credor, o direito à resolução. Por conseguinte, persistiria existiria o direito à resolução no mundo jurídico, ainda que houvesse superveniente prescrição quanto à obrigação de uma das partes, sendo irrelevante o seu exercício imediato ou não por motivos estranhos à relação jurídica em si.

Entretanto, em sentido contrário, poder-se-ia argumentar que o direito à resolução teria sido extinto em razão da supressio, com fundamento na boa-fé objetiva (art. 187, CC). Entendemos que, a priori, embora seja possível argumentar nesse , a referida figura jurídica pressupõe em seu suporte fático um investimento de confiança quanto ao não exercício de uma posição jurídica que vem superveniente a se frustrar [5]. Isto é, o credor deveria criar uma situação de confiança no devedor quanto ao não exercício do direito de resolução, de modo que seu exercício posterior caracterizaria uma violação ao princípio da boa-fé, o que demandaria maiores informações para se perquirir a respeito do investimento de confiança a respeito da não resolução do contrato,

Outro argumento para afastar aplicabilidade da supressio ao caso, pode ser extraído da seguinte lição de Judith Marthins-Costa, para quem figura “não constitui, portanto, uma exceção ao princípio segundo o qual a inércia do titular do direito pode determinar o encobrimento da pretensão, ou a perda do direito somente nas hipóteses de prescrição ou de decadência, pois para a sua aplicação, não é suficiente a mera inatividade: a esta acresce certa atitude do titular do direito que assume relevância à luz das circunstâncias concretas” [6]

De volta a decisão do STJ, é evidente que embora o Tribunal não tenha se manifestado acerca da natureza do prazo para exercício do direito à resolução ou qual seria o prazo aplicado, ao decidir pela prescrição da dívida como óbice para o seu exercício, automaticamente a Corte limitou o exercício do direito formativo extintivo ao prazo de prescrição da dívida.

Aliás, esse é mesma conclusão alcançada pelo falecido ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado de Aguiar Jr em sua obra clássica a respeito da extinção do contrato por resolução. Sustenta o autor após analisar a posição de Pontes de Miranda e a inexistência de uma regra de decadência quanto ao exercício do direito de resolução em nosso ordenamento, que o “direito de resolução se extingue por efeito da prescrição da pretensão creditícia”. [7]

Ante as divergências a respeito do prazo para exercício do direito de resolução, espera-se que em breve o STJ venha a se manifestar expressamente a respeito, seja para confirmar o posicionamento adotado no caso examinado, ou, que por analogia adote o prazo prescricional decenal, ou mesmo, entendendo a natureza de direito protestativo extintivo, considere que não há prazo decadencial para exercício do direito à resolução. Certamente, a matéria está intimamente ligada à estabilidade das relações e consequentemente à segurança jurídica em matéria contratual, o que impõe uma decisão definitiva por parte da Corte Superior.


REFERÊNCIAS:

[1] A respeito da qualificação da resolução como direito formativo, e a respeito dessa qualificação em geral, vide PONTES DE MIRANDA, Francisco C. Tratado de Direito Privado. Tomo XV, § 3.091 e passim e Tratado de Direito Privado. Tomo V, § 566 e passim. “De forma geral, os direitos formativos são espécie de direitos protestativos e se caracterizam por conterem poder de influir na esfera jurídica de outro, adquirindo, modificando ou extinguindo direitos. Daí poder se falar em direitos formativos geradores ou constitutivos, direitos formativos modificativos e direitos formativos extintivos”. Vide também AGUIAR JR. Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por Incumprimento do devedor-resolução. Aide Editora, 2012, p.21e s.s: “São classes de direito formativo [...] ‘direito formativo extintivo”, tendente a desfazer a eficácia juridica já produzida ou a própria relação jurídica, como a resolução dos contratos bilaterais por incumprimento, a resilição daqueles de execução continuada, o pedido de separação judicial ou de divórcio, o direito de pedir a decretação de anulação do ato ou a declaração de sua nulidade [...]”

[2] PONTES DE MIRANDA. Francisco C. Tratado de Direito Privado. Tomo XXV, § 3.091.

[3] Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

[4] TERRA, Aline de Miranda Valverde. Cláusula resolutiva expressa. Belo Horizonte. Fórum, 2007, p. 144-145.

[5] Judith MartHins-Costa fala em “confiança na estabilidade da situação” de modo que “o exercício posterior de um direito, modificando a situação que estava estabilizada pelo tempo, provoca uma surpresa que abala o estado de confiança na situação criada” ( MARTHINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado, São Paulo, Saraiva, p. 473.

[6] MARTHINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado, São Paulo, Saraiva, p.474.

[7] AGUIAR JR. Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por Incumprimento do devedor-resolução. Aide Editora, 2012, p.37.

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