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3 de Maio de 2024

O descumprimento contratual e a indenização por danos morais

há 9 anos

O tema indenização por danos morais é polêmico e enfrenta divergência nas jurisprudências dos Tribunais. A questão da existência do dano a moral ou a existência de mero aborrecimento são analisadas caso a caso, sendo possível que o mesmo caso seja considerado dano moral por um julgador e não seja por outro, a questão é de fato complicada, pois apesar de existirem os requisitos do surgimento da responsabilidade civil, não existem requisitos certos para se auferir a existência do dano e até mesmo parâmetros para delimitar o seu quantum indenizatório.

A indústria do dano moral é uma expressão utilizada para representar a elevação da demanda judicial envolvendo questões de nosso cotidiano, como por exemplo, os descumprimentos contratuais.

Certa vez, li uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que considerou o atraso na entrega de presente adquirido pelo comércio eletrônico apenas um mero aborrecimento, fatos que podem ocorrer em nosso dia a dia, em nossas relações perante a sociedade. Em casos específicos, em que o atraso perdura por um período extenso, sem qualquer solução por parte do contratante vendedor, já poderia ser considerado pelo julgador a existência de abalo emocional, da extensão de um simples aborrecimento para o ferimento do emocional do comprador, que tem sua expectativa de recebimento frustrada e seu tempo perdido nas tentativas de solucionar o conflito.

Alguns clientes já chegam ao escritório com a ideia fixa de pedir danos morais, só que justamente em razão do crescimento das demandas envolvendo os danos morais, não compreendem que de fato o abalo moral que enseja a indenização é algo grave, que abala a esfera íntima do indivíduo, que em minha opinião, não como julgadora ou advogada, mas como pessoa, seriam a tranquilidade, o tempo, a paciência da pessoa, seu sentimentos em geral. E são justamente esses patrimônios íntimos, pessoais, que devem ser protegidos e indenizados quando feridos.

Por outro lado, também concordo ser injusto, que ao sofrer uma falha na prestação de um serviço, ainda que seja algo que possamos enfrentar durante o nosso dia a dia, as empresas não sejam "penalizadas" pela falha.

Sobre o tema, não é difícil perceber sua extensão na prática, basta advogar na área consumerista ou demandar em juízo como autor. Vários advogados relatam e expõem o inconformismo com indenizações ínfimas em ações que envolvem relações de consumo, e infelizmente, essa vem sendo a regra nas condenações.

Considero que o problema é que não existe uma multa nos contratos do nosso cotidiano. Quando uso a expressão contratos de nosso cotidiano quero dizer que por mais que o contrato não seja escrito, assinado pelas partes, com requisitos de formalidade, existe sim um contrato quando você vai a um restaurante pedir um jantar, quando você vai abastecer o carro, quando adquirimos um produto, quando contratamos um pacote de internet pelo serviço de atendimento, ou seja, em nosso cotidiano realizamos diversos contratos.

O contrato de locação por exemplo, regra geral, prevê uma multa em caso de rescisão antecipada do contrato, por culpa de uma das partes, há portanto, uma pré fixação de multa em caso de descumprimento do contrato, o que não ocorre em nossos contratos do dia a dia.

O atraso na entrega de um produto em regra não gera o dano extrapatrimonial ao indivíduo, no entanto, em minha opinião, ocorrendo a falha na prestação do serviço, deveria existir um mecanismo para reparar o consumidor pelo atraso, quem sabe uma norma que incluísse entre as exigências dos contratos de consumo uma multa punitiva pelo descumprimento, seja o contrato escrito ou verbal de nosso dia a dia, de forma a reparar a parte lesada.

Por fim, esclareço que esses são apenas pensamentos, hipóteses geradas por mim na tentativa de prever uma maior defesa ao consumidor, sem retirar a finalidade principiológica da reparação dos danos extrapatrimoniais.

Por Dra Juliana Boschoski para o blog Diário da Vida Jurídica.

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Este texto foi originalmente publicado no blog Diário da Vida Jurídica, de autoria da Dra Juliana Boschoski. A reprodução total ou parcial deste é autorizada somente mediante a manutenção dos créditos e citação da fonte original (link aqui). Grata.

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40 Comentários

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Eu não sou do métier, mas sou um cidadão que já experimentou ter de recorrer algumas vezes à justiça na tentativa de ver reparado um dano sofrido. É frustrante ouvir um juiz sentenciar que o que você sofreu é um "mero dissabor".
As empresas tem um departamento jurídico que está a sua disposição (quase que) 24 horas por dias, enquanto que um cidadão tem de largar seus afazeres (isto quando o patrão permite) para buscar o amparo da justiça. Isto é de uma desigualdade que não se mede! Somente por esse desequilíbrio já seria motivo suficiente para que os juízes fossem nas sua decisões mais implacáveis com a parte contrária. Principalmente sendo ela uma empresa de grande porte , como são os bancos – eu penso.
No meu caso, por duas vezes, em ações de danos morais, o juiz sentenciou justamente 25% do que eu reivindicava. Aí, penso comigo: “ enquanto as sentenças para essas empresas forem nessa lógica, a grande maioria das empresas repetirão suas negligências com seus clientes. Se os juízes tomassem a atitude de aplicar a indenização máxima (ou próxima do), é muito provável que tais negligencias não iriam se repetir com tamanha frequencia. Imagina o que é para um banco indenizar uma pessoa digamos, por R$ 2.000,00 por ter incluído seu nome em um cadastro restritivo de forma equivocada, criando uma série de transtornos que não carece aqui elencar?” . Eu penso. continuar lendo

