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4 de Maio de 2024

Lei 13.330/2016: por que punir mais severamente o furto e a receptação de “semoventes domesticáveis de produção”?

há 8 anos

Publicada em 03 de agosto do corrente ano, a Lei n. 13.330 altera a parte especial Código Penal, com a finalidade de punir mais gravemente os crimes de furto e receptação de semoventes domesticáveis de produção, ainda que abatidos ou divididos em partes.

Assim, com relação ao delito de furto, acrescenta-se o § 6º ao artigo 155 do CP, que traz uma nova qualificadora: “A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.”

Quanto ao crime de receptação, cria-se novo tipo penal por meio do artigo 180-A: “Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito ou vender, com a finalidade de produção ou de comercialização, semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes, que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”

A lei é oriunda do projeto de lei 128/2015, da Câmara dos Deputados. Na apresentação de tal proposta, o autor do projeto a justifica da seguinte forma:

O crime de abigeato, ou furto de animais, é uma forma terrível de atingir a vida do produtor rural, suprimindo bens que garantem sua subsistência e de sua família. O abigeato representa a perda de ativos para o produtor rural, que já tem que lidar com uma realidade difícil, em termos econômicos e ambientais, em nosso país. Dados recentes demonstram que o abigeato é responsável por 20% dos abates clandestinos de animais, no Rio Grande do Sul, segundo a Secretaria de Agricultura. É importante que se ressalte que além do produtor, e talvez de forma mais danosa, o abigeato atinge toda a sociedade. Trata-se de uma prática criminosa que é a raiz de outras tantas violações à segurança e à saúde públicas. O comércio de alimentos oriundos de animais furtados é, pois, uma atividade econômica clandestina que tem impactos negativos tanto do ponto de vista da sonegação de impostos, como em relação à saúde da população. Tome-se, por exemplo, o comércio de carne de um animal furtado que tenha sido recentemente vacinado. Determinadas vacinas permanecem no organismo do animal por um período de até 40 (quarenta) dias, tornando-o impróprio para consumo. Quando a sociedade não tem garantia da origem do alimento que adquire e consome, ela mesma se expõe a danos de toda ordem, que podem comprometer seriamente a saúde humana.

Destaca-se a justificativa do recrudescimento pela possível violação à saúde pública, tendo em vista a comercialização e o consumo, pela população, de carne de origem duvidosa, que pode causar danos à saúde humana.

Dessa forma, o Direito Penal é utilizado para suprir uma deficiência estatal referente à fiscalização sanitária, o controle que deve ser feito e não o é, mesmo quando não se trata de abigeato, mas de produção irregular.

Logo, os problemas de saúde pública provenientes da falta de fiscalização, além da intensa atividade ilícita nesse contexto (pagamento de propinas a fiscais sanitários, etc.), não estão principalmente relacionados com a prática do furto de animais de produção, a ponto de justificar o incremento das penas e a criação de um novo tipo penal.

Isso porque o Direito Penal deve ser a ultima e não a prima ratio, recrutado somente quando as demais esferas jurídicas de controle se mostram insuficientes. Incriminação e endurecimento penal, nesse caso, não suprem a necessidade de fiscalização por parte de agência reguladora competente. Na realidade, trata-se de utilização meramente simbólica do Direito Penal, isto é, totalmente inútil e ilegítima.

Portanto, não se vislumbra fundamento plausível para a criação da qualificadora e do tipo penal em comento do ponto de vista do injusto (desvalor de ação ou desvalor de resultado) ou da culpabilidade (grau de reprovabilidade pessoal pela conduta típica e ilícita praticada).

O possível dano à saúde pública, que poderia caracterizar grau mais elevado do desvalor de resultado, não se mostra suficiente para legitimar a incriminação, pois os problemas nesse campo estão intimamente ligados à fiscalização sanitária.

Na mesma esteira, desde o ponto de vista preventivo, a alteração legislativa não se mostra razoável. O abigeato, dentro dos crimes contra o patrimônio, não é a conduta mais frequentemente praticada, a ponto de necessitar de um recrudescimento para estabilização normativa ou aumento do efeito de “chamada de atenção” da norma (prevenção geral positiva e negativa). Ainda que o fosse, convém frisar, a prevalência de considerações político-criminais, desconsidera a função atribuída à sanção penal de justa retribuição, ou seja, adequada, proporcional ao injusto culpável que, em razão disso, garante melhores condições para prevenção geral e especial.

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