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3 de Maio de 2024

Inicial com visual law é indeferida e tribunal reforma a decisão - qual o real objetivo do legal design?

A petição inicial foi, de fato, mantida, mas será que esse é o real objetivo de um documento feito com uso do visual law?

ano passado

Uma recente decisão proferida por uma juíza do estado do Amazonas foi reformada pelo Tribunal de Justiça e trouxe à tona a discussão sobre visual law.

Desde já peço desculpas pelo tamanho do texto, mas esse caso merece um maior aprofundamento que restaria prejudicado com um texto muito enxuto - porém, garanto que tentei abordar o máximo de conteúdo possível sem tornar o texto cansativo.

Antes de analisar dois pontos interessantes sobre o caso, é necessário um breve resumo sobre o processo.

O fato se deu pela apresentação de uma petição inicial com um formato diferente do costumeiramente visto, considerando que o advogado do autor se valeu de uma espécie de "infográfico" para narrar seus fatos e pedidos, limitando a exordial à um arquivo de duas páginas, sendo uma delas a capa.

A magistrada concedeu prazo para emenda da inicial por considerar que a petição não possuía os requisitos necessários para admissibilidade, conforme trecho extraído do despacho inicial:

Intime-se a autora para que, no prazo de quinze dias, adeque a exordial ao padrão usual, qual seja, texto corrido e livre de colunas, visto se tratar de documento formal e não de portfólio digital.

Mesmo com prazo em aberto para simples emenda da inicial, o escritório optou por justificar o uso de elementos visuais em uma petição de quatro páginas, o que resultou no indeferimento da inicial:

Enfito que o autor não procedeu à emenda da inicial, consoante determinado por este Juízo, na forma do art. 321, caput, do CPC. O petitório de fls. 79/83, a pretexto de justificar o formato gráfico censurado pelo Juízo, não cumpriu o que foi ordenado às fls. 76. Sendo assim, sou pelo indeferimento da petição inicial, com fulcro no parágrafo único do art. 321, c/c o art. 330, IV, também do Diploma Processual Civil.

Posterior ao julgamento de primeira instância, a parte autora apresentou recurso e o tribunal acabou por reformar a sentença, conforme fundamentos abaixo:

O visual law consiste em uma forma de organização visual dos dados que permite que um conteúdo denso, excessivamente técnico, com linguagem jurídica, seja apresentado em um formato simples, com fácil leitura e interpretação de dados, utilizando-se QR Code, gráficos, imagens, entre outros.
Nesse passo, entendo que a inicial cumpre os requisitos previstos nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Civil, inexistindo irregularidade que dificulte o julgamento do feito, razão por que o seu indeferimento não encontra amparo legal.

Por fim, apenas para melhor nos situarmos, importante sabermos que entre ajuizamento e prolação do acórdão se passou praticamente um ano.

Feito o resumo do caso, podemos passar para a parte interessante do artigo: a análise sobre o legal design.


Essa análise será dividida em apenas dois pontos, sendo o primeiro deles sobre a técnica aplicada na criação da petição, usando como exemplo a petição desfocada:

Mesmo que de maneira genérica, é possível analisarmos a técnica visual da petição sem mostrá-la claramente nesse artigo, mantendo em mente a preservação de informações sensíveis .

Lembram quando detalhei que a inicial era composta de apenas duas páginas, sendo uma delas a capa? Nesse tópico, a crítica inicial da juíza apontou que a petição parecia mais um portfólio digital, e ela tem um ponto.

O uso de documentos de uma página pode, sim, ser feito, porém não aconselho que se use em uma petição inicial. É o que chamamos de infográfico, ou "one piece".

É complicado pensarmos que uma inicial consiga narrar, desde a síntese fática, a parte relativa ao direito e também os pedidos, tudo em apenas uma folha.

Em uma análise mais detalhada, também é possível percebermos que a petição não fora totalmente alinhada, possui ícones que pouco ou nada acrescentam à narrativa, além de pouca hierarquia textual e, ainda, pouco respiro por conta da utilização de duas colunas.

É nítido, no entanto, que houve uma tentativa de fazer algo diferente, de conseguir chamar a atenção do magistrado para a petição, e a técnica pode ser interpretada de maneiras diferentes - os pontos acima são a minha opinião profissional sobre o assunto, mas não deixam de ser a minha percepção pessoal, e que pode ser diferente da análise de outros profissionais.

No entanto, o segundo ponto é o que realmente acredito que seja o principal: a experiência do usuário.

Esse caso é um nítido exemplo onde o visual law e o legal design são feitos para quem escreve, e não para quem lê.

    Esse, para mim, é um dos princípios fundamentais do legal design: o documento deve ser feito para o leitor, e não para o escritor. Ele é feito pelo escritor e para o leitor, e ponto.

    O intuito ideal de uma petição que se utiliza das técnicas do legal design não é mostrar que o advogado é inovador, disruptivo, moderno ou nada do tipo; é apenas fazer com que o leitor entenda de maneira mais fácil o conteúdo do documento.

