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3 de Maio de 2024

Você sabe o que é Cadeia de Custódia?

Publicado por Wendel Spargoli
há 2 anos

Apesar do pensamento inicial que possamos ter ao ler o termo "cadeia", o instituto da cadeia de custódia em nada se relaciona com o tema de prisões no Direito Processual Penal.

O termo se relaciona com "ações encadeadas", ou seja, ações que formam um elo e são sequenciadas.

Mas onde isso se encaixa no processo penal é o que veremos a partir de agora.

Conceito

Além de outros temas, uma grande inovação que chegou ao processo penal, por meio da Lei nº 13.964/2019, foi a chamada de cadeia de custódia, sendo uma série de procedimentos que visam a garantia da prova no procedimento.

Como mencionado acima a cadeia de custódia se refere a ações ou procedimentos feitos de maneira sequencial e encadeada (conectada) de modo a garantir que a prova produzida fora do ambiente processual seja colhida e mantida sem que hajam alterações indevidas, de modo a prejudicar o andamento processual.

O melhor conceito exposto sobre a cadeia de custódia pode ser visto pela própria legislação que a define. Diante disso, tem-se o artigo 158-A do Código de Processo Penal:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio.

§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação.

§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal.

Diante disso, é possível observar que a cadeia de custódia é um procedimento sequenciado e contínuo que visa manter e proteger a prova desde sua produção até o seu descarte, trazendo assim um procedimento essencial para garantir que a prova não se perca ou seja destruída sem que produza seus efeitos no processo penal.

Porém, é importante entender ainda que a cadeia de custódia, trazida pelo Código de Processo Penal, define conceitos gerais de manutenção de determinada prova. Como, num processo penal há a possibilidade de serem produzidas provas típicas e atípicas, seria basicamente impossível a própria lei definir especificamente quais são as ações e procedimentos necessários para a manutenção de uma prova específica.

Sobre isso, o autor Aury Lopes Jr. (2021) informa:

É preciso considerar que haverá diferentes morfologias da cadeia de custódia conforme o tipo de prova que estamos tratando. Uma prova pericial de exame de DNA, por exemplo, possui especificidades que obrigam ao estabelecimento de determinada rotina de coleta, transporte, armazenagem, análise, etc. que será completamente diferente da perícia sobre o material obtido em uma interceptação telefônica, por exemplo.

Diante disso, para saber exatamente a cadeia de custódia de uma determinada prova, será necessário saber qual tipo de prova que deverá ser produzida e quais ações ou procedimentos deverão ser tomados para garantir que ela não será alterada ou destruída.

Atos legais de manutenção da cadeia de custódia

Apesar de ser necessário uma análise mais específica sobre a prova em si para se ter uma noção de quais ações e procedimentos devem ser tomados para a manutenção da prova na cadeia de custódia, o Código de Processo Penal traz, em seus dispositivos, direcionamentos gerais de manutenção da cadeia nos artigos 158-B e seguintes:

Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:

I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;

II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;

III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;

IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;

V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;

VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;

VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;

VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;

IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;

X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.

Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares.

§ 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento.

§ 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização.

Art. 158-D. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determinado pela natureza do material.

§ 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte.

§ 2º O recipiente deverá individualizar o vestígio, preservar suas características, impedir contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de informações sobre seu conteúdo.

§ 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise e, motivadamente, por pessoa autorizada.

§ 4º Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de acompanhamento de vestígio o nome e a matrícula do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as informações referentes ao novo lacre utilizado.

§ 5º O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipiente.

Art. 158-E. Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia destinada à guarda e controle dos vestígios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão central de perícia oficial de natureza criminal.

§ 1º Toda central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com local para conferência, recepção, devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a distribuição de materiais, devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que não interfiram nas características do vestígio.

§ 2º Na central de custódia, a entrada e a saída de vestígio deverão ser protocoladas, consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito que a eles se relacionam.

§ 3º Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão ser identificadas e deverão ser registradas a data e a hora do acesso.

§ 4º Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações deverão ser registradas, consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário da ação.

Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia, devendo nela permanecer.

Todo esse procedimento geral trazido pela legislação, bem como as particularidades específicas das provas que não se encaixam nesse procedimento legal, é de extrema importância para a qualidade do processo, bem como para uma "garantia" de um julgamento mais justo.

Isso porque a função principal da cadeia de custódia, é garantir que aquela prova seja produzida de maneira correta, sem interferência e que, após sua extração do local para outras análises ou armazenamento seja feita de modo devido e registrado para garantir que seja possível extrair de tal prova o máximo de informações possíveis do que se queira provar.

