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2 de Maio de 2024

O dever de indenizar no abandono afetivo

Por Dra. Caroline Valente

I- Introdução:

A autoridade parental é o exercício das funções dos pais em relação aos filhos, ou seja, é o conjunto de direitos e deveres caracterizados em criar, educar, cuidar, zelar e dar assistência material, moral e psíquica, que não se altera com o divórcio.

O Código Civil, em seu artigo 1.634, estabelece o dever cuidado entre pais e filhos, sendo assegurado através dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da paternidade/maternidade responsável e do melhor interesse da criança.

A paternidade provoca o surgimento de deveres inerentes ao Poder Parental, que servem para atender o melhor interesse do filho, sendo respaldados pelo Princípio da Paternidade Responsável, priorizando o princípio de que os pais devem arcar com o ônus e o bônus na criação dos filhos.

Além disso, os pais têm igualdade de direitos e deveres para dividir a educação e a criação dos filhos, mesmo após ao divórcio. Desta forma, os genitores têm a responsabilidade no desenvolvimento saudável das crianças, jamais se admitindo a ideia de que pais divorciados ou solteiros sejam isentos em dar amor, cuidado e educação aos seus filhos.

Muitas vezes, um pai ou uma mãe acredita que o sustento material basta para a criação dos filhos e que, com o fim da conjugalidade, o genitor (na maior parte das vezes) fica responsável pela pensão alimentícia, acreditando que, dessa forma, já cumpriu o seu dever de pai. Assim, fica o outro genitor, muitas vezes, a mãe, sobrecarregado cobrindo a ausência emocional daquele que não cumpre o exercício do poder familiar.

Obviamente, não se pode obrigar uma pessoa a gostar e conviver com a outra, porém os pais têm responsabilidade e obrigação de zelar, educar e cuidar dos filhos, oferecendo toda a assistência material e moral para eles.

A relação parental exige compromisso e responsabilidade, e quando esses deveres não são cumpridos, a situação se caracteriza por um caso de abandono afetivo.

O abandono afetivo caracteriza-se não somente pelo abandono de quem tem responsabilidade e o dever de cuidado para com o outro, mas, também, através da conduta omissiva, que não presta a assistência necessária, especialmente nos casos dos pais em relação aos filhos, após a separação.

II_- As Ações de Indenização por Abandono Afetivo

A indenização por abandono afetivo tem aparecido com frequência em nossos Tribunais, nos últimos tempos, pois a lei obriga e responsabiliza os pais em relação aos cuidados com os filhos.

Os casos merecem reflexão sobre a importância das figuras de pai e de mãe na vida de uma criança. Os pais tem obrigações, preconizadas no artigo 1634 do Código Civil e caso descumpram, são responsabilizados pelo abandono afetivo.

Nestes casos há uma violação no dever de cuidado imposto aos pais em relação aos seus filhos, como foi o entendimento da 3 Turma do STJ, entendendo que amar é uma opção, mas cuidar é uma obrigação. Assim, quando comprovada a imposição legal de cuidar dos filhos e esta for descumprida, há uma ilicitude civil por omissão.

O cuidado é avaliado por situações concretas, como: presença, contato, zelo, assistência e ações voluntárias em favor da prole.

Vale estabelecer a diferença entre afeto e cuidado, pois há uma diferenciação dos conceitos. O afeto é uma expressão carregada de subjetivismo, enquanto o cuidado é mais objetivo, consequentemente, materializável, justificando uma indenização, que somente ocorre se houver um descaso, uma rejeição ou um desprezo por parte do genitor em relação aos seus filhos. Tudo isso deve ser comprovado com provas documentais e testemunhais.

A comprovação do dano moral é muito difícil, porém o Poder Judiciário, devido ao cenário dos últimos anos, vem sendo auxiliado por pareceres técnicos de outras áreas para que possam contribuir com uma decisão justa. O cerne da questão é apurar o ato omissivo que causou uma lesão a um bem protegido.

Desta forma, muitos tribunais já vêm julgando em relação ao abandono afetivo, como foi o caso recente do Tribunal de Justiça de São Paulo que condenou um pai por indenização a danos morais, pois este descumpria reiteradamente a convivência com a filha, causando danos psicológicos comprovados, através de parecer técnico.

No parecer foi colocado que a menor ansiava por maior vinculo e proximidade com o pai, mas a relação não se estreitava, pois, a criança causava ciúmes e raiva em outros membros da família, como seu irmão e sua madrasta.

Outro fato que pesou, foram as constantes brigas do genitor com a genitora, fazendo com que ele se afastasse. Porém, as justificativas não foram plausíveis para o afastamento ou a negligência quanto à qualidade da convivência com a menor, pois eventual mau relacionamento com a genitora, não é motivo que justifique o afastamento consentido e voluntário da convivência e da educação moral.