    A partir do momento que a discussão não está mais relacionada ao leitor e em como sua vida fora, ou não, facilitada, todo o propósito do legal design se perdeu.

    A estética não é o fim, mas o meio para se atingir a real finalidade do legal design: capturar a atenção do leitor e facilitar o entendimento do conteúdo.

    Se a juíza não entendeu a peça ou simplesmente não gostou do estilo, pouco importa. O que importa é que o objetivo de facilitar a vida do leitor não foi alcançado.

    Na verdade, ouso dizer mais: na ânsia por ser ouvido, o que ocorreu foi o prejuízo de um ano na apreciação da petição inicial e uma "briga" totalmente desnecessária com a juíza que julgará o feito daqui algum tempo.

    É necessário muito cuidado ao se elaborar uma petição baseada nos fundamentos do legal design para não causar prejuízos ao cliente, não criar uma verdadeira briga de egos e, principalmente, não se desvirtuar do propósito inicial de facilitar a vida do leitor.


    Por fim, para que esse artigo não pareça uma crítica gratuita - o que não é, considerando que eu realmente admiro os profissionais que buscam fazer algo diferente para produzir resultados diferentes - entendo que caibam sugestões do que eu faria no caso concreto.

    No cenário onde a petição fosse alterada, eu tentaria deixar o documento um pouco mais extenso, já que nem sempre menos é mais. Isso não significa "encher linguiça", mas apenas espaçar melhor as informações e dividir de uma maneira mais clara os tópicos da petição, arquitetando melhor a informação.

    Agora, pensando no cenário onde a petição é mantida inalterada e a juíza mantém seu despacho pela emenda da inicial, acredito que realmente poderiam ter lidado melhor com a decisão.

    Precisamos partir do pressuposto que o design da petição já não serviu seu propósito, então de pouco adianta brigar por sua aceitação. O melhor a se fazer é acatar a determinação da juíza, que é a leitora e destinatária final da petição, e promover as alterações.

    O legal design ainda possui algumas barreiras que precisam ser superadas, então acredito que forçar a aceitação de seu uso não seja a melhor abordagem.

    O que pode ser feito, portanto, é usar a oportunidade para educar o público.

    Um simples tópico explicativo, indicando que o design utilizado foi uma tentativa de facilitar a leitura e a interpretação e que, por conta da desaprovação da magistrada, a mesma seria reapresentada, logo em seguida, nos moldes clássicos.

    Talvez ainda coubesse uma nota indicando que novas abordagens seriam estudadas para que futuras abordagens fossem melhor aceitas pelo Judiciário, o que contrastaria como um ato mais voluntarioso do que a busca cega pela reforma

    O autor Steve Krug, em sua obra "Não me faça pensar", traz um pensamento interessante sobre o que ele chama de "reservatório de boa vontade" (pensado no contexto de experiência na Web, mas que por analogia pode ser útil para o universo do legal design), e que entendo que sirva muito bem como premissa para as eventuais discordâncias que surjam entre escritor e leitor:

    O Reservatório de Boa Vontade
    Sempre achei útil imaginar que, cada vez que entramos em um Web site, começamos com uma reserva de boa vontade. Cada problema que encontramos no site diminui o nível desta reserva. [...]
    A reserva é limitada e, se você tratar mal os usuários e acabar com ela, há uma boa chance de que eles vão embora. Contudo, sair não é o único resultado negativo possível. Eles podem ficar não muito dispostos a usar seu site no futuro ou podem ter uma ideia pior a respeito da sua organização.
    Há algumas coisas que valem a pena serem notadas a respeito desta reserva: [...]
    Você pode reabastecê-la. Mesmo se você tiver cometido erros que tenham diminuído minha boa vontade, pode recarregá-la fazendo coisas que me façam sentir como se estivesse cuidando dos meus melhores interesses.

    A ideia dessa nota explicativa buscaria reestabelecer a confiança do leitor, no caso a juíza, e demonstrar que o uso do visual law foi uma ferramenta na busca de facilitar a vida da magistrada e que, diante da ineficiência, a determinação pela emenda fora acatada e eventuais próximas iniciais serão elaboradas com maior cuidado, sempre com o melhor interesse do leitor em mente.


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    2 Comentários

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    Renato, brilhante sua análise. Trabalho com direito digital e neste sentido o LD/VL são muito empregados mas o ponto focal é exatamente a experiência do leitor / destinatário e, de fato, a PI ficou muito a desejar, já vi alguns casos em que os documentos ficam extremamente infantis, o que me parece até agredir a inteligência do leitor. Parabéns pelo texto! continuar lendo

    Muito obrigado pelos elogios, Lilian! Realmente, algumas petições pecam na execução, mesmo que a intenção seja boa. Ainda falta muito tato por parte de quem as elabora para saber até onde ir para manter a seriedade necessária e alcançar os reais objetivos dos documentos.

    Porém, acredito que aos poucos estamos evoluindo e cada vez mais profissionais percebem que encher a petição de elementos visuais pode não ser efetivo e, na verdade, talvez mais atrapalhe do que ajude. continuar lendo