Sergio, por isto nos corredores das empresas é muito comum ouvir O RISCO VALE A PENA, pois sabem que as condenações são ínfimas e o proveito econômico que podem retirar de uma determinada situação vai muito além o que ele paga a um individuo como dano moral.

quanto ao texto excelente exposição, embora eu não atue na seara consumerista, mas vejo muito isto no trabalhista. continuar lendo

Primeiro parabéns pelo texto da Autora, muito bem colocado de forma simples e objetiva. De fato Srª Autora e Sérgio & Manhães, é hora da corte suprema rever esses critérios de avaliação do Dano Moral que mergulhou no modelo de "escala de produção" sem se importar com o "o quê" ou "o quem" nas relações de negócio.

Aliás, vou ser mais ácido um pouco, desculpem: é perceptível a tendência no modelo adotado de proteger muito mais o fornecedor de serviços do que a parte afetada. Eu impetrei um recurso inominado aqui no TJ/PR, (0028011-06.2013.8.16.0182), rediscutindo exatamente os elementos ensejadores da fixação do indenitário, empregados pelo juízo vestibular, destacando exatamente estes pontos muito bem analisados nesta matéria.
Então só nos resta dizer: "Avante Sucupira!", como dizia Odorico Paraguaçu. continuar lendo

Ótimo texto. Concordo com a autora. Com essas decisões judiciais não dando provimento a uma indenização por descumprimento contratual, os magistrados estão rasgando o código de defesa do consumidor e invertendo totalmente seu princípio de proteger a parte mais fraca na relação de consumo.
Veja bem, eu compro um produto no e tenho um prazo para pagar. O fornecedor tem um prazo de entrega. Eu pago no prazo mas o fornecedor não me entrega o produto no prazo, entregando 50 dias após o fim do prazo. O magistrado não defere indenização alguma justificando que trata-se apenas de um mero dissabor do cotidiano. Agora, se eu como consumidor não pagar no prazo, tenho que pagar multa e correção monetária. Se eu passar mais de uns 20 ou 30 dias após o vencimento e não pagar, já vou ter meu nome incluído no SPC e terei meu crédito negativado não podendo mais fazer outras compras.
Onde está a proteção do mais fraco?
Se o consumidor não cumprir a parte dele em pagar em dia é punido com juros e multa e até mesmo com o impedimento de fazer novas compras, agora, se o fornecedor não cumprir com sua parte em entregar o produto no prazo, não acontece nada, aliás, se o fornecedor não só atrasar a entrega mas se ele nem entregar o produto também não terá punição alguma tendo apenas que devolver o valor pago, e nem é em dobro, conforme já percebi em várias decisões judiciais.
Então, os magistrados estão protegendo os fornecedores e punindo os consumidores. Isso é um absurdo.
Não concordo com a justificativa de que o dano moral enseja somente quando ocorra um grande abalo emocional, constrangimento, etc..., pois, embora o dano moral não deva servir de ferramenta para enriquecimento demasiado, ele tem sim um caráter punitivo, afim de reprimir a reincidência na prática abusiva.
Portanto, reforço minha indignação com essas decisões, pois não dão indenização alguma ao consumidor perante o descumprimento contratual de uma empresa, enquanto dão sim indenização a uma empresa quando outra empresa não cumpriu com um prazo contratual. Ou seja, em se tratando de uma relação contratual entre duas empresas, regido pelo código civil, as decisões judiciais concedem uma indenização para a empresa lesada, enquanto quando for uma relação de consumo, regida pelo CDC, não concedem indenização alguma para o consumidor.
Onde fica a premissa de que o código de defesa do consumidor protege a parte mais vulnerável?
Cadê a ideia que é mais vantajoso se utilizar do código de defesa do consumidor do que do código civil para defender o consumidor?
Claro que posso estar exagerando, mas com essas absurdas decisões judiciais é isso que parece estar ocorrendo.
Fabio Longhi continuar lendo

Excelente texto!
Descreve perfeitamente o que nós advogados vivenciamos.
O Judiciário está mais preocupado com a "industria do dano moral" do que com justiça.
Não percebem que indenizações ínfimas e ausência de indenização são estímulos a impunidade. continuar lendo

Dra Juliana Boschoski, concordo com seu pensamento. Só porque não há um contrato escrito que estabeleça uma multa em caso de descumprimento, não justifica que o consumidor não seja reparado pela falha no serviço, ou por algumas vezes quando a empresa sequer reconhece a existência de um contrato entre as partes, e o consumidor tem que recorrer o judiciário para que seja declarada de fato a existência da relação contratual. Deve-se ter um crivo sim, para que a indenização por danos morais não vire uma maneira fácil de enriquecimento, mas não deixando de respaldar àqueles que sofreram pela irresponsabilidade e pela má-fé dos fornecedores de produtos e/ou serviços. continuar lendo