Porém, além dessa função principal, a cadeia de custódia, ainda, possui uma função secundária que é dar, aos elementos essenciais do processo, uma função objetiva. Com isso, retira-se a antiga subjetividade que as provas possuíam em que muito se dependia dos indivíduos que colhiam e analisavam as provas. Com isso visa-se impedir que haja qualquer tipo de alteração capaz de inocentar ou incriminar o indivíduo, trazendo, portanto, um julgamento injusto para a causa.

Quebra da cadeia de custódia

Como foi definido pelo exposto acima, a cadeia de custódia age como sendo um garantidor de validade de uma determinada prova, trazendo, em sede legal os meios (procedimentos) fundamentais que visam transmitir a forma como determinada prova deve ser extraída e mantida para análise.

Diante disso, entende-se que a quebra da cadeia de custódia gera, de imediato a ilicitude da prova, pois como visto anteriormente em nossa discussão sobre ilicitude probatória, a quebra da cadeia significa a quebra de um procedimento legal trazida pelo próprio Código de Processo Penal, portanto, tal violação do procedimento gera uma ilegitimidade.

Com relação a isso, o autor Aury Lopes Jr. (2021) afirma que:

Preferimos pensar a quebra da cadeia de custódia como temática diretamente vinculada às regras do devido processo penal, na medida em que significa o descumprimento de uma forma-garantia. Portanto, como regra, deve conduzir ao campo da ilicitude probatória, devendo esbarrar no filtro da admissibilidade/inadmissibilidade. Utilizando o mesmo raciocínio desenvolvido ao tratar das invalidades processuais, onde explicamos que a violação da forma traz a lesão atrelada a um direito fundamental, é preciso compreender que a disciplina da cadeia de custódia é um meio para o cumprimento de regras probatórias diretamente vinculadas à concepção de devido processo penal. Dessarte, quebrar a cadeia de custódia é violar as regras que a definem e, portanto, é violar o devido processo. A quebra da cadeia de custódia faz com que ela seja considerada uma prova ilícita, na medida em que, na dicção do art. 157 do CPP, viola normas legais ( CPP). Sendo prova ilícita, não deve ser admitida (esbarra no filtro de admissibilidade, que é o segundo momento da prova), mas se já estiver incorporada ao processo (quando a quebra é detectada posteriormente ao ingresso, por exemplo, ou se produz no curso do próprio processo), deve ser declarada ilícita, desentranhada e proibida a valoração probatória.

Com isso, tem-se que a quebra da forma aplicada à cadeia de custódia, traduz, para o Direito Processual Penal, numa quebra ao próprio procedimento de produção da prova em si.

Diante disso, como garantia do procedimento penal, bem como para manter um julgamento justo do indivíduo sem que haja um julgamento atrelado a uma prova que não se é possível garantir sua integridade, a quebra da cadeia de custódia pode ser considerada como sendo um ilegitimidade probatória e, dessa forma, não deve ser admitida no procedimento.

Considerações finais

Diante de tudo que foi exposto, vê-se que a inovação legislativa aplicada ao Processo Penal em 2019, trouxe uma grande modificação à seara probatória, visando a garantia de uma produção probatória justa e que traz uma garantia de sua integridade.

É importante entender, também, que por ser uma inovação legislativa, precisamos ver como o tema da cadeia de custódia será recepcionada pelo Poder Judiciário e como a sua quebra será tratada em matéria de ilicitude probatória.



FONTE:

- LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.


Obrigado pela leitura!

Como sempre, informo que o conteúdo aqui exposto trata do tema de modo superficial, tendo o objetivo de disseminação do conhecimento jurídico.

Em sendo necessária uma análise mais profunda sobre o tema, bem como uma análise de caso, é recomendado que se procure um advogado.

Texto originalmente publicado em meu site: www.wendelspargoliadvogado.com.br

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2 Comentários

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Gostaria de mais informações objetivas para fins didático
certificação de cadeia de custódia em extração de manteiga de cupuaçu continuar lendo

Olá, tudo bem? Agradeço o comentário. Geralmente a cadeia de custódia é utilizada para garantir a fidelidade da prova, para fins de uso processual. Como seu caso é bem específico, seria necessário conhecer os processos de extração de manteiga de cupuaçu e aplicar os conceitos de cadeia de custódia.

A credito que não há muitas jurisprudências ou exemplos que atendam a sua necessidade. Então seria necessário uma análise mais manual mesmo. continuar lendo