Outro caso decidido pelo TJ/SP foi de um homem que abandonou a genitora desde a gravidez, só conhecendo o filho, após a propositura da ação judicial, além de ser constatado que havia discriminação em face dos outros irmãos da criança, por serem de outro casamento. Omitiu-se de forma consciente, causando um abalo psicológico na criança, assim gerando o dever de indenizar.

Uma das primeiras decisões de abandono afetivo, também, foi dada pela Corte de São Paulo, sendo emblemática, à época. Tratava-se de um pai que após se separar da mãe da criança, constituiu nova família, da qual advieram 3 filhos. Todos faziam parte de uma colônia judaica e se encontravam frequentemente. Mesmo assim, o pai fingia não conhecer a filha do primeiro casamento. Essa situação perdurou por anos, casando problemas psicológicos na menina, que se sentia estigmatizada, humilhada e rejeitada pelo homem. O pai foi condenado a danos morais e ao pagamento do tratamento psicológico da filha, além de ter sido considerada tal atitude discriminatória em relação à criança perante os demais filhos.

Em decisão recente, a Vara Única de Xapuri, no Acre, fixou multa a um pai, caso descumpra o direito de convivência com seu filho, estipulando dessa vez, datas e horários para a convivência. De acordo com a decisão, caso o genitor não cumpra a decisão, novamente, será punido por abandono afetivo, enfatizando a importância da convivência de criança e dos adolescentes com ambos os genitores.

O objetivo das ações mencionadas acima é amparar a vítima que sofreu um dano comprovado decorrente da omissão parental.

A ninguém é dado o direito da causar dano a outrem, e caso faça, deverá repará-lo. No caso dos pais será pela sua falta de assistência moral, demonstrando uma desestruturação familiar que pode gerar consequências gravosas à criança no futuro.

III Quantum indenizatório

O quantum indenizatório tem o caráter punitivo, pedagógico e preventivo em relação aos pais que não cumpre seus papéis de genitores. Essa noção de responsabilidade parental deve ser entendida por eles, como uma relação assimétrica, em que um dos sujeitos está em uma posição de vulnerabilidade.

A indenização por danos morais a rigor não tem valor patrimonial, inclusive porque o bem ofendido não se compra com dinheiro. Porém, o Código Civil através do seu artigo 1634, atribui aos pais o dever de direção e educação dos filhos e de tê-los, não somente sob sua guarda, mas também, sob sua companhia. Caso essas atitudes não sejam observadas pelos genitores, cabe indenização de danos morais pela falta do dever de cuidado e assistência moral, intelectual e psicológica.

A fixação do quantum indenizatório está prevista no artigo 944 do Código Civil, se aplicando a indenização de acordo com a extensão e gravidade do dano e como forma de desestimular a prática de outros casos lesivos. Porém na seara de família, cada caso deve ser observado e de forma individualizada.

Realmente, o abandono paterno/materno não se consegue precificar, mas impor uma sanção pela falta de cuidado e zelo desses pais diante da sua prole, funciona, pelo menos, como um papel pedagógico e compensatório, no intuito de amenizar a dor da vítima.

IV- Conclusão

A reparação tem um caráter pedagógico, com a finalidade de conscientizar (se ainda houver tempo) os pais, pois ser pai e mãe passa pela obrigação cuidar e acompanhar o desenvolvimento dos seus filhos, e não simplesmente ignorá-los, alegando diversos motivos, que acham que justificam esse abandono, como: ter formado outra família, brigar demais com a genitora da criança, não ter desejado a paternidade ou não ter jeito para ser pai/mãe.

Esses genitores não devem esquecer da responsabilidade de colocar um filho no mundo, que vai muito além da assistência material, e que, por muitas vezes, o Poder Judiciário precisa lembrá-los de suas obrigações como pais.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2021.

FARIAS, Cristiano Chaves. DA ROSA, Conrado Paulino. Teoria geral do Afeto. Editora PODIVM, 2022.

MINI CURRICULO

Caroline Valente Cavalcante. Advogada especialista em Direito de Família, Cível e Consumidor.

Pós Graduada em Direitos das Famílias e Sucessões pela UCAM/IBDFAM.

Capacitada em Alienação Parental pela PUC/RJ

Capacitada em Mediação de Conflitos pelo Curso MEDIARE

Vice Presidente da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da ABA/RJ

Coordenadora Adjunta e palestrante do Projeto ABA Conscientiza

Secretária geral da Comissão de Direito das Crianças e adolescentes da OAB/Méier

Membro da Comissão de Alienação Parental da OAB/RJ

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