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17 de Junho de 2024

O controle de Políticas Públicas pelo Judiciário e a violação ao príncipio da Separação dos Poderes.

Publicado por Tacia Nunes
há 2 anos


O princípio da separação dos Poderes está insculpido no art. da Constituição Federal, ao dispor que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Sobre o tema, José Afonso da Silva ensina que “a harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados”.

Assim, a independência entre os poderes objetiva estabelecer um sistema de “freios e contrapesos” para evitar o abuso e o arbítrio por qualquer dos Poderes. No cenário atual, é comum nos depararmos com decisões judiciais que impõem ao Poder Executivo obrigação programática de fazer ou de não fazer. No entanto, decisões judiciais de tal espécie de obrigação representam frontal violação ao Princípio da Separação dos Poderes, insculpido no art. da Constituição da Republica. Não à toa, portanto, o controle dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário não pode ir além do exame da legalidade, de modo a não se permitir a substituição do Administrador pelo magistrado. Como salienta Seabra Fagundes [1]:

O mérito é de atribuição exclusiva do Poder Executivo, e o Poder Judiciário, nele penetrando, “faria obra de administrador, violando, destarte, o princípio de separação e independência dos poderes. Os elementos que o constituem são dependentes de critério político e meios técnicos peculiares ao exercício do Poder Administrativo, estranhas ao âmbito, estritamente jurídico, da apreciação jurisdicional”.

Quanto a isso é sabido que o controle da atividade administrativa pelo Poder Judiciário se circunscreve ao exame da legalidade e legitimidade, não podendo interferir no juízo de conveniência e oportunidade (discricionariedade) da administração pública.

Ademais, tem-se que há vedação constitucional de o Poder Judiciário adentrar na esfera da discricionariedade do Administrador e, mais ainda, de delinear políticas públicas a serem implementadas pelo Executivo. Na lição de Hely Lopes Meirelles [2]:

A atividade discricionária encontra justificativa na impossibilidade de o legislador catalogar na lei todos os atos que a prática administrativa exige. O ideal seria que a lei regulasse minuciosamente a ação administrativa, modelando cada um dos atos a serem praticados pelo administrador; mas como isto não é possível, dada a multiplicidade dos fatos que pedem pronta solução ao Poder Público, o legislador somente regula a prática de alguns atos administrativos que reputa de maior relevância, deixando o cometimento dos demais ao prudente critério do administrador.

(...)

Essa liberdade funda-se na consideração de que só o administrador, em contado com a realidade, está em condições de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência da prática de certos atos, que seria impossível ao legislador, dispondo na regra jurídica - lei - de maneira geral e abstrata prover com justiça e acerto. Só os órgãos executivos é que estão, em muitos casos, em condições de sentir e decidir administrativamente que convém e o que não convém ao interesse coletivo.

Conforme se percebe, fundado em seu poder discricionário, a Administração Pública tem liberdade de dispor das verbas orçamentárias, determinando onde estas devem ser aplicadas e escolher quais obras realizar ou projetos executar. E ao Poder Judiciário, por óbvio, é vedada a intromissão nas questões de programa de governo. Nessa direção aponta a jurisprudência de nossos tribunais, como demonstram o seguinte julgado:

REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE - NÃO CONHECIMENTO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - IMPOSSIBILIDADE DE ALARGAMENTO SEMÂNTICO DO DISPOSTO NO ART. 19 DA LEI N. 4.717/65 - APELAÇÃO CÍVEL - PRETENSÃO DE SE IMPOR AO MUNICÍPIO DE RIO DOCE A CRIAÇÃO E ADEQUAÇÃO DE PROGRAMAS E SERVIÇOS DE TRATAMENTO SOCIOEDUCATIVO A ADOLESCENTES - POLÍTICA PÚBLICA - ATO DISCRICIONÁRIO - INÉRCIA ABUSIVA DA ADMINISTRAÇÃO NÃO CARACTERIZADA - INTANGIBILIDADE DO ATO PELO PODER JUDICIÁRIO. Conforme entendimento do STJ, aplica-se o disposto no art. 19 da Lei n. 4.717/65 indistintamente ao microssistema da tutela coletiva, permitindo a aplicação de norma prevista na Lei da Ação Popular também às Ações Civis Públicas. Há reexame necessário quando a ação coletiva for julgada improcedente ou reconhecida a carência da ação, não havendo previsão específica para as demandas julgadas parcialmente procedentes, sob pena de indevido alargamento semântico do art. 19 da Lei n. 4.717/65. Em se tratando de demanda julgada parcialmente procedente, não atrai a aplicação do disposto no art. 19 da Lei n. 4.717/65 e, por conseguinte, não deve ser conhecido o reexame necessário. Ao Judiciário é defeso adentrar na discricionariedade dos atos administrativos voltados à concretização de políticas públicas, sendo-lhe reservado tão somente o exame de sua legalidade e moralidade. Inexistente a política pública de implementação de programas e serviços de tratamento socioeducativo a adolescentes com indicativo para aplicação de medidas de liberdade assistida, quando não comprovada a ilegalidade da omissão estatal e demonstrado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente sua desnecessidade no âmbito do Município, descabida se revela a judicialização da questão, sob pena de afronta ao princípio da Separação dos Poderes. (TJ-MG - AC: 10521120022723001 MG, Relator: Yeda Athias, Data de Julgamento: 15/03/2016, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/03/2016)

Em suma, o controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário deve ser de caráter excepcional e não poderá ocorrer quando se estiver diante de possível ofensa à separação de poderes, uma vez que as decisões nesse sentido, em sua maioria, contam com os critérios de conveniência e oportunidade do Poder Executivo, porquanto dependem de dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades do governante. Assim, as decisões que desprestigiam a discricionariedade da Administração, afrontam mortalmente tal princípio.

Tácia Helena Nunes Cavalcante

*Texto publicado na Revista Direito Hoje.


[1] In O Controle dos Atos Administrativos. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense (p. 146).

[2] In Direito Administrativo Brasileiro. 30ª ed.ição. São Paulo: Malheiros (p. 120